Autoritário, Bolsonaro diz que faz o que quer; relembre episódios em que fez mesmo

Presidente acumula mentiras e atropelos a normas, ao princípio da moralidade e ao decoro

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Brasília e São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) respondeu na segunda-feira (21) que chega "como e onde quiser", após uma jornalista questioná-lo sobre o fato de ele ter chegado a um evento em Guaratinguetá (SP) sem a máscara de uso obrigatório para evitar a disseminação do vírus da Covid-19.

A Constituição Federal, no artigo 84, lista 28 atribuições exclusivas do presidente da República. "Compete privativamente" ao chefe do Executivo, por exemplo, sancionar leis, nomear e exonerar ministros, conceder indulto e declarar guerra.

Um presidente tem muitos direitos, mas não tem todos. A própria Carta Magna determina que ele assuma o compromisso de "defender e cumprir a Constituição" e "observar as leis", entre outras obrigações.

"Eu chego como quiser, onde eu quiser, eu cuido da minha vida. Se você não quiser usar máscara, você não usa", retrucou Bolsonaro à repórter Laurene Santos, da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo, que o questionou sobre a ausência da proteção, em desacordo com exigência de decreto estadual.

Por não usar máscara em um passeio com motociclistas que são seus apoiadores, o presidente foi multado pelo Governo de São Paulo no último dia 12. Ele se justificou dizendo que abriu mão do acessório porque estava com "capacete balístico à prova de [armas de calibre] 762".

Relembre outros episódios em que Bolsonaro demonstrou arroubos autoritários, mentiu e atropelou normas, o princípio da moralidade e o decoro. ​

REAFIRMAR A PRÓPRIA AUTORIDADE

Principalmente quando está enfrentando crises no governo, Bolsonaro tem o hábito de querer reafirmar a própria autoridade.

"Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu", disse em agosto de 2019, ao ser questionado sobre trocas no comando da Polícia Federal, em meio ao embate com o ex-ministro Sergio Moro (Justiça).

"Quando vão nomear alguém, falam comigo. Eu tenho poder de veto, ou vou ser um presidente banana agora? Cada um faz o que bem entende e tudo bem?", reiterou na mesma ocasião.

"Quem manda sou eu, e eu quero o Ramagem lá", afirmou na época, referindo-se à ordem para que a AGU (Advocacia-Geral da União) entrasse com um recurso contra a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que vetou a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal.

“Quem demarca terra indígena sou eu! Não é ministro. Quem manda sou eu. Nessa questão, entre tantas outras. Eu sou um presidente que assume ônus e bônus", disse em junho de 2019 sobre uma medida provisória que devolvia demarcação de terras indígenas ao Ministério da Agricultura, revertendo decisão do Congresso.

Bolsonaro costuma também enfatizar o peso de sua caneta, em referência às determinações que pode fazer por ser presidente.

"Eu disse para o Rodrigo Maia [então presidente da Câmara dos Deputados]. Com a caneta eu tenho muito mais poder do que você. Apesar de você, na verdade, fazer as leis, né? Eu tenho o poder de fazer decreto", declarou em maio de 2019, ao defender a revogação do decreto que criou a Estação Ecológica de Tamoios (RJ).

Bolsonaro gosta de repetir que tem o poder de mandar, embora muitas vezes suas ordens representem interferências em órgãos e outras áreas do governo consideradas indevidas ou inapropriadas, por serem executadas de maneira unilateral e sem discussões técnicas.

Um dos episódios mais rumorosos foi a suspeita de ingerência política na Polícia Federal, que levou o titular do Planalto a ser investigado em inquérito no Supremo. Em andamento, a apuração foi aberta após acusação de Moro, ao deixar a pasta da Justiça, em abril de 2020.

Em abril de 2019, ao comentar o caso de censura de uma campanha publicitária do Banco do Brasil, o presidente da República disse que anúncios de estatais deveriam seguir a sua orientação. “Quem indica e nomeou o presidente do Banco do Brasil? Sou eu? Não preciso falar mais nada, então."

Ao responder, em agosto de 2019, se havia pedido a exoneração do então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, após ser contrariado com dados sobre o desmatamento da Amazônia, o presidente voltou a reafirmar seu poder de comando: "Eu não peço [a demissão], certas coisas eu mando".

