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Mendonça faz 'tour da gratidão' em semana com Malafaia e bancada evangélica

Futuro ministro do STF fez giro religioso nos dias que se seguiram à sua aprovação

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Rio de Janeiro

André Mendonça é grato a Deus em primeiro lugar. O tour da gratidão, contudo, não deixou de fora os pastores que o ajudaram a amolecer a resistência ao seu nome entre senadores, donos da palavra final sobre a nomeação "terrivelmente evangélica" que o presidente Jair Bolsonaro prometeu e cumpriu para o STF (Supremo Tribunal Federal).

Uma passagem pelo templo do mais vocal desses líderes, Silas Malafaia, foi o ápice do giro religioso que pôs em marcha após sua confirmação no posto.

André Mendonca durante sabatina no Senado - Adriano Machado-1.dez.12/Reuters

O futuro integrante do STF será empossado na tarde de quinta (16) e, na mesma noite, tem um culto marcado em Brasília, na Catedral Baleia —templo com formato do mamífero aquático que serve de sede nacional para o Ministério Madureira da Assembleia de Deus.

O pastor presbiteriano irá prestigiar os amigos pentecostais que estavam ao seu lado, no gabinete de um senador evangélico como todos ali, quando descobriu que sua indicação havia passado pelo crivo do Senado.

Foi naquela sala que a primeira-dama Michelle Bolsonaro deu pulinhos de alegria e falou em línguas, o que o pentecostalismo entende como uma manifestação do Espírito Santo. Mendonça resgatou na quarta (8) a cena com "dona Michelle", alvo de troça em redes sociais, ao pregar na Santa Ceia do Senhor, último culto realizado pela Frente Parlamentar Evangélica neste ano.

"Alguns setores da sociedade têm mal interpretado e até agido com grau de preconceito, por não entender. Mas ali estava o espírito santo de Deus."

Diante de uma mesa enfeitada no Congresso com pão e uvas artificiais, um simulacro da bíblica Santa Ceia, o futuro ministro ainda receberia um abraço do decano da bancada religiosa. "Aceitei Jesus como meu salvador e fui lavado pelo sangue", lhe disse Gilberto Nascimento (PSC-SP). Afirmou então se felicitar por enfim poder dizer, após tantas décadas, o mesmo de um ministro do STF.

No dia seguinte, quinta (9), Mendonça viajou para o Rio, onde a fé foi tema central de ao menos três compromissos em sua agenda. Primeiro almoçou com o bispo Abner Ferreira, assembleiano do Ministério Madureira, e depois seguiu com ele para o Palácio Laranjeiras.

Recepcionado pelo governador Cláudio Castro (PL), com carreira no cancioneiro católico, Mendonça lembrou-se de descrições que viu na imprensa sobre o banho-maria ao qual foi submetido pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Por cinco meses, o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) se recusou a marcar sua sabatina na Casa. Queria derrubá-lo. No fim, venceu o pastor.

Um "calvário" com "requintes de drama" foi pelo que ele passou no período. Na boca miúda de pastores aliados, correu que Alcolumbre estava com a "faca e o queijo na mão, e o diabo no corpo".

"Imagina se Cristo desistisse da cruz? Não ia ter cristianismo", disse Mendonça ao governador.

Em conversa com o bispo Abner, o governador e o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), ele mostrou certo incômodo com os senadores lhe terem feito perguntas que, acredita, não teriam direcionado a um outro candidato sabatinado. A ênfase em questionamentos de cunho moral, por exemplo.

"Evangélicos não podem estudar, não podem comer, não podem nem respirar", reclamou Sóstenes, membro da denominação de Malafaia.

O pastor Silas Malafaia e o ministro do STF André Mendonça, em culto na Assembleia de Deus Vitória em Cristo - Ricardo Borges/Folhapress

No fim do encontro, Castro contou ao futuro ministro um pouco da história daquele palácio do Executivo fluminense. Destacou que o AI-5, ato institucional mais duro da ditadura militar, foi assinado num daqueles luxuosos cômodos.

De lá o grupo seguiu para a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, onde seu pastor-chefe os esperava com sucos, bolos e quitutes. Todos queriam uma selfie com Mendonça, que por sua vez prestigiou Romário (PL), o "mais habilidoso senador", cada vez mais próximo do bolsonarismo.

Teve afago para Malafaia também. "Pastor Silas, esse homem tem coragem", disse Mendonça numa roda que incluiu o ex-ministro bolsonarista Fábio Wajngarten e o desembargador William Douglas.

O líder da igreja puxou uma oração para Mendonça e, na sequência, convidou a comitiva com juízes e políticos para se sentar na primeira fila da igreja, com capacidade para 6.000 pessoas. Estava lotada.

O recém-aprovado ministro do STF, André Mendonça, participa de culto em igreja do pastor Silas Malafaia - Ricardo Borges/Folhapress

Malafaia conheceu em 2019 aquele que viria a ser o primeiro evangélico no STF em décadas. Era o primeiro ano do governo Bolsonaro, e Silas Câmara (Republicanos-AM), então à frente da bancada evangélica, armou um almoço com ministros de Estado, "uns 40 líderes evangélicos, dos mais tops", e o presidente de ocasião do Supremo, Dias Toffoli.

Alcolumbre, ainda benquisto por Bolsonaro, foi também, assim como o homem que tentaria impedir de chegar à alta corte quase dois anos depois.

O pastor recorda que, naquele dia, existia no ar um sentimento inicial de que Mendonça poderia ser o indicado ao STF que pastores abraçariam. "Olha aí, ó, esse aí pode ser o terrivelmente evangélico", reproduz à Folha uma ideia que circulou por aquela reunião.

William Douglas, que confraternizou com Mendonça nesta quinta, era outra possibilidade ventilada à época. Semanas antes, o presidente havia anunciado a cota religiosa para a vaga que Marco Aurélio Mello desocuparia em 2021.

"Ali começou a primeira guerra, se seria ele [Mendonça] mesmo ou não", diz Malafaia. Pastores avaliam que, na reta final, a nomeação encontrou bloqueios até mesmo entre correligionários de Bolsonaro. "O presidente foi macho de manter a palavra, recebeu muita pressão."

Antes de levar Mendonça ao púlpito, ainda na sala reservada, o pastor rememorou que também Bolsonaro, assim que ganhou a eleição de 2018, priorizou na agenda de presidente eleito uma visita à sua igreja. O convidado riu quando Malafaia apontou a semelhança.

"Com a boca cheia, vou dizer", avisou o dono da casa, agora para a plateia. "Meu amigo, irmão, pastor André Mendonça." O presbiteriano pregou sobre a "grande vitória que Deus nos preparou" e voltou a seu assento para acompanhar o arremate de Malafaia.

"Esquerdopatas", comunismo, arranjos familiares diversos, tudo isso entrou na mira do pastor que, para amigos, estava num "dia inspirado". O futuro ministro do STF gostou do culto.

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