Renan se isola em CPI, e senadores avaliam até emendas caso relatório não seja alterado

Omar Aziz diz que relator deve manter tudo aquilo que vazou; outros senadores tentam mudar parecer antes de leitura

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Brasília

Às vésperas de apresentar formalmente o relatório final da CPI da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) acabou isolado por colegas e foi acusado de vazar trechos do documento.

Uma ala de senadores agora atua para convencê-lo a retirar partes alvo de divergência do texto. Caso o relator não ceda, congressistas avaliam apresentar emendas ao parecer de Renan.

O incômodo com Renan foi geral no chamado G7, grupo de sete senadores majoritário da CPI. O relator chegou a ser chamado de traidor pela suspeita de ter feito uma jogada política para expor trechos do texto e encurralar colegas que quisessem mudá-los.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), não quer mais conversas a portas fechadas sobre o relatório e afirmou nesta segunda-feira (18) que Renan deve manter "tudo aquilo que vazou".

Outra ala, porém, ainda busca consenso. Mesmo sem reuniões do G7 previstas, senadores querem conversar individualmente com Renan.

Relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi chamado de traidor por colegas após texto ter vazado à imprensa
Relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi chamado de traidor por colegas após texto ter vazado à imprensa - Pedro Ladeira/Folhapress

Há intenção de convencer o relator a mudar o texto antes de quarta-feira (20). Os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), por exemplo, são parte da ala que quer se reunir para discutir o teor do parecer e evitar que ele seja colocado em votação sem consenso.

O objetivo é evitar um fim traumático, com clima de guerra entre os senadores, em uma comissão que teve ampla repercussão e cuja maioria dos integrantes ditou o rumo dos trabalhos.

Apesar da fala de Aziz, o senador Randolfe disse que a ideia é reunir até a noite de terça-feira (19) senadores do grupo majoritário, além de integrantes da bancada feminina e outros parlamentares que participam das discussões da CPI para "dirimir" dúvidas sobre o relatório.

Renan começou a entregar aos senadores versões preliminares do relatório no fim da tarde desta segunda, com 70 indiciados, segundo o gabinete do relator. O texto ainda está sob ajustes.

A mudança mais recente foi inserir no capítulo sobre medicamentos sem eficácia o caso da proxalutamida e sugerir indiciar o endocrinologista Flávio Cadegiani, que liderou os estudos clínicos, o que deve fazer o número de sugestões de indiciamento subir a 71.

Há ainda discussões sobre inserir mais um nome no capítulo das fake news.

Já Aziz disse esperar que colegas apresentem sugestões, mas declarou que votará para aprovar o texto do relator. "Acho que deve manter tudo. Ninguém está pedindo nada a ele, o que queremos é acrescentar algumas coisas", afirmou, após se reunir com Humberto e Randolfe.

"A sugestão minha é que ele mantenha tudo aquilo que ele vazou. Para não ter dúvida sobre o nosso comportamento. Para não sair brincadeirinha, dizendo: 'Ah, o presidente [Jair Bolsonaro] ligou pro Omar'. Não ligou para mim", disse Aziz à imprensa.

Como mostrou a Folha, em cinco volumes a minuta do parecer de Renan que estava pronta na sexta-feira (15) pede o indiciamento de mais de 60 pessoas, entre elas filhos do presidente, ministros de Estado, integrantes e ex-funcionários do Ministério da Saúde e empresários.

O texto atribui 11 crimes ao presidente, entre eles o de homicídio. Além disso, Renan propõe 17 projetos de lei ou mudança na Constituição, que incluem definir crime para punir a disseminação de fake news, hoje inexistente.

Como mostrou o Painel, a ideia é sugerir pena de prisão de ao menos dois anos para quem distribuir notícias sabidamente falsas. As propostas vão tramitar direto no plenário do Senado, sem precisar passar por comissões temáticas, o que agiliza o processo.

A assessoria de Renan informou que Flávio Cadegiani foi inserido no texto nesta segunda.