"A campanha acabou para a imprensa. Eu ganhei. A imprensa tem que entender que eu, Johnny Bravo, Jair Bolsonaro, ganhou, porra!", disse em agosto de 2019 durante a inauguração de uma usina em Sobradinho (BA).

Em outubro de 2020, Bolsonaro desautorizou o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, e disse que suspendeu a compra, anunciada no dia anterior, da vacina Coronavac. "NÃO SERÁ COMPRADA", escreveu Bolsonaro em letras maiúsculas em uma rede social.

Recentemente, ele passou a repetir ser "imbrochável". Em discurso na inauguração de um trecho da BR-222, no município de Tianguá (CE), em fevereiro deste ano, afirmou: "Não reclamo das dificuldades. Sofro ataques 24 horas por dia. [...] Não me vão fazer desistir porque, afinal de contas, eu sou imbrochável”.

Em maio, durante conversa com apoiadores, disse: "Já falei que sou imorrível, já falei que sou imbrochável e também sou incomível".

AVERSÃO AO DECORO

Bolsonaro acumula exemplos de condutas que poderiam ser enquadradas como desrespeito ao decoro e à liturgia esperados de alguém que ocupa a Presidência da República.

A lei 1.079/1950, que rege o processo de impeachment, diz que é crime de responsabilidade contra a probidade da administração “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Em fevereiro de 2019, o presidente publicou em suas redes sociais um vídeo feito durante o Carnaval em São Paulo. Nas imagens, um homem aparece dançando sobre um ponto de táxi mexendo no próprio ânus. Na sequência, surge outro rapaz, que urina em sua cabeça, em uma prática chamada de "golden shower".

Há também situações como a que insultou, com conotação sexual, a jornalista da Folha Patrícia Campos Mello.

"Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]", disse o presidente, em entrevista diante de um grupo de simpatizantes em frente ao Palácio da Alvorada, em fevereiro de 2020. Após uma pausa durante os risos, Bolsonaro concluiu: "A qualquer preço contra mim".

A palavra “furo” é um jargão jornalístico para se referir a uma informação exclusiva. Em março deste ano, uma juíza da 19ª Vara Civil de São Paulo condenou Bolsonaro a indenizar a jornalista em R$ 20 mil por danos morais.

Em outro episódio de irritação com a imprensa, o presidente cruzou os braços com as mãos fechadas, dando uma banana para os jornalistas que o aguardavam na portaria do Palácio da Alvorada, em fevereiro de 2020. Além de fazer o gesto, ele afirmou aos repórteres que não responderia a perguntas e começou a criticar a cobertura.

Em março de 2020, Bolsonaro escalou o comediante Márvio Lúcio, o Carioca, para aparecer diante de jornalistas que aguardavam o mandatário diante do Palácio da Alvorada. O comediante da TV Record, que estava fantasiado de presidente, desembarcou de um carro da comitiva oficial e seguiu para o local onde os repórteres estavam posicionados.

Bolsonaro, então, incentivou que Carioca respondesse a perguntas sobre o baixo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). A cena transcorreu entre risos do presidente e de sua equipe. Na ocasião, ele ironizou os questionamentos e soprou no ouvido do comediante respostas para os jornalistas: "PIB? PIB? O que que é PIB? Pergunta o que que é PIB".

Em maio de 2020, a Folha e outros veículos de comunicação, como o Grupo Globo, decidiram suspender a cobertura jornalística na porta do Palácio da Alvorada temporariamente, diante do fato de que o Palácio do Planalto não vinha garantindo a segurança dos profissionais de imprensa.

Apoiadores de Bolsonaro hostilizavam jornalistas no local quase diariamente e passaram a adotar uma postura recorrentemente agressiva, deixando os profissionais expostos. O presidente usualmente endossava os ataques dos seguidores nas entrevistas coletivas e estimulava o comportamento.

AFRONTA ÀS REGRAS CONTRA A COVID

O histórico de desrespeito de Bolsonaro a normas sanitárias é antigo e remonta aos primeiros meses da pandemia. Em 15 de março de 2020, ele liderou uma manifestação em Brasília com centenas de pessoas, contra recomendação de seu então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

À época, já vigorava no Distrito Federal regras como a suspensão de aulas e o fechamento de teatros e cinemas. Também estavam proibidos eventos de qualquer natureza com público superior a 100 pessoas, desde que necessitassem de licença do poder público.

