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Suplicy revê sua história em livro, mas evita abordar atritos com PT

Aos 80 anos, vereador paulistano inicia projeto autobiográfico com 'Um Jeito de Fazer Política'

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São Paulo

Ao longo de 2009, surgiram ou voltaram à tona diversas denúncias contra José Sarney (MDB), então presidente do Senado.

Havia suspeita de que ele teria interferido a favor de um neto que intermediava empréstimos para servidores do Congresso, de que teria usado o cargo para beneficiar a fundação que leva seu nome, entre tantas outras.

Com o apoio do PT, o Conselho de Ética do Senado decidiu arquivar os processos contra Sarney. O partido do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva não queria saber de nenhum desgaste com o poderoso aliado.

Dias depois, durante um discurso na tribuna no qual sugeria a Sarney que se afastasse da presidência da Casa, o senador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT-SP) mostrou um cartão vermelho para advertir o colega —um cartão, diga-se, um tanto maior que o usado pelos árbitros de futebol.

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) com um cartão vermelho, simulando a expulsão de José Sarney (MDB-PA) da presidência do Senado, em Brasília - Sérgio Lima - 25.ago.2009/Folhapress

​Suplicy recebeu mais de 2.000 emails de apoio no dia seguinte e foi muitas vezes cumprimentado nas ruas. Era evidente que o cartão vermelho, gesto inusitado de um político afeito a ações performáticas, havia repercutido mais do que qualquer discurso crítico a Sarney.

A iniciativa irritou a direção do PT, como Suplicy conta, de modo sucinto, no recém-lançado "Um Jeito de Fazer Política", livro assinado por ele e pela jornalista Mônica Dallari.

Esse episódio e o modo como ele é apresentado são reveladores a respeito do livro.

Reúne passagens relevantes ou curiosas da trajetória política e da vida familiar de Suplicy, mas evita ou aborda apenas superficialmente os atritos que têm marcado a relação do atual vereador de São Paulo com o PT, partido do qual foi um fundadores em 1980.

"Um Jeito de Fazer Política" é a primeira parte de um projeto autobiográfico, lançado meses depois de o economista e ex-professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) completar 80 anos.

Dividido em capítulos curtos, sem uma ordem cronológica rigorosa, o volume inicial vai das memórias de infância e adolescência na São Paulo dos anos 1940 e 1950 à defesa enfática da Renda Básica de Cidadania.

Inclui ainda a resistência às ações violentas da polícia para defender movimentos populares à amizade com expoentes da cultura paulistana, como Zé Celso e Mano Brown (autor de um dos prefácios).

O segundo volume, a ser lançado ao longo deste ano de 2022, vai se concentrar nas atividades dele como senador, função que exerceu de 1991 a 2014.

Um dos principais capítulos de "Um Jeito de Fazer Política" revive a mobilização de três décadas atrás pela criação do Parque Yanomami, em Roraima, tema que ganha ainda maior importância hoje, diante do rápido avanço do garimpo nesse território.

Suplicy lembra que assumiu a causa defendida por Severo Gomes, que o antecedeu como representante paulista no Senado. Em 1985, com apoio de nomes como a fotógrafa Claudia Andujar, Severo havia apresentado um projeto de lei para a demarcação daquelas terras indígenas.

Sob pressão no Brasil e no exterior, e depois de muitas disputas no Congresso, o governo Collor reconheceu oficialmente o parque em maio de 1992.

Mais adiante, Suplicy explica, em linhas gerais, o que entende como Renda Básica de Cidadania, "direito de toda e qualquer pessoa, não importa a sua origem, idade, raça, condição civil ou socioeconômica, de participar da riqueza comum da nação através de uma renda monetária suficiente para atender suas necessidades vitais".

Nesse capítulo, ele se recorda da sua visita em 2019 ao Quênia, onde um projeto nesses moldes foi implantado em 124 vilas rurais.

Cita as conversas com beneficiados pelo programa para responder às críticas de que a renda básica seria um estímulo à ociosidade. O trabalho aumentou, disseram a ele mulheres e homens do país do leste da África.

Em 2004, a proposta de Suplicy foi aprovada pelo Congresso e sancionada por Lula, mas não foi implementada. Os governos petistas levaram adiante o Bolsa Família, programa focalizado e que prevê determinadas condições para adesão, diferentemente da Renda Básica da Cidadania.

O fato é que, embora acumule votações muito expressivas como senador e vereador, Suplicy tem colecionado desentendimentos com o PT, uma tensão pouco explorada no livro.

Ele fala brevemente sobre sua pré-candidatura para a disputa presidencial em 2002, episódio que gerou mal-estar no partido —até então, Lula tinha se candidatado três vezes ao Planalto sem a necessidade de prévias.

Lula no Planalto e seguem momentos de descompasso.

Suplicy não cita no livro a defesa pública feita por ele, em 2003, dos quatro congressistas que foram expulsos do PT sob a acusação de desobedecer orientações partidárias. Mais adiante, esses parlamentares, como Heloísa Helena e Luciana Genro, fundaram o PSOL.

Também nessa ocasião, ele incomodou muito a cúpula petista —os leitores agradeceriam se o episódio fosse contemplado no segundo volume.

"Um Jeito de Fazer Política" é, enfim, um bom retrato de uma figura digna da política contemporânea brasileira. Mas o livro seria melhor se enfrentasse mais abertamente os bastidores partidários.

Um Jeito de Fazer Política

  • Preço R$ 45,50
  • Autor Eduardo Suplicy e Mônica Dallari
  • Editora Contracorrente (272 págs.)
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