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Entenda caminho do impeachment e por que Lira nem sequer rejeita os pedidos contra Bolsonaro

Ao indeferir os pedidos, presidente da Câmara abre opção de recurso ao plenário da Casa e perde o controle dos casos

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São Paulo

Aliado de Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é a figura a quem cabe fazer uma primeira análise dos pedidos de impeachment contra o presidente da República, podendo aceitar ou rejeitar esses pedidos.

No entanto, a exemplo de Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que deixou o posto em janeiro deste ano, Lira não opta por nenhuma das duas opções, mas por uma terceira: os pedidos seguem indefinidamente em análise, ou seja, na gaveta.

Pedidos engavetados servem como poder de barganha. Mas outra questão central por trás dessa inação é que, a partir do momento em que um pedido é rejeitado, o poder deixa de ser exclusivo do presidente da Câmara. No caso de indeferimento, abre-se a possibilidade de recurso ao plenário, que pode derrubar a decisão.

Nesta terça-feira (7), deputados e senadores reagiram aos ataques do presidente Jair Bolsonaro contra o STF (Supremo Tribunal Federal) e o ministro Alexandre de Moraes nos atos do 7 de Setembro e avaliam que as declarações mostram um presidente acuado.

Além disso, partidos de centro-direita sinalizaram que vão engrossar os apelos da oposição e apoiar a abertura de um processo de impeachment, por causa das falas e da perspectiva de crime de responsabilidade.

Apesar de não haver um prazo determinado para a análise pelo presidente da Câmara, professores da área do direito e advogados têm defendido que ele não tem o poder de segurar indefinidamente os pedidos.

Segundo esta tese, a avaliação é que o STF poderia determinar ao presidente da Câmara analisar os pedidos dentro de um prazo razoável.

No entanto, não foi esse o entendimento da ministra do STF Cármen Lúcia ao julgar, em julho deste ano, um pedido do PT para obrigar Lira a examinar um pedido que segue “em análise” na Câmara desde maio de 2020. Na última semana, deputados do PSOL ingressaram com pedido no STF com o mesmo objetivo do PT.

Entenda quais são as regras para abertura do impeachment do presidente da República.

Qual a situação atual? Mais de 130 pedidos de impeachment de Bolsonaro já foram protocolados na Câmara. Das peças que seguem em análise, a mais antiga data de 13 de março de 2019.

Onde estão as regras sobre o impeachment? O rito do impeachment, os requisitos para apresentação de um pedido e a definição dos crimes de responsabilidade dependem de uma leitura conjunta de diferentes itens. A existência em si da possibilidade legal de retirada do presidente da República do cargo, por crime de responsabilidade, está prevista na Constituição.

Já a definição dos crimes, assim como as normas de processo e julgamento, constam em uma lei específica, conhecida como Lei do Impeachment (1.079/1950).

Também importantes são os regimentos da Câmara e do Senado, que trazem outras regras sobre o processo, além de decisões do STF sobre o tema.

Quem pode apresentar pedidos de impeachment e quais os requisitos? A Lei do Impeachment define que qualquer cidadão pode denunciar o presidente da República por crime de responsabilidade perante a Câmara.

A mesma lei também determina uma série de requisitos: a peça deve estar assinada com firma reconhecida; deve ser acompanhada de documentos que comprovem a acusação, ou de declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser encontrados, além de apresentação de uma lista de testemunhas, nos crimes em que houver prova testemunhal.

Quais são as regras sobre o recebimento dos pedidos de impeachment? A Constituição se reserva a determinar que é competência privativa da Câmara autorizar —por dois terços de seus membros— a instauração de processo contra o presidente.

É na Lei do Impeachment que aparece o recebimento da denúncia, que determina: “Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial”. Ela não cita, contudo, o presidente da Câmara.

A figura do presidente da Câmara aparece no Regimento da Câmara, que diz: “Recebida a denúncia pelo presidente, verificada a existência dos requisitos de que trata o parágrafo anterior [assinatura com firma reconhecida, apresentação de documentos e rol de testemunhas], será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita”.

Com isso, o regimento criou uma etapa a mais, cabendo ao presidente da Câmara avaliar se os requisitos foram atendidos, para só então o pedido ter seguimento. É nesta fase que os mais de cem pedidos contra Bolsonaro se encontram.

O que acontece se o presidente da Câmara recebe o pedido? A partir do momento em que o pedido é recebido pelo presidente da Câmara, dá-se início ao rito do impeachment com a criação de uma comissão especial, que deve contar com representantes de todos os partidos.

Esse colegiado é responsável por elaborar um parecer, que pode ser favorável ao prosseguimento do processo ou ao arquivamento. Aprovado o parecer, ele é então votado no plenário, sendo preciso o voto de ​​dois terços da Câmara (342 deputados) para que o impeachment seja autorizado.