Durante o primeiro ano da pandemia, Bolsonaro também promoveu diversos eventos no Palácio do Planalto em que, além da aglomeração causada em ambiente fechado, o uso de máscara limitava-se a poucos convidados.

A insistência do mandatário em não utilizar máscara de proteção facial converteu-se inclusive em caso judicial. No fim de junho de 2020, decisão da 9ª Vara Federal Cível de Brasília determinou que Bolsonaro era obrigado a utilizar o equipamento em espaços públicos e estabelecimentos no Distrito Federal. Cerca de uma semana depois, a liminar foi derrubada pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).

O questionamento à eficácia das máscaras e o não uso do utensílio são marcas tradicionais do comportamento de Bolsonaro. Após meses sem utilizar máscara, ele só passou a utilizar o utensílio em eventos oficiais no início deste ano, em meio ao desgaste da popularidade do governo causado pela errática gestão da emergência de saúde pública.

Mesmo atualmente o uso das máscaras é limitado: ele não aparece com o equipamento nas conversas diárias que mantém com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada, por exemplo.

Em suas visitas a estados, Bolsonaro também acumula um amplo histórico de inobservância das regras de controle da doença.

Em meados de junho, Bolsonaro entrou de surpresa em um avião comercial da companhia aérea Azul no aeroporto de Vitória. Ele, que não era passageiro do voo, retirou a máscara e causou aglomeração entre os passageiros e tripulantes —foi recebido tanto com gritos de “mito” como de “genocida”.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) resolveu questionar a empresa sobre o ocorrido.

Pouco depois, o mandatário foi multado pelo Governo de São Paulo por dispensar o uso de máscara durante um passeio dele ao lado de motociclistas que o apoiam.

O mesmo ocorreu em maio, durante ato político em Açailândia (MA). Bolsonaro foi autuado por gerar aglomeração com mais de cem pessoas sem controle sanitário e por não utilizar o item de proteção facial.

VIAGENS QUESTIONÁVEIS

Bolsonaro mobilizou o aparato público para viagens de férias durante a pandemia que geraram gastos de mais de R$ 2 milhões e também para participar de inaugurações de obras já inauguradas, de vistorias e de atos simbólicos para entregas de títulos de propriedade de terra.

Como mostrou a Folha em abril deste ano, foram gastos R$ 2,3 milhões de recursos públicos nas viagens de férias do presidente nas praias de São Francisco do Sul (SC) e Guarujá (SP) entre os dias 18 de dezembro de 2020 e 5 de janeiro deste ano, período de agravamento da pandemia.

O GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência) informou que foram gastos US$ 185 mil, cerca de R$ 1 milhão, com transporte aéreo em aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira) para eventos privados do presidente nesse período.

Além disso, foram calculadas despesas de R$ 202 mil com passagens aéreas e diárias de integrantes da secretaria de segurança e coordenação presidencial.

Em ritmo de campanha eleitoral, o presidente também tem cruzado o país para participar de inaugurações. Nos discursos, cita o pleito de de 2022 e faz ataques ao ex-presidente Lula (PT), seu principal rival e hoje o líder das pesquisas de intenção de voto.

As agendas oficiais incluem obras que já haviam sido entregues e realizações tão singelas quanto uma ponte de madeira de 18 metros de comprimento e 6 metros de largura, em uma estrada de terra parcialmente transitável e pouco utilizada, conforme publicou a Folha em maio.

AFIRMAÇÕES FALSAS E DESMENTIDOS

Desde o início de seu mandato, Bolsonaro fez diversas declarações distorcidas ou que não têm embasamento na realidade.

Numa das ocasiões mais recentes, o mandatário atribuiu ao TCU (Tribunal de Contas da União) um documento que questionaria 50% dos registros de morte por Covid-19 no país, sugerindo que a quantidade de vítimas da doença estivesse superdimensionada.

O órgão disse não ter produzido um documento do tipo. Mesmo desmentido pelo TCU, Bolsonaro tem usado trechos de um acórdão do tribunal para argumentar que existe supernotificação de casos de Covid no país.

Os documentos citados pelo presidente, no entanto, apenas dizem que regras de distribuição de recursos para o combate ao vírus nos estados poderiam estimular supernotificação, sem ter atestado que tal prática existiu.

