Moro erra sobre Lava Jato e exagera em dado econômico em discurso de filiação

Ex-juiz não confirmou se vai concorrer à Presidência; veja checagem

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Bruno Nomura Carol Macário Jessica Brasil Skroch
Agência Lupa

O ex-juiz Sergio Moro disse que entrou na política para fazer correções "de dentro pra fora", em discurso na cerimônia de sua filiação ao Podemos, nesta quarta-feira (10).

O evento do partido, realizado em Brasília, o anunciou como "futuro presidente da República", mas Moro não confirmou se disputará as eleições para presidente ou para outro cargo em 2022.

Sergio Moro ao lado do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta durante o evento de filiação, em Brasília - Evaristo Sa/AFPAFP

Ele fez críticas à gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), da qual participou como ministro da Justiça e Segurança Pública até abril de 2020, e a governos petistas. Moro evitou, contudo, falar sobre o fato de sua atuação ter sido considerada parcial nos processos que envolveram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Operação Lava Jato.

A Lupa analisou algumas das declarações do ex-juiz. A reportagem contatou a assessoria de imprensa de Moro a respeito das checagens, mas não obteve resposta.

Confira a checagem.

Eu sempre (...) fiz justiça na forma da lei

Sergio Moro

Em evento de filiação ao Podemos

FALSO

Em junho deste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu que Sergio Moro foi parcial na condução de um processo da Operação Lava Jato. O caso levou à condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP). Nos últimos anos, a atuação de Moro como juiz à frente da Lava Jato foi alvo de críticas e nem sempre foi considerada justa.

De acordo com o princípio da imparcialidade, previsto na Constituição Federal (artigo 5º), um juiz deve estar numa posição de imparcialidade diante das partes e isso é um pressuposto para a validade do processo. Ou seja, a pessoa que julga precisa estar isenta de qualquer tendência para tomar uma decisão justa.

O princípio da imparcialidade também aparece no primeiro capítulo do Código de Ética da Magistratura, que diz que o trabalho deve ser norteado pelos princípios da "independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro" e, ainda, que deve respeitar a Constituição.

Segundo magistrados brasileiros e estudiosos de fora do país, esse não foi o comportamento de Moro. Em março, durante o julgamento na Segunda Turma do STF sobre um habeas corpus da defesa de Lula –que acusava o ex-magistrado de ter sido parcial nos processos envolvendo o petista–, o ministro do STF Gilmar Mendes criticou Moro pela ordem de condução coercitiva do ex-presidente em 2016 e classificou esse episódio como "hediondo espetáculo policialesco".

"(...) A pretensão política do ex-juiz Sergio Moro se evidenciou logo com a eleição do partido de oposição àquele de Luiz Inácio Lula da Silva", disse Gilmar. Também afirmou que as narrativas seriam de que "as tratativas entre o presidente eleito e o ex-juiz Sergio Moro iniciaram-se em momento anterior, ainda durante a campanha presidencial."

Ao jornal The New York Times, o mestre em ciência política pela universidade Sciences Po de Paris Gaspard Estrada escreveu que Moro e outros promotores "perverteram os avanços institucionais da Operação Lava Jato ao transformar uma simples força-tarefa temporária em uma entidade acima da lei".

Um outro episódio colocou em xeque a legitimidade da atuação de Moro durante a Lava Jato. Em 2019, uma reportagem do The Intercept Brasil mostrou conversas entre o então juiz e o ex-procurador Deltan Dallagnol. Nas mensagens, Moro aparece sugerindo testemunhas, dando pistas sobre futuras decisões e até aconselhando membros do Ministério Público Federal. Pela lei, juízes não podem aconselhar partes de um processo que estejam julgando. Esse episódio ficou conhecido como Vaza Jato.

Desde a época do governo do PT o desemprego começou a crescer e não parou mais

Sergio Moro

Em evento de filiação ao Podemos

FALSO

Os dados da Pnad Contínua(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que a taxa de desocupação média anual começou a subir em 2015, no segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), continuou a crescer em 2016 e 2017, na gestão de Michel Temer (MDB), mas caiu em 2018 e em 2019, primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro (sem partido).

Em 2020, contudo, voltou a subir. Por isso, é falso que o desemprego cresceu continuamente ao longo de todo esse período, como afirmou Moro.

Em 2012, quando se iniciou a série histórica, a taxa de desocupação média anual foi de 7,4%. Já em 2020, último dado disponível, atingiu 13,5%.

Apesar de ter sido registrado crescimento se comparados esses dois anos, houve variações ao longo do período.

Em 2013 e 2014, a taxa diminuiu para 7,1% e 6,8%, respectivamente. A partir de 2015 o dado começa a subir, passando para 8,5% naquele ano, e 11,5% e 12,7% nos dois anos seguintes. Novas baixas são registradas a partir de então, com 12,3% em 2018 e 11,9% em 2019. Os dados estão disponíveis nos quadros sintéticos da Pnad Contínua.

Nos anos anteriores a 2012, a taxa de desocupação não é comparável com as mais recentes, já que era divulgada pela Pesquisa Mensal de Emprego, que possuía metodologia e amostras diferentes e foi descontinuada.