A instauração e julgamento ocorrem no Senado, onde é preciso o voto de 54 dos 81 senadores para que o presidente perca o mandato. Ou seja, mesmo depois de o presidente da Câmara receber o pedido, em tese o impeachment pode ser barrado tanto pela Câmara quanto pelo Senado.

O que acontece se o presidente da Câmara rejeita o pedido? No caso de o presidente da Câmara decidir pelo indeferimento, o pedido é arquivado. Porém, nesta hipótese, cabe recurso ao plenário, que pode reverter a decisão. Tal norma consta no Regimento da Câmara.

De acordo com o professor de direito da USP Rafael Mafei, a votação ocorreria por maioria simples.

Segundo a jurisprudência do STF, a análise feita pelo presidente da Câmara não se restringe a aspectos formais, podendo ele também rejeitar acusação que considere "patentemente inepta ou despida de justa causa”.

Lira assumiu a presidência da Câmara em fevereiro de 2021 com o apoio do governo Bolsonaro. Desde então, um superpedido foi protocolado unificando mais de 120 peças em uma só.

Entretanto, em diferentes pronunciamentos, Lira indicou que não deve dar seguimento aos pedidos e, apesar de já ter até afirmado que não vê materialidade nas denúncias feitas até então, tampouco as rejeita.

O que acontece se o presidente da Câmara não arquiva nem aceita a denúncia? Há prazo para análise? É nesta espécie de limbo que os pedidos de impeachment de Bolsonaro se encontram. Ao criar essa etapa de verificação pelo presidente da Câmara, o regimento não estabeleceu um prazo para que ela ocorresse.

Apesar disso, diferentes especialistas entendem que a inexistência de um prazo determinado tampouco dá a Lira o poder de indefinidamente nada fazer. Neste caso, o caminho seria o STF determinar que Lira analise os pedidos.

O que o STF decidiu recentemente? A ministra Cármen Lúcia negou pedido do PT solicitando que Lira fosse obrigado a ao menos analisar um pedido de impeachment, protocolado pelo partido em maio de 2020.

Em decisão no dia 21 de julho deste ano, a ministra considerou que conceder o mandado prejudicaria o princípio de separação entre os Poderes e afirmou que não há prazo para análise dos pedidos.

Na última semana, deputados do PSOL ingressaram com pedido no STF com mesmo objetivo.

O que dizem especialistas? O professor de direito constitucional da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Miguel Gualano de Godoy avalia que "a falta de estabelecimento de um prazo pelo regimento não significa que ele [presidente da Câmara] pode não decidir". Neste sentido, ele destaca que a Lei de Impeachment previu prazo para o encaminhamento da denúncia.

A professora de direito constitucional da FGV Eloísa Machado de Almeida concorda que as regras não conferem ao presidente da Câmara o poder de não responder aos pedidos. "Não avaliar por tanto tempo é abusar das competências."

Questionados se cabe falar em limbo jurídico, ambos sustentam que não.

Nesse sentido, Eloísa aponta que, apesar de não haver um prazo determinado na lei, é comum que o Judiciário complemente o processo a partir da interpretação das regras legais. "Não seria nada novo, muito menos em processo de impeachment, que o Judiciário usasse seu poder de interpretação para, por analogia, determinar qual o prazo mínimo de resposta."

Para Mafei, ao dizer que não via materialidade no superpedido, Lira fez um juízo liminar, demonstrando que não vê fundamento sobre a denúncia. "Ele só está evitando formalizá-la para evitar o recurso contra a decisão. Esse poder ele não tem, na minha opinião, porque não tem nenhuma norma que confira esse poder a ele."

Mafei discorda que Lira possa simplesmente ignorar os pedidos por avaliar que não há conjuntura. "Existe um juízo de conveniência. Só que quem exerce esse juízo é o plenário da Câmara."

Dentre os pedidos contra Bolsonaro, quantos foram arquivados? De acordo com informações da assessoria de imprensa da Câmara, apenas dois foram formalmente arquivados —ambos por Rodrigo Maia— seja por não conterem assinatura ou, nos casos de denúncias enviadas por email, por não conterem certificação digital.

Portanto, nenhum pedido foi rejeitado por ser “despido de justa causa” ou por falta de materialidade.

Além disso, em planilha da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara, em que estão elencados todos os pedidos apresentados contra Bolsonaro e sua respectiva situação, há alguns que constam como documento apócrifo (ou seja, sem assinatura ou sem certificação digital) ou então classificado como concluído —mas que não foram formalmente arquivados pelo presidente.

De acordo com a assessoria da Câmara, desde uma padronização instituída em abril de 2020, os pedidos passaram a não ser mais protocolados quando identificados problemas na checagem de assinaturas. Nesses casos, ele não é recebido ou é devolvido ao denunciante, não ocorrendo o arquivamento formal pelo presidente da Câmara.

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