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Moro afirma ter recebido R$ 3,7 milhões por serviço para consultoria dos EUA

Remuneração virou foco de pressão contra pré-candidato, pois consultoria atuou para empreiteiras condenadas na Lava Jato

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Brasília

O pré-candidato à presidência da República Sergio Moro (Podemos) revelou nesta sexta-feira (28) que recebeu ao menos R$ 3,7 milhões pelos serviços prestados para a consultoria americana Alvarez & Marsal.

A revelação aconteceu durante transmissão ao vivo na internet, ao lado do deputado federal Kim Kataguiri (Podemos-SP), seu aliado político. A informação foi antecipada pelo colunista Lauro Jardim, de O Globo.

Ao Painel, Moro havia também dito que os valores recebidos "não chegavam nem perto" dos milhões que vinham sendo cogitados.

O ex-juiz Sergio Moro em evento do Podemos em São Paulo
O ex-juiz Sergio Moro em evento do Podemos em São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

Moro afirmou que recebeu salários brutos de US$ 45 mil durante os 12 meses em que prestou serviços para a empresa. A quantia, na verdade, foi arredondada. Documentos disponibilizados depois pelo ex-juiz apontam que o salário mensal seria de US$ 45,8 mil.

Além disso, o ex-ministro do governo do presidente Jair Bolsonaro também disse que recebeu um bônus de US$ 150 mil. No entanto, como não permaneceu até o fim do seu contrato de dois anos, precisou restituir a empresa. Moro então divulgou em reais os valores devolvidos: R$ 67 mil.

Moro ainda afirmou que recebeu uma parte dos rendimentos no Brasil, pois atuou pela unidade brasileira da consultoria enquanto aguardava a emissão de seu visto de trabalho para os Estados Unidos.

Um dos documentos mostrados pelo ex-ministro chama a atenção por apresentar inconsistência. Em um dos contra-cheques emitidos nos Estados Unidos, a situação civil de Sergio Fernando Moro é descrita como "solteiro" —ele é casado com Rosângelo Wolff Moro. A assessoria do ex-juiz informou à Folha se tratar de um erro material de cadastro.

O pré-candidato desafiou seus principais concorrentes na eleição de outubro a divulgarem valores e questões polêmicas, motivos de questionamentos junto à opinião pública. O ex-juiz pediu que o presidente Jair Bolsonaro (PL) explique valores que teriam sido recebidos por ele e por seus familiares no esquema da "rachadinha".

"Acho que o Bolsonaro, se eu puder dar uma sugestão para ele, ele poderia abrir as contas lá do gabinete parlamentar dele, do filho dele, do Queiroz", afirmou Sergio Moro sobre o presidente cujo governo fez parte.

"A proposta é a seguinte: vamos aqui fazer um desafio. Eu vim aqui abrir as minhas contas, absolutamente transparente. Vamos ver se o Bolsonaro abre as contas da 'rachadinha' dos gabinetes parlamentares, dele e das pessoas ligadas a ele. Vamos ouvir esclarecimentos sobre aquele cheque, que não são da primeira-dama, são para ele mesmo", completou.

Também pediu esclarecimentos ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre montantes supostamente recebidos da empreiteira Odebrecht, por meio do caso envolvendo o sítio de Atibaia.

"E do Lula, vamos levantar o mesmo desafio: vamos abrir as contas lá do sítio de Atibaia, como é que a Odebrecht e a OAS fizeram aquelas reformas, quem pagou. Vamos aí também saber do Lula quanto ele recebeu e como recebeu por aquelas palestras, que é muito mais do que eu recebi", completou.

Os valores recebidos tornaram-se no último mês foco de pressão sobre o pré-candidato e devem dar munição para ataques durante o período de campanha eleitoral. Isso porque a Alvarez & Marsal foi nomeada judicialmente para administrar a recuperação judicial de firmas que foram alvos da Lava Jato —em sentenças assinadas pelo próprio ex-juiz.

O TCU (Tribunal de Contas da União) instaurou procedimento, sob a relatoria do ministro Bruno Dantas, para averiguar suposto conflito de interesse na atuação de Moro. Além disso, parlamentares iniciaram um movimento para a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a questão. A iniciativa, no entanto, perdeu força nos últimos dias.

O ex-juiz da Lava Jato assinou contrato para trabalhar como consultor do braço investigativo da Alvarez & Marsal em novembro de 2020, sete meses após deixar o Ministério da Justiça do governo Jair Bolsonaro. Ele permaneceu prestando consultoria até o fim do ano passado, quando deixou a função e se filiou ao Podemos com o intuito de disputar a presidência da República.