"Responsável pela promoção dos testes irregulares com o medicamento proxalutamida em mais de 600 pacientes no Amazonas e no Rio Grande do Sul. Há suspeitas de que mais de 200 pacientes possam ter morrido em razão do uso do medicamento", afirmou o gabinete do senador.

Na semana passada, Cadegiani negou irregularidades no estudo da proxalutamida.

"O estudo científico obedeceu a todos os mais rígidos princípios éticos, além de atender todas as formalidades exigidas. E quem faz questão de que tudo seja devidamente apurado e esclarecido são os pesquisadores", afirma o médico nas redes sociais

Para Aziz, Renan vazou o relatório para constranger os colegas e não há mais clima para propor mudanças antes de o texto ser apresentado à comissão.

"Parece que a gente se entregou ao Bolsonaro [se pedir mudança], que está protegendo o filho do Bolsonaro. Por isso estou dizendo, onde ele está indo eu já voltei. É estratégia", disse Aziz.

O relator da CPI, porém, nega que tenha vazado o texto e disse que está aberto para qualquer alteração, desde que haja consenso no grupo majoritário da CPI.

"O relatório vazou e lamento que tenha vazado, mas eu achei até bom o resultado, porque antecipa publicamente um debate que era inevitável, insubstituível", disse Renan.

Aziz reagiu às falas de Renan minimizando a divulgação de trechos do parecer. "Acho que ele [Renan] não gostaria de que fizesse isso nas denúncias que fizeram contra ele", afirmou.

À Folha Renan afirmou que "não há problema de sua parte" e que "o processo legislativo caminha mais facilmente pela maioria".

"O relatório final da CPI será produto da maioria. O que a maioria quiser tirar tirará e o que quiser colocar colocará. O relatório não terá carimbo de ninguém, todos participarão igualmente. A proposta de relatório é do relator, o relatório final, não", afirmou.

O relator também disse que "vazamento nunca ajuda" mas que, depois de vazado, a CPI precisa aparar diferenças, sem brigas.

"Só briga dois quando os dois querem. Eu mesmo não quero e não vou brigar com ninguém, só brigarei com os aliados do vírus, com aqueles que defendiam o aumento de contágio da população, porque acreditavam e acreditam que isso resolveria o problema. Isso em substituição às vacinas", disse.

Inicialmente, estava previsto para esta semana o encerramento dos trabalhos da CPI da Covid, com a leitura do relatório final nesta terça-feira (19), com a votação do documento marcada para o dia seguinte.

No entanto, durante o fim de semana, vários senadores demonstraram insatisfação com o vazamento de alguns dos principais pontos do relatório final de Renan.

Um dos pontos de divergência, como relatou a coluna Mônica Bergamo, da Folha, é a proposta de indiciamento de Bolsonaro pelo crime de genocídio contra a população indígena.

Por causa dessas divergências, os senadores do grupo majoritário decidiram adiar a leitura e a votação do relatório final. A ideia é que Renan apresente e leia o parecer nesta quarta. A votação sobre o texto deve ser feita na semana que vem, dia 26.

Aziz disse que votará a favor do relatório de Renan, mesmo sobre trechos que já criticou, como sobre suposto genocídio indígena. Ele afirmou, porém, temer que o texto final seja frágil.

"Você tipificar uma coisa e essa tipificação cair no primeiro momento por falta de conteúdo é colocar tudo a se perder. Esse é o medo", disse. "Não adianta acusar de dez coisas, precisa te acusar de uma, bem feita, e você será condenado do mesmo jeito", disse o presidente da CPI.

Randolfe sugeriu, após se reunir com Renan, que o relatório pode fazer críticas às políticas do governo para saúde indígena, mas não atribuir crime aos agentes.

Senadores ainda têm dúvida sobre de que forma podem alterar o relatório após a apresentação na comissão, se cabem destaques ou um texto substitutivo deve ser colocado em votação.

Outra divergência diz respeito à inclusão de pedido de indiciamento de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) por improbidade administrativa.

