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Coronavírus CPI da Covid

Na data criada pelo pai de Doria, Bolsonaro provoca tucano em seu quintal

Acuado, presidente faz demonstração simbólica, acena à PM e adota discurso delirante

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Apoiadores de Bolsonaro acompanhando discurso do presidente no Ibirapuera

Apoiadores de Bolsonaro acompanham discurso do presidente no Ibirapuera Gabriel Cabral/Folhapress

São Paulo

Após uma semana em que apanhou politicamente de forma consistente, Jair Bolsonaro passou a data criada pelo pai de João Doria em 1948 provocando o governador tucano de São Paulo.

É duvidoso que o presidente tenha feito tal associação com o Dia dos Namorados, o que aumenta o caráter psicanalítico do ato, digamos.

Bolsonaro no começo da 'motociata', na praça Campo de Bagatelle, zona norte de SP
Bolsonaro no começo da 'motociata', na praça Campo de Bagatelle, zona norte de SP - Eduardo Anizelli/Folhapress

Mas sua obsessão com Doria ficou clara na escolha do palco de sua nova “motociata”, neologismo esquisito para esse tipo de ato, que remete aos desfiles análogos do ditador fascista Benito Mussolini.

Bolsonaro, acuado, precisava mostrar força simbólica após uma semana difícil.

Nela, viu a ativa CPI da Covid expor contradições do ministro da Saúde e do ex-número 2 da pasta, além da descoberta de uma infiltração governista gravíssima no Tribunal de Contas da União.

Para complicar, os dados positivos do Produto Interno Bruto, algo intangível para a população, foram substituídos pela a aceleração recorde, maior em 25 anos, da inflação para o mês.

O corolário óbvio, a necessidade de uma subida de juros por um Banco Central agora com mandato independente, apavora os governistas tanto quanto a corrosão da renda.

A pandemia é um tema óbvio em 2022, até porque ainda estará entre nós. Mas uma avaliação realista, salvo alguma mudança epidemiológica trágica, sugere que a vacinação terá avançado e o tema poderá não ter o peso de hoje.

Assim, o foco se volta para a economia, o desemprego recorde e a inflação que assusta qualquer pessoa que frequente um supermercado.

Cereja do bolo indigesto para o Planalto, em uma semana ocorrerão novos atos oposicionistas contra Bolsonaro.

O sucesso da manifestação anterior animou a esquerda, mas não só ela, embora o centro e a centro-direita majoritárias no eleitorado ainda não tenham dado as caras.

Com tudo isso, Bolsonaro envergou uma jaqueta verde que trazia o brasão do Exército de um lado e o de um clube de entusiastas das motos Harley-Davidson no Espírito Santo do outro.

Nota lateral, o segundo símbolo trazia o slogan “Presitente dos presidentes - Bolsonaro”, com a letra T mesmo.

Promoveu uma grande e previsível concentração de apoiadores, a maioria supostamente filiada a alguma corrente evangélica, dado que o evento inicialmente era uma versão sobre duas rodas da Marcha para Jesus.

Para um grupo que foi associado à contracultura no país, é curioso ver motoqueiros evangélicos bolsonaristas.

Há motivos comezinhos para o apoio, claro, como a isenção anunciada pelo governo para quem usa motocicleta em pedágios federais.

Assim, Bolsonaro passou um Dia dos Namorados entre seus amados, o que ressalta o caráter de nicho da manifestação deste sábado, sem retirar a observação óbvia de que ela foi relevante.

A concentração final marcada para o Ibirapuera, logo ao lado do Comando Militar do Sudeste, foi uma coincidência devido ao veto da passagem pela avenida Paulista.

Mas não deixa de evocar a lembrança da humilhação imposta pelo ex-capitão do Exército à Força terrestre na semana passada, com o perdão a Eduardo Pazuello.

No comício, a uma concentração bem menor de pessoas, Bolsonaro ainda piscou para a Polícia Militar de Doria, além de voltar a falar em "meu Exército".

Testou a versão atualizada de seu discurso delirante, segundo o qual o tratamento precoce contra a Covid-19 só não é reconhecido porque os números de mortes são superavaliados. Mude morte para voto e a receita de 2022 está ali.

Doria, por sua vez, fez o esperado. Anunciou uma multa para Bolsonaro, o filho Eduardo e o ministro Tarcísio Gomes, que algum “spin doctor” com senso de humor ventilou como candidato viável ao governo paulista, e foi visitar obra de hospital no Vale da Ribeira, terra natal do presidente.

Com isso, o país ruma a 2022. Pelo padrão que se desenha nos atos contra e a favor de Bolsonaro, um choque entre a tropa montada do presidente e aquela a pé nas avenidas é uma possibilidade cada vez mais palpável.

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