O processo no TCU foi iniciado em dezembro do ano passado, após representação do subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado.

O subprocurador queria esclarecimentos sobre eventuais prejuízos aos cofres públicos a partir da prática ilegítima denominada "revolving door" —na qual servidores públicos atuam como consultores na iniciativa privada nas mesmas áreas em que costumavam atuar anteriormente.

Em documentos enviados ao TCU, a Alvarez & Marsal expôs que, até dezembro de 2021, recebeu ao menos R$ 42,5 milhões em honorários de empreiteiras investigadas pela Lava Jato ao administrar seus processos de recuperação judicial: a Galvão Engenharia, a OAS e empresas do Grupo Odebrecht.

A Alvarez & Marsal, no entanto, vinha opondo resistência a divulgar os rendimentos de Sergio Moro. A defesa da empresa se baseou em precedentes do Supremo Tribunal Federal para tentar barrar a tentativa do TCU de obter as informações de maneira oficial.

Sergio Moro, por sua vez, vem afirmando que prestou consultoria em uma área da empresa que não teria ligação com o braço de atuação da mesma consultoria no Brasil envolvendo as construtoras brasileiras investigadas pela Lava Jato e condenadas em processos que ele próprio coordenou.

De uma forma bem didática, durante a transmissão, apresentando folhas de papel com as informações, o ex-ministro e ex-juiz afirmou que atuou por uma unidade da Alvarez & Marsal que não estava relacionada com o braço da empresa que cuidou do processo relacionado com as empreiteiras brasileiras. Mostrou que a Alvarez & Marsal Disputas e Investigações, pela qual atuou, tem um CNPJ diferente da Alvarez & Marsal Administração Judicial.

Também disse que só atuou no Brasil pelo grupo de consultorias, enquanto não era emitido seu visto de trabalhos nos Estados Unidos. Repetiu em vários momentos que não fez "nada de errado".

"Eu fui contratado para trabalhar nos Estados Unidos. Fiquei vinculado na empresa brasileira apenas enquanto não saia o meu visto. Mas desde o início, eu fui contratado para trabalhar lá. Sequer o foco do meu trabalho era o Brasil. Não recebi um tostão e não prestei nenhum serviço para nenhuma empresa investigada na operação Lava Jato", afirmou.

Moro também disse que pediu para ser incluído em seu contrato com a empresa que ele não poderia trabalhar em assuntos relacionados com as empresas investigadas na Lava Jato.

Embora tenha ressaltado que se tratava do "dia da transparência", Moro criticou duramente os parlamentares e o TCU, que o pressionavam para que divulgasse os valores.

"A CPI foi enterrada e esse processo no TCU, do ministro lá, do procurador, é um abuso, porque o TCU serve para investigar o quê? Governo, administração pública e não investigar contrato entre uma pessoa privada, que é o meu caso, depois que deixei o ministério da Justiça, e uma outra empresa privada. E ainda mais um contrato feito lá no exterior", afirmou.

Moro também rebateu a hipótese de querer lucrar em cima das construtoras que condenou.

"A história é totalmente sem pé e nem cabeça. Se eu quisesse receber algo dessas empresas da lava jato, eu teria aliviado lá trás", afirmou.

O pré-candidato afirmou recentemente que era "perseguido" por ter combatido a corrupção e chegou a chamar de "maluquice" as ações para que ele revelasse os valores recebidos por esses serviços.

"Eu sou o único cara desses daí [pré-candidatos à Presidência] que pode falar 'eu combati a corrupção'. E estou sofrendo. É pura perseguição porque o cara não tem nada para falar do que eu fiz e fica inventando um monte de maluquice", disse em entrevista ao Flow Podcast, na segunda-feira (24).

Aliados do ex-juiz afirmam que a decisão de divulgar os valores recebidos não se deu pela pressão exercida pelo TCU e pela ameaça de instalação de uma CPI. Defendem que a revelação tinha o objetivo de colocar um ponto final nos questionamentos de forma rápida, para evitar que o assunto ganhasse proporções. Inicialmente oposto à iniciativa, à Moro teria aceitado conselhos de seus aliados.

Também nesta semana, a Folha revelou que o ex-juiz Sergio Moro recebeu cerca de R$ 200 mil por um parecer de 54 páginas que emitiu em novembro de 2020 em resposta a uma consulta do empresário israelense Beny Steinmetz, em um caso de litígio internacional bilionário contra a brasileira Vale.

O trabalho conclui de forma contrária aos interesses da mineradora brasileira e é favorável aos do israelense.

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