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Coronavírus Eleições 2022

CPI da Covid marca ação e inação de Bolsonaro na pandemia para 2022

Comissão pode não ter enterrado o governo, mas organizou o caso contra o presidente para a disputa eleitoral

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São Paulo

Desde a CPI do caso PC Farias, no longínquo 1992, as comissões parlamentares de inquérito assombram governos com maior ou menor intensidade porque o presidente à época, Fernando Collor de Mello (PRN), renunciou em meio ao julgamento de seu impeachment.

Apesar de momentos memoráveis de infâmia de lá para cá, nunca mais uma CPI ficou com a fama de ter ajudado a derrubar o inquilino do Palácio do Planalto. Dilma Rousseff (PT) sofreu o impedimento em 2016, mas o papel da CPI da Petrobras no processo foi aquém de lateral.

Da esq. para a dir., Marcelo Queiroga, o presidente da CPI Omar Aziz (PSD-AM) e o relator Renan Calheiros (MDB-AL) no primeiro depoimento do ministro da Saúde à comissão
Da esq. para a dir., Marcelo Queiroga, o presidente da CPI Omar Aziz (PSD-AM) e o relator Renan Calheiros (MDB-AL) no primeiro depoimento do ministro da Saúde à comissão - Pedro Ladeira - 6.mai.2021/Folhapress

Quando foi dada a largada da CPI da Covid, seus integrantes sempre repetiam seu grande trunfo: ela se tratava de uma apuração viva, de fatos que afetam o país de maneira inaudita. Afinal, a pandemia já matou 12 vezes mais brasileiros do que a maior guerra que o país travou, a do Paraguai (1864-70).

O golpe fatal contra o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) enfim não veio, apesar de vários momentos de tensão que ecoavam de forma pálida a bomba explodida pelo publicitário Duda Mendonça em 11 de agosto de 2005.

Naquele dia, a CPI dos Correios ouviu o publicitário que ajudou a eleger Lula em 2002, morto recentemente, dizer candidamente que havia recebido milhões de dólares por caixa dois no exterior. O governo quase caiu.

Se nada assim ocorreu neste 2021, o conjunto probatório da CPI é robusto o suficiente para gerar muita dor de cabeça adicional ao Planalto. Quase dez investigações paralelas já estão em curso, e outras virão.

Mais importante politicamente, a comissão conseguiu estabelecer e amarrar uma sucessão de fatos que eram mais ou menos óbvios para o leitor atento do noticiário da pandemia, mas que ganharam um relato coeso —da procrastinação vacinal comandada pelo general Eduardo Pazuello à busca pela imunidade coletiva, passando por relatórios fraudados e suspeitas diversas.

E isso se tornará uma marca indelével na testa de Bolsonaro quando ele for enfrentar os eleitores em 2022, quando deverá ser candidato à reeleição.

Se o uso do termo genocida é incorreto por impreciso, a associação clara da ação e inação governamentais na pior crise na saúde pública em um século está bastante documentada agora.

Obviamente, não parece provável que as acusações de crimes que estão sendo cozidas por Renan Calheiros (MDB-AL) e companhia contra Bolsonaro como pessoa física possam ter repercussão jurídica, mas não é disso que a CPI trata.

Já houve efeitos de outra ordem. Quando ficou evidente que o processo de compra de vacinas é deveras viciado no governo, fora as acusações diretas de corrupção, um dos pilares fundamentais do bolsonarismo foi abalado.

A convicção de que o presidente não tolera corrupção foi implodida em quem não faz parte de seu eleitorado-raiz. Bolsonaro amarga os piores índices de rejeição de seu governo, um patamar que o coloca numa inédita situação desfavorável para a largada da campanha de 2022.

Além de genocida, o presidente passou a ser chamado de corrupto em protestos de rua que não ganharam densidade para alimentar um movimento por impeachment, mas servem de test-drive para a campanha à frente.

Bolsonaro tem um histórico de absorção reativa de golpes. Passou 2020 inteiro trabalhando contra as vacinas, como a CPI dissecou, mas quando viu avançar o programa de imunização do rival João Doria (PSDB-SP), deu o braço a torcer e o governo federal passou a se mexer.

Em relação à CPI, contudo, parece que o desprezo público do presidente a seus integrantes não governistas estabeleceu uma barreira para manter sua posição negacionista e a irresponsabilidade sanitária, que por sinal contaminou de vez o ministro Marcelo Queiroga (Saúde).

Na lógica do bolsonarismo, a ideia ao fim é reduzir tudo à tal guerra das narrativas. A CPI caiu mais de uma vez nessa vala comum, com espetáculos pirotécnicos vazios de pedidos de prisão abortados, depoimentos vazios ou mal conduzidos.

​A comissão, em favor do Planalto, deixou várias histórias perdidas no caminho —a começar aquelas envolvendo seu mais graúdo peixe pescado, o líder do governo e ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR).

Quando seu nome foi trazido à tona por um bolsonarista, houve aquele cheiro de "momento Duda Mendonça", mas o fato é que a coisa não avançou e Barros ainda jantou a CPI quando enfim sentou na cadeira de depoente.

Mas a comissão também trouxe à luz a estarrecedora história da Prevent Senior, ainda em desenvolvimento, e sua clara ligação se não com o governo em si, mas com o "éthos" bolsonarista da pandemia.

Com tudo isso, mesmo que não tenha enterrado o governo, a CPI lega um catálogo de má conduta federal na pandemia sólido o suficiente para ser usado por adversários —já que parece remota a chance de algo avançar via Judiciário.

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