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Reforma discutida na Câmara prevê blindar políticos que espalham fake news em ano de eleição

Texto proíbe plataformas de removerem perfis de candidatos e responsabiliza empresas por publicações de terceiros, como decreto de Trump nos EUA

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São Paulo

O texto da reforma eleitoral apresentado nesta semana na Câmara dos Deputados prevê blindagem para os candidatos que espalham fake news e responsabiliza plataformas de internet por conteúdo publicado por terceiros.

A proposta, divulgada pela relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), proíbe o banimento, o cancelamento ou a suspensão de perfil ou conta de candidato a cargo eletivo durante o período eleitoral. A ideia é semelhante a uma lei aprovada no estado americano da Flórida no mês passado pelo governador Ron de Santis, apoiador do ex-presidente Donald Trump.

Trump foi banido do Twitter e suspenso por tempo indeterminado do Facebook e do YouTube por conclamar apoiadores a irem ao Capitólio questionar o resultado da eleição presidencial americana de 2020.

Após muitas críticas, foi retirado da proposta na Câmara um parágrafo determinando que as plataformas de internet só poderiam remover conteúdos publicados em perfis de candidatos, partidos políticos e coligações mediante medida judicial ou com notificação dos responsáveis 24 horas antes.

Isso impossibilitava as plataformas de usarem suas regras para remover ou rotular conteúdos que questionem a integridade das eleições, incitem à violência ou promovam supressão de votos, caso sejam de autoria de candidatos ou partidos.

“O texto restringe apenas o banimento de perfis de candidatos durante o processo eleitoral, o que nos parece razoável”, afirma Margarete à Folha. A deputada diz que a proposta não impede as plataformas de moderarem conteúdo que viole suas regras.

“O que fizemos foi exigir que as plataformas apresentem, antes do início do período eleitoral, suas políticas e critérios de moderação de conteúdo, para que os candidatos e o próprio eleitor tenham clareza sobre o que pode e o que não pode fazer naquela plataforma."

“Se [candidatos] agirem em desacordo com as políticas de cada plataforma, elas podem fazer a moderação de conteúdo, como já vêm fazendo hoje, e apenas teremos mais clareza sobre como essa engrenagem funciona, para que erros possam ser corrigidos judicialmente", diz a deputada.

Mulher de cabelo comprido sentada em sofá conversando
A deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora do grupo de trabalho da reforma eleitoral - Pedro Ladeira - 4.mai.2021/Folhapress

A proposta também prevê que os órgãos de direção nacional dos partidos políticos poderão impugnar, perante o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), regras de moderação de conteúdo que impliquem “restrição indevida de direitos e garantias de cunho político”. E determina que as publicações devem ser restauradas pelas plataformas caso a remoção esteja em desacordo com a legislação eleitoral.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus aliados tiveram diversas postagens removidas ou rotuladas nas redes sociais. Eles pregam um maior controle sobre as plataformas de internet, que acusam de fazer censura contra políticos de direita.

Em maio, veio a público a minuta de um decreto presidencial que proíbe as redes sociais de suspenderem contas, removerem ou rotularem conteúdo sem autorização judicial prévia, a não ser em situações específicas.

“Essa blindagem dos perfis políticos é muito perigosa, afasta qualquer possibilidade de moderação, criando um supercidadão digital político, que tem mais direitos que qualquer um na internet”, afirma Diogo Rais, professor de direito eleitoral e digital da Universidade Mackenzie.

“Se políticos cometerem crimes e violações a direitos humanos, publicando conteúdo racista, misógino, eles não poderão sofrer sanções.”

As plataformas veem com extrema preocupação o texto, que restringe a possibilidade de moderação. Mas esse não é o único receio.

O artigo 568, por exemplo, determina que "o provedor de aplicação será considerado responsável pela divulgação da propaganda se a publicação for comprovadamente de seu prévio conhecimento".

Para especialistas e empresas, o texto subverte o Marco Civil da Internet, que prevê responsabilização das plataformas apenas se mantiverem algum conteúdo mesmo após ordem judicial. Eles também apontam que o termo “prévio conhecimento” é vago, poderia se aplicar a qualquer reclamação ou denúncia de usuário.

Segundo Francisco Brito Cruz, diretor do Internet Lab, isso pode levar as plataformas a removerem muito conteúdo, restringindo a liberdade de expressão, por temer serem responsabilizadas.

Para Margarete, a responsabilização das plataformas é justa.

“Se elas analisam previamente o conteúdo do que é publicado em suas plataformas, é de se esperar que elas respondam pela omissão na aplicação de suas diretrizes”, diz a deputada.

“O árbitro não pode mudar as regras do jogo durante a partida, e sobretudo não pode beneficiar determinados grupos em função de outros, fazendo vista grossa em relação a esta ou aquela publicação. Por isso que, se essa análise prévia existe, é justo que as plataformas respondam por suas omissões.”

O argumento é semelhante ao de uma ordem executiva baixada pelo então presidente dos Estados Unidos Donald Trump em maio de 2020. O decreto determinava que as plataformas que usassem suas regras de moderação para remover conteúdo perderiam a imunidade a processos decorrentes de postagens de terceiros.

Trump havia acabado de ter postagens sobre “fraudes com votos pelo correio” rotuladas pelo Twitter.

Ao mesmo tempo em que impede as plataformas de remover contas de políticos, a proposta de reforma eleitoral brasileira obriga as empresas a moderarem conteúdo em ano de eleição quando houver “fatos sabidamente inverídicos” em relação ao processo ou pleito e a pré-candidatos, candidatos e partidos, quando “obtiver alcance significativo perante o eleitorado” e for provocado “pelo interessado ou usuário”.

A atuação das agências de checagem também é tolhida no texto, que determina, no artigo 545, que elas devem “retirar, retificar ou fazer adição de informações para fins de correção fidedigna dos fatos se comprovadas falhas”.

Segundo Margarete, a Justiça Eleitoral é que fará a verificação das informações sobre os responsáveis técnicos e fontes de financiamento das agências de checagem, bem como determinará a correção, retificação ou complementação de informações.

Alguns pontos do texto foram elogiados por especialistas em direito eleitoral e internet. A reforma veda a contratação de qualquer tipo de serviço para maior disseminação de mensagens, tais como disparos em massa, e utilização de bancos de dados pessoais obtidos por dever profissional ou empresarial.

O texto deve ser apresentado aos líderes na semana que vem e, depois, irá para discussão com as bancadas.

“Nossa expectativa é que possamos aprovar o texto em plenário ainda neste ano, para que ele possa valer já para as eleições de 2022”, afirma a relatora.

Para que vigore na próxima eleição, a lei precisa ser aprovada pelo Congresso até outubro, um ano antes do pleito.

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