Motociata promovida por Bolsonaro em São Paulo não gerou renda de R$ 40 mi

Site publica texto com estimativa baseada em um número muito maior de participantes do que o real

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Não é verdade que a “motociata” promovida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no dia 12 de junho gerou R$ 40 milhões em emprego e renda para a cidade de São Paulo. O texto publicado em um site e verificado pelo Projeto Comprova, atribui o suposto ganho econômico ao “aquecimento” do setor hoteleiro e de bares e restaurantes por causa da grande quantidade de participantes do evento. O número no qual o site baseou sua estimativa é, no entanto, muito maior do que o real número de participantes.

Em contato com a reportagem, o responsável pelo site Hora Brasília disse que conversou com comerciantes para fazer a estimativa de impacto econômico. Segundo ele, “levando em consideração que 400 mil motos passaram pelo pedágio, os comerciantes disseram que cada pessoa gastou ao menos R$ 100, chegamos a este valor”. Ocorre que o sistema de pedágio localizado em um trecho por onde passaram as motos aponta que o número de veículos participantes da manifestação não chegou a 6.700. O cálculo, portanto, está baseado em uma estimativa inflada.

Bolsonaro está no centro da foto, dirigindo uma moto e cercado por outros motociclistas. Ele usa um capacete branco e acena
O presidente Jair Bolsonaro em via perto do parque Ibirapuera, em São Paulo, durante a 'motociata' - Adriano Vizoni - 12.jun.2021/Folhapress

Como verificamos?

Procuramos o responsável pelo site que publicou o conteúdo, para saber quais os critérios usados para aferir o ganho econômico em decorrência da “motociata”. No site Hora Brasília, fomos direcionados à página Canal Hugo Alves, no Facebook, onde encontramos um número de WhatsApp.

Entramos em contato com o responsável pelo site e, em seguida, buscamos informações sobre o número oficial de participantes da “motociata”. Contatamos o SindHotéis-SP (Sindicato das Empresas de Hotelaria e Estabelecimentos de Hospedagem do Município de São Paulo e Região Metropolitana) e a Abrasel-SP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) de São Paulo, para obter uma opinião de representantes dos setores sobre o impacto econômico do evento.

O SindHotéis-SP não respondeu aos nossos contatos até a publicação desta checagem. O presidente da Abrasel-SP, Joaquim Saraiva, nos concedeu uma entrevista por telefone.

Verificação

A “motociata”

O responsável pelo site que publicou o texto verificado, Hugo Alves, disse ao Comprova que “400 mil motos passaram pelo pedágio”. Isso não é verdade.

O ato realizado na cidade de São Paulo no dia 12 de junho teve participação de pouco menos de 6.700 motocicletas. O dado é do sistema de monitoramento da Rodovia dos Bandeirantes, no pedágio de Campo Limpo, que fica no km 39. A medição foi feita entre 11h08 e 12h31 do dia do ato, que começou às 10h na zona norte de São Paulo.

No fim de semana, depois do evento, apoiadores do presidente chegaram a divulgar um número muito maior de participantes, afirmando que o evento teria quebrado o recorde mundial de reuniões do tipo. O dado era falso. Ainda no fim de semana, a Secretaria de Segurança Pública do Estado já havia divulgado uma estimativa bem menor do número de manifestantes.

Consumo em bares e restaurantes

O cálculo dos supostos R$ 40 milhões gerados pela “motociata” foi feito, segundo o autor do texto, com base em um consumo de cada participante do evento no comércio da cidade. “Entramos em contato com os comerciantes de São Paulo, aqueles que o Doria quebrou. […] Os comerciantes disseram que cada pessoa gastou ao menos R$ 100”, disse Hugo Alves.

A publicação diz que a presença de turistas teria movimentado o setor de alimentação. Este dado também não procede. Além do número de participantes do evento já impossibilitar o cálculo, uma vez que o consumo alegado geraria, na verdade, uma receita de menos de R$ 670 mil, não é possível afirmar que todos os presentes consumiram em algum negócio ou fazer estimativas de valores.

Ouvido pela reportagem, Joaquim Pinheiro, da Abrasel-SP, disse que os donos de estabelecimentos próximos aos locais onde os manifestantes se concentraram não registraram movimento e faturamento relevantes. “Ao contrário, pelo tumulto que estava e as dificuldades de se chegar até os restaurantes próximos, o faturamento caiu. No Dia dos Namorados, houve até reservas, mas alguns desistiram delas”, pontuou.

Turistas em hotéis

O texto também fala da chegada de turistas a São Paulo, para participar da “motociata”, e do aquecimento do setor hoteleiro.

O município tem o maior setor de hospedagem do país. Segundo o Observatório do Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo, órgão ligado à prefeitura, a oferta de vagas para hospedagem na capital é de mais de 42 mil unidades habitacionais em 400 hotéis e quase 2,5 mil leitos em 70 hostels.

Ainda que todos os participantes da “motociata” fossem turistas —o que não é possível afirmar—, ocupariam cerca de 15% das vagas.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre a pandemia do novo coronavírus e as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. O conteúdo em questão foi considerado suspeito porque atribuía, sem apresentar fontes confiáveis, que o evento motociclístico organizado por apoiadores de Jair Bolsonaro, gerou R$ 40 milhões em faturamento ao estado de São Paulo, englobando empregos diretos e indiretos.

De acordo com a ferramenta CrowdTangle, a publicação original teve 3.737 curtidas, 184 comentários e 652 compartilhamentos nas redes sociais entre os dias 12 e 18 de junho. Também segundo a mesma ferramenta, a postagem do deputado federal Eduardo Bolsonaro teve cerca de 78.508 curtidas entre os dias 15 e 18 de junho.

Recentemente, outras agências de checagem mostraram que é falso que o jornal The Washington Post tenha descrito a "motociata" como "a maior do planeta"; e que foto de manifestação com motos e parapentes foi tirada na Lituânia, não em "motociata" de Bolsonaro.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações disponíveis no dia 18 de junho de 2021.

A investigação desse conteúdo foi feita por Estadão e BandNews e publicada na sexta-feira (18) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 33 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Folha, UOL, Band e A Gazeta.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.