Em outra frente, Bolsonaro costuma afirmar que foi impedido de adotar políticas de enfrentamento da pandemia por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), o que não é verdade. A corte reconheceu que estados e municípios têm competência concorrente, junto à União, para estabelecer medidas do tipo, inclusive de isolamento social.

Ele também se notabilizou por difundir desinformação a respeito da Covid, defendendo a existência de um suposto "tratamento precoce" (que não é reconhecido pelas principais autoridades científicas e médicas mundiais), pregando contra o distanciamento social e menosprezando a importância do uso de máscaras.

No mês passado, em meio à CPI da Covid, o presidente voltou a mentir sobre a hidroxicloroquina, medicamento ineficaz contra a Covid, e disse que divulgaria um vídeo em que seus ministros propagandeariam a substância com a afirmação: "Eu tomei".

Bolsonaro também tem questionado a segurança da urna eletrônica e defendido a adoção de um sistema de voto impresso no Brasil, apesar de autoridades eleitorais destacarem que não há indícios de fraude no sistema utilizado atualmente.

O mandatário disse ainda que, se perder a reeleição em 2022, terá sido por causa de uma suposta fraude. Essa retórica tem levado especialistas a alertar para riscos institucionais caso o resultado do pleito seja contestado pelo próprio presidente da República.

No dia 10 deste mês, em sua live semanal, Bolsonaro desafiou o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luís Roberto Barroso, em relação à implementação do voto impresso.

"Se o Congresso aprovar o voto impresso, vamos ter eleições com voto impresso e ponto final. Não se discute mais este assunto. Ponto final", disse ele.

CIRCUNSTÂNCIAS IMPRÓPRIAS

Diante da queda de popularidade e do avanço da CPI da Covid do Senado sobre seus aliados, Bolsonaro multiplicou os palcos para discursos radicais e os acenos a grupos específicos, com o objetivo de mobilizar a base que o ajudou a chegar à Presidência da República em 2018.

Em maio deste ano, o presidente participou de uma motociata com apoiadores no Rio de Janeiro e, no encerramento do passeio de moto, ao discursar em um caminhão de som, teve a companhia do ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello, que também falou à multidão.

O Exército abriu um processo para investigar transgressão disciplinar por parte do ex-ministro, mas acabou livrando o general da ativa de qualquer punição por ter participado de um ato político. O regulamento do Exército proíbe militares de se manifestarem publicamente "a respeito de assuntos de natureza político-partidária".

No dia 1º de junho, Bolsonaro usou um evento no Ministério da Saúde para confirmar a realização da Copa América no Brasil, apesar do quadro de descontrole da pandemia no país. O anúncio foi feito durante a solenidade de assinatura do contrato de transferência de tecnologia da vacina para Covid-19 entre a AstraZeneca e o governo federal.

Dias depois, em 9 de junho, o chefe do Executivo ignorou o horário de trabalho e, em plena quarta-feira, viajou para o interior de Goiás para almoçar na fazenda do cantor Amado Batista, seu simpatizante, e participar de um culto na igreja evangélica Church in Connection.

Ao longo de 2020, o presidente se aproximou de manifestações de apoiadores que viriam a ser investigadas no inquérito dos atos antidemocráticos, no STF, por incluírem em suas pautas mensagens contra a ordem institucional, a Constituição e os Poderes estabelecidos.

Bolsonaro compareceu, em abril do ano passado, a um ato pró-intervenção militar diante do quartel-general do Exército, em Brasília.

Em cima da caçamba de uma caminhonete, o presidente afirmou que "acabou a época da patifaria", gritou palavras de ordem como "agora é o povo no poder" e disse: "Não queremos negociar nada". "Chega da velha política. Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos", falou aos simpatizantes.

Em maio do ano passado, Bolsonaro requisitou um helicóptero oficial para sobrevoar a Esplanada dos Ministérios e prestigiar mais uma manifestação a favor de seu governo e contra o STF e o Congresso.

Depois, desceu e caminhou para cumprimentar seus apoiadores que estavam em frente ao Palácio do Planalto. Ele não utilizava máscara, obrigatória no Distrito Federal como medida de combate à Covid-19. Em seguida, andou a cavalo diante de manifestantes.

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