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Cidadania negra e indígena no Brasil: um sonho impossível?

Pergunta merece ser revisitada nos 50 anos do Dia Nacional da Consciência Negra

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Samuel Rocha Ferreira

Mestre em História (Unifesp), professor da rede pública municipal de São Paulo e membro da RHN

Patrícia Alves-Melo

Doutora em história (UFF), professora titular da UFAM e membro da RHN

A pergunta não é impertinente. Pode ser um tanto incômoda e os motivos são vários. Há quem a negue como questionamento válido. E há quem a viva em meio a inúmeras tragédias cotidianas e lutas por direitos.

Divulgação

De todo modo, ela é inevitável e merece ser revisitada nos 50 anos de criação do Dia Nacional da Consciência Negra, tarefa que a Rede de HistoriadorXs NegrXs (RHN) se propôs a enfrentar nesta pioneira ocupação de vários veículos da imprensa nacional. Vamos a um momento decisivo.

Na Constituinte de 1823, o artigo 5° gerou muita controvérsia. Afinal, poderiam todos os membros do Império do Brasil ser considerados cidadãos? Por seu caráter escravista e pelos pressupostos a partir dos quais a nação passou a ser pensada, houve um consenso de que a cidadania não seria universal.

A questão é que um largo contingente da população sequer foi reconhecido como membro da sociedade brasileira por sua condição cativa e a liberdade de forros, libertos e africanos livres foi marcada pela precariedade.

O risco da reescravização era um temor cotidiano. Afinal, todo negro livre podia ser considerado escravo/a até prova em contrário. E os indígenas?

Nas políticas indigenistas criadas para sua incorporação à sociedade nacional, o objetivo de civilizá-los estava explícito e era condição de sua cidadania.

Era uma inserção condicionada: os nativos deveriam abrir mão de suas identidades étnicas, ser submetidos ao trabalho compulsório (garantindo mão de obra a exploradores), ser expostos à expropriação de suas terras e, no limite, ser alternativa de mitigação da presença negra em território nacional.

O extermínio tinha muitas faces. Ao longo do século 19, o conceito de "civilização" foi central no esforço de forjar a nação brasileira.

Era uma ideia nada inocente e com profundo teor racial, na qual sociedades europeias e brancas seriam o ponto máximo da humanidade. Ao longo dos séculos 20 e 21, houve um esforço bem-sucedido das elites nacionais em atualizar o projeto imperial.

Assim, pretensões de embranquecimento da nação e discriminações variadas contra populações negras e indígenas foram e são concomitantes ao mito da democracia racial.

Se o mito suaviza a concretude de um projeto de nação excludente, não surpreende que também negue a existência de políticas genocidas contra populações negras e indígenas com justificativas conhecidas: nativos são "atrasados" e "obstáculos ao desenvolvimento", ao passo que, no contexto da guerra às drogas, todo negro periférico é associado ao tráfico até que prove o contrário.

Falar em possibilidades de cidadania plena das populações negras e indígenas no interior deste projeto excludente é uma ideia totalmente fora do lugar, o que torna a pergunta deste texto inevitável.
Por isso é que as lutas pela construção e o reconhecimento da cidadania são indispensáveis, diversas e plurais. É essencial garantir que perguntas incômodas continuem a ser formuladas. Sempre.
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