Renan argumenta que o senador cometeu o crime ao levar o presidente da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, a um encontro com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano.

Para senadores, o trecho é frágil e pode facilmente ser derrubado em investigação do Ministério Público.

Nesta segunda, em um vídeo divulgado por seu gabinete, Flávio afirmou que a audiência pública da CPI da Covid com equipes médicas, pacientes e parentes de vítimas da pandemia é algo "macabro, triste e lamentável".

"Pessoas foram escolhidas a dedo para virem na CPI e falarem mal do presidente Bolsonaro. Pessoas com histórico de militância contra Bolsonaro vieram para cá com o compromisso de responsabilizar Bolsonaro pelas mortes dos familiares por causa da Covid e não do Bolsonaro. Isso é um desrespeito com quase 600 mil vítimas do Brasil", afirmou.

"A CPI está entrando para a história como algo que mancha a imagem do Senado e faz com que muitas pessoas olhem para cá com nojo", disse o senador.

Após audiência com parentes de vítimas da Covid, nesta segunda, o senador Humberto Costa fez uma fala emocionada e pediu para a comissão não se perder em "fogueira de vaidades".

Sem citar o relator Renan, o petista pediu que se reconheçam erros e se peça desculpas por eles. Mas Renan negou que haja mal-estar e afirmou que nem sequer recebeu queixas dos colegas.

A inclusão do pedido de indiciamento do ministro Braga Netto (Defesa) no parecer também gera divergências. Renan, porém, indicou que não deve retirar o nome e ainda citou que pode inserir o ministro Paulo Guedes (Economia) na lista de indiciados, se os colegas concordarem.

Já Aziz sugeriu que faltam argumentos para acusar o ministro.

No bastidor, assessores de Aziz disseram que não houve surpresa em relação à falta de debate sobre o relatório por parte de Renan. O sentimento é o de que o relator não soube trabalhar em grupo desde o início da CPI e, por isso, não seria diferente com o relatório final.

Por isso, Aziz disse que não irá propor alterações no texto e vai deixar que o relator assuma a culpa sozinho, caso o relatório fracasse. Ele também não quis se encontrar com Renan para falar sobre o texto já finalizado, e deixou o Senado no final da tarde desta segunda.

Também pesou na decisão de Aziz o cuidado de não dar margem para o discurso de que ele estaria aliviando para Bolsonaro, caso propusesse alterações no texto.

Isso porque os pontos em que o presidente do colegiado discorda de Renan são os que propõem penas mais duras contra o presidente, como por genocídio indígena e o indiciamento dos seus filhos.

Próximos passos da CPI

Próximo depoimento Comissão ouve Elton da Silva Chaves, representante do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), nesta terça (19)

Previsão de leitura do relatório Quarta (20)

Previsão de votação do texto Terça (26)

Principais divergências Um dos pontos, como relatou a coluna Mônica Bergamo, da Folha, é a proposta de indiciamento de Bolsonaro pelo crime de genocídio contra a população indígena.
Os membros do G7, como é conhecido o grupo majoritário da comissão, também divergem sobre a inclusão de membros da família do presidente Bolsonaro entre as propostas de indiciamento

O QUE ACONTECE APÓS A VOTAÇÃO DO RELATÓRIO

A CPI ainda tem algum poder após a apresentação o relatório final? Não, pois a aprovação e o encaminhamento do relatório constituem a etapa final da CPI.
Como estratégia para acompanhar os desdobramentos das investigações da comissão, os senadores Omar Aziz (PSD-AM), que preside a CPI, e o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentaram a proposta de criação de um grupo permanente, a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia.
A iniciativa, porém, depende de aprovação no Senado

A quem o relatório é enviado? Cada uma das conclusões do relatório pode implicar no envio para órgãos distintos. No caso de ilícitos criminais ou civis, por exemplo, a competência para denunciar formalmente os investigados pela CPI ou de requerer mais investigações é do Ministério Público.
No caso de autoridades com foro, caso do presidente, esse papel é desempenhado pela Procuradoria-Geral da República (PGR)

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