Semipresidencialismo não é para desviar foco político, diz deputado autor de PEC

Samuel Moreira (PSDB-SP) defende modelo em que presidente indica primeiro-ministro, que seria aprovado pelo Congresso; Lira encampa ideia para valer em 2026

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Brasília

O semipresidencialismo, ideia encampada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), não é para ser contra ou a favor de Jair Bolsonaro ou Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e sim um sistema para melhorar a governabilidade do país, defende o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), autor da PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre o tema.

"Não se pretende desviar o foco de nada e nem ela é feita contra ou a favor a alguém”, afirmou Moreira, 58, em entrevista à Folha.

A proposta é criticada pelo PT, que lidera as pesquisas de intenção de voto para 2022, e por partidos de oposição a Bolsonaro, que veem nela uma tentativa de Lira de se esquivar da análise dos pedidos de impeachment.

Moreira diz que a mudança deixaria mais clara a coalizão formada para dar sustentação a governos. “O semipresidencialismo é uma evolução do presidencialismo. Não é um novo regime, é um novo modelo de governança."

O deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), autor da PEC do semipresidencialismo
O deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), autor da PEC do semipresidencialismo - Pablo Valadares - 11.nov.2019/Câmara dos Deputados

Como surgiu a proposta? Surgiu de conversar com alguns amigos da política. É uma proposta que em alguns momentos já foi ventilada.

De quem partiu a ideia de fazer essa proposta começar a avançar na Câmara agora? Em agosto do ano passado, protocolei essa proposta. Eu procurei recentemente o Arthur Lira. O país sempre debatendo suas crises, falando de impeachment, sempre com problemas de governabilidade. O parlamentarismo é uma proposta mais difícil. Esse presidencialismo de coalizão também é muito difícil.

O semipresidencialismo é uma evolução do presidencialismo. Não é um novo regime, é um novo modelo de governança. Há ganhos de transparência, há ganhos para solução de crises, e o país ganha mais estabilidade política que se reflete também no crescimento da economia. Você vai ter que montar uma maioria para poder governar, mas quem indica o primeiro-ministro é o presidente.

O presidente da República é eleito pelo povo, podendo ser reeleito apenas uma vez, de maneira consecutiva ou não. Ao aprovar o primeiro-ministro, ele, em dez dias, apresenta um programa de governo para ser também aprovado no Congresso.

O primeiro-ministro necessariamente precisaria sair do Congresso? A proposta diz que é preferencialmente alguém do Congresso, não exclusivamente. Pode ser um parente do presidente que exerce atividade política. Isso não é considerado nepotismo para cargo político. Não pode é nomear um parente que não é da política.

Estamos a quase um ano da eleição e o governo está acuado diante da queda de popularidade. É o momento correto de se discutir uma mudança dessas? Acho que temos que abrir o debate na sociedade. É importante também ouvir a opinião do próprio governo. Não se pretende desviar o foco de nada e nem ela é feita contra ou a favor de alguém.

A questão do presidente da República continua a mesma regra, eleito. O cargo mais importante continua sendo o de presidente. Não acho que alguém desistiria de concorrer à Presidência da República por causa de um sistema que melhora a governabilidade e dá muito respaldo e prestígio ao presidente. Ela [a proposta] não é para resolver uma crise. Ela é para resolver o problema de governança do país.

Já houve tentativas anteriores de mudar o sistema, mas falharam. A crise pode dar impulso a essa discussão? Acho que sim. Os momentos de crise revelam claramente as deficiências do sistema. Vejam o impeachment, como é traumático para o país, que sofre com a paralisação do governo. Gera uma insegurança inclusive na própria economia do país.

O que mudaria em relação a isso no semipresidencialismo? Se tiver uma crise direcionada ao primeiro-ministro, há condições de trocá-lo rapidamente. Ou seja, o governo não sofre essa paralisação tão longa como no sistema de hoje. A Lei do Impeachment continua valendo para o presidente da República.

Ela vai valer também para o primeiro-ministro? O primeiro-ministro pode ser sacado por um voto de censura.

Não precisaria de um ano de impeachment para trocar… Não precisaria. O impeachment do presidente poderia até durar um ano. Mas o governo continuaria andando com o primeiro-ministro.

O semipresidencialismo pode ser visto como uma forma de tirar poderes do presidente? O presidente sempre tem mais poder que o Parlamento. Quem indica o primeiro-ministro é o presidente. Não há hipótese de ter um primeiro-ministro sem um presidente. Mas não há hipótese também de ter um primeiro-ministro que o presidente queira, mas que não consiga construir uma maioria.