Em 2018, recebi um convite do presidente eleito para ser ministro da Justiça. (...) [Havia] uma persistente recessão (...)

Sergio Moro

Em evento de filiação ao Podemos

EXAGERADO

A economia brasileira registrou retração em 2015 e 2016: o PIB caiu 3,5% e 3,3%, respectivamente, segundo dados do IBGE.

Entretanto, em 1º de novembro de 2018, quando Moro aceitou convite do então presidente eleito Jair Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o país já havia retornado à tendência de crescimento.

Em 2017, no governo de Michel Temer, o PIB brasileiro cresceu 1,3%. Além disso, houve crescimento nos dois primeiros trimestres de 2018, cujos resultados foram divulgados antes de 1º de novembro daquele ano. O país fechou 2018 com um crescimento de 1,8%.

São atualmente mais de 14 milhões de desempregados

Sergio Moro

Em evento de filiação ao Podemos

EXAGERADO

Segundo a Pnad Contínua referente ao trimestre encerrado em agosto deste ano, 13,7 milhões de pessoas estão desempregadas no país –este é o dado mais recente disponível.

A pesquisa foi divulgada pelo IBGE no dia 27 de outubro. O dado citado por Moro, de "mais de 14 milhões de desempregados", é, portanto, exagerado. A série histórica mostra ainda que houve uma queda no total de pessoas nessa condição ao longo do ano.

No trimestre que considera maio, junho e julho de 2021, a pesquisa mostrou que 14,1 milhões de brasileiros estavam buscando trabalho, o que correspondia a uma taxa de desocupação de 13,7%.

Já no segundo trimestre (abril, maio e junho), o Brasil somava 14,4 milhões de desempregados. No primeiro trimestre (janeiro, fevereiro e março), a taxa de desocupação e o contingente de desocupados atingiram suas máximas da série histórica, iniciada em 2012, totalizando 14,8 milhões na fila em busca de um trabalho no país.

Conseguimos, de fato, em 2019, diminuir a criminalidade violenta e combatemos, pra valer, o crime organizado. Cerca de 10 mil vidas brasileiras deixaram de ser ceifadas pelo crime neste meu primeiro ano como ministro da Justiça

Sergio Moro

Em evento de filiação ao Podemos

VERDADEIRO

O país registrou queda de 17,7% no número de mortes violentas intencionais em 2019, aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Foram 47.773 óbitos naquele ano, frente a 57.592 registrados em 2018. A diferença de um ano para o outro é de 9.819 mortes. No entanto, especialistas reforçaram à época que o número de assassinatos já estava em tendência de queda desde 2018, antes da posse de Bolsonaro.

Naquele ano, o índice de mortes violentas intencionais teve redução de 10,8% em relação a 2017, segundo o anuário.

Enquanto esteve à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Moro comemorou os números consolidados pelo Sinesp (Sistema Nacional de Informações da Segurança Pública), ligeiramente mais positivos.

De acordo com a plataforma do governo federal, os crimes violentos letais intencionais (homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte) caíram 19% em 2019 na comparação com o ano anterioruma redução de 10.107 mortes, segundo anunciou o então ministro em suas redes sociais.

Além disso, a metodologia utilizada pelo Sinesp até então era questionada por pesquisadores, informava uma reportagem da Folha. Especialistas apontavam falta de critérios técnicos para submissão das informações pelos estados que poderiam levar a dados consolidados incompletos.

Mais de R$ 4 bilhões foram recuperados dos criminosos

Sergio Moro

Em evento de filiação ao Podemos

VERDADEIRO

Quando se leva em consideração as forças-tarefas da Operação Lava Jato nas instâncias de Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo, já foram recuperados R$ 8,4 bilhões.

Em Curitiba, foram ressarcidos R$ 4,3 bilhões — do total de R$ 14,7 bilhões previstos — até 24 de agosto deste ano. Esse montante é resultado de 209 acordos de colaboração e delação premiada, além de 17 acordos de leniência de empresas.

Já na instância do Rio de Janeiro, a força-tarefa da Lava Jato recuperou R$ 4,1 bilhões até 1º de junho. Esse valor refere-se a ressarcimentos e pagamento de multas compensatórias de 180 acordos de colaboração e nove acordos de leniência. A força-tarefa em São Paulo ainda não resultou em nenhum dinheiro recuperado.

Os valores vêm sendo ressarcidos aos cofres públicos de diferentes formas.

No âmbito da força-tarefa em Curitiba, por exemplo, em dezembro de 2019 o Ministério Público Federal do Paraná divulgou a aplicação de R$ 220 milhões pela EcoRodovias para subsidiar a redução de 30% na tarifa das praças de pedágio dessa empresa no estado, além de obras nas estradas paranaenses.

Outros recursos foram restituídos aos cofres da Petrobras, da União e transferidos para a 11ª Vara da Seção Judiciária de Goiás.

No braço fluminense da operação, em fevereiro de 2020 a 7ª Vara Federal Criminal determinou a transferência de R$ 670 milhões recuperados de colaboradores para contas do governo do estado do Rio e da União. Em 2017, R$ 250 milhões foram utilizados para ajudar no pagamento do 13º dos servidores do estado.

Edição Maurício Moraes e Marcela Duarte

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