O que mudaria nessa busca por maioria no Congresso em relação ao modelo atual? É às claras, uma coalizão formada. Hoje, por exemplo, qual é a maioria do Bolsonaro? PSDB é da maioria? É no varejo? Ninguém sabe quem são, quanto custa, a que tipo de indicação. Quem é que tem cargo no governo?

No semipresidencialismo, vai ter que ter um bloco, vai ter que ter um programa aprovado, vai ter que ter responsabilidade com o plano de governo, vai ter que aprovar esse primeiro-ministro. Com uma coalizão mais transparente, não precisa fazer negociações de conchavo. Quando os partidos realmente assumem uma posição de governo, e os deputados também, é legítima a participação no governo. Acho que fica mais claro para quem é governo participar do governo.

O sr. defende um plebiscito sobre a proposta? Constitucionalmente, não há necessidade de um plebiscito porque não mexe com o presidencialismo. O presidente continua sendo eleito. Não está mudando para o sistema parlamentarista. O semipresidencialismo é parecido com o sistema da França e de Portugal. Você separa as funções de Estado e as funções de governo. Mesmo assim o presidente tem poder de veto a projetos, por exemplo.

O Congresso continuaria bicameral? Isso. São parlamentares ligados a partidos, a identidades ideológicas e programáticas. O Congresso também continua com as prerrogativas de aprovar embaixador, ministro do Supremo.

A eleição de 2022 poderia ainda ocorrer mesmo se a PEC estiver em discussão e em estágio avançado no Congresso? Normalmente. Pode até ser uma ideia para que cada presidente diga o que pensa sobre ela. Essa discussão de data de início do novo sistema ainda pode ser feita [Lira defende que comece a valer em 2026]. Essa PEC não é pessoal, ela é impessoal. Ela é um sistema de governo.

Se a PEC for promulgada antes do fim de um mandato presidencial, como funcionaria? Haveria uma transição? Ela valeria a partir da promulgação. Ela permite que o presidente da República, caso queira, indique um ministro-coordenador que vai até o final do mandato dele e pode exercer as atribuições que estão previstas para o primeiro-ministro. Teria uma função hoje parecida com o ministro da Casa Civil. A partir do próximo mandato, aí sim, o presidente eleito indica o primeiro-ministro, a ser aprovado pelo Congresso.

O sr. teve algum termômetro de como o presidente Bolsonaro recebeu essa ideia? Não.

E do Senado? Também não. A proposta é muito recente.

O senhor defende como uma forma de estancar crises institucionais. Mas em países como Israel ou Itália houve uma dificuldade de formar governos. Isso também não imobiliza o governo? Na verdade, a PEC tem algumas medidas para impedir isso. No primeiro ano, você não pode dar nenhum voto de censura [do presidente] e nem de desconfiança [do Congresso]. Ou seja, o primeiro-ministro vai atuar por um ano. E nem nos últimos seis meses. Então você tem aí dois anos e meio de exercício do barulho, onde ele fica mais instável. Mas, depois da terceira vez que o Congresso trocar [o primeiro-ministro], o presidente pode dissolver a Câmara. E aí, [ocorrem] novas eleições para a Câmara.

Não dissolve o Senado também? O Senado, não. Ele [o presidente] dissolve a Câmara. A ingovernabilidade, nesse caso, estaria mais atribuída à Câmara, onde está a ampla maioria dos congressistas.

Mas é um dispositivo em que a Câmara abriria mão de ser estável por quatro anos. É o risco de conviver com a ingovernabilidade.

Quais funções seriam mantidas pelo presidente no semipresidencialismo? As funções do presidente são de Estado, mas ele não pode se ausentar da responsabilidade do que o primeiro-ministro está fazendo. O que ele não paga mais é o preço pelos erros que o primeiro-ministro pode estar cometendo e sua equipe. Poderão ser trocados sem precisar tirar o presidente. No fundo, isso também preserva o presidencialismo. É uma engrenagem.

O país tem mais de 30 partidos. O sr. acha que vai ser necessária alguma reformulação nesse número? A PEC não mexe nos critérios de eleições e representações partidárias. Lógico que o presidente terá que construir essa maioria, ele vai construir essa maioria com mais partidos.

Samuel Moreira, 58

Engenheiro, foi prefeito de Registro (SP) e presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo. Está no segundo mandato de deputado federal pelo PSDB. Em 2016, se licenciou do cargo para assumir a Casa Civil do Governo de São Paulo. Foi relator da reforma da Previdência na Câmara

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