Anistia a partidos que descumpriram cota para mulher e negro avança na Câmara

Pelo texto, ficam livres de punição partidos que não aplicaram ao menos 5% do fundo partidário em programas de incentivo às mulheres

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Os deputados concluíram nesta quarta-feira (23) a votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que dá uma ampla anistia a partidos que nas últimas eleições descumpriram as regras de direcionamento mínimo de verbas públicas para mulheres e negros.

O texto-base havia sido aprovado na terça-feira (22) por 19 a 2 na comissão especial criada para analisar o mérito da proposta. Os membros do colegiado rejeitaram sugestões de modificação. Agora, o texto já pode ser apreciado pelo plenário da Câmara.

A PEC aprovada na comissão especial suprimiu um trecho aprovado no Senado. Também houve duas emendas de redação. Se não houver mudança de mérito no plenário, o texto segue para promulgação —por ser tratar de PEC, a proposta entra em vigor imediatamente, não cabendo sanção ou veto presidencial.

Deputada Margarete Coelho (PP-PI)
Deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora da PEC que anistia partidos que descumpriram cota para mulheres e negros - Pedro Ladeira/Folhapress

A comissão especial da PEC foi criada em dezembro do ano passado para debater o mérito do texto, aprovado pelo Senado em julho.

A PEC livra de punição partidos que não aplicaram ao menos 5% do fundo partidário em programas de incentivo às mulheres ou que não direcionaram o dinheiro do fundo eleitoral de forma proporcional às candidaturas de negros e de mulheres.

Segundo o texto aprovado na comissão especial, não serão aplicadas sanções de qualquer natureza aos partidos que descumpriram as normas nas eleições passadas, inclusive devolução de recursos, multa ou suspensão do fundo partidário.

Conforme a Folha mostrou, em 2020 a maioria dos partidos descumpriu a determinação da Justiça de dar tratamento igualitário (ou proporcional) a homens e mulheres, negros e brancos, na distribuição de suas verbas e do tempo de propaganda eleitoral.

Levantamento com base na prestação de contas parcial dos candidatos entregue à Justiça Eleitoral mostrava que, apesar de pretos e pardos somarem 50% do total de candidatos, eles haviam sido destinatários de cerca de 40% da verba dos fundos eleitoral e partidário. Os autodeclarados brancos reuniam 60% do dinheiro, apesar de representarem 48% dos candidatos.

Apesar de a legislação determinar desde 2018 distribuição dos recursos às mulheres na proporção das candidaturas lançadas, a maior parte das siglas também não havia cumprido essa regra até a prestação de contas parcial de 2020 —na média, homens eram beneficiários de 73% do dinheiro.

A PEC obriga os partidos a aplicarem pelo menos 5% dos recursos do fundo partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

Um artigo adicionado em 2015 à lei dos partidos políticos já obriga as legendas a repassar o mínimo de 5% para incentivar a presença feminina na política. A legislação, porém, também prevê que esses recursos possam ser reservados para as eleições, o que levou partidos a não gastarem o percentual para promover a diversidade de gênero.

Levantamento feito pela Folha em 2018 revelou que os partidos destinavam só 3,5% do fundo público com mulheres.

A PEC também coloca na Constituição a obrigação de que partidos direcionem recursos proporcionais às mulheres que lançarem, sendo o percentual mínimo de 30% —nesse ponto, Margarete Coelho mudou a redação do texto que veio do Senado e que estabelecia a distribuição desse percentual, independentemente do número de candidatas.

O percentual de 30% já está previsto na legislação comum e na jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal). Com a PEC, as regras são incluídas na Constituição.

Nesta quarta, Margarete Coelho afirmou que, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), nenhum partido descumpriu a cota de 30% para mulheres. A anistia prevista no texto, disse, está focada nos 5% do fundo partidário.

"Não está aqui uma pessoa ingênua com relação a toda essa dificuldade que os partidos políticos impõem às candidaturas femininas. Nós temos consciência disso. Mas também não vou partir do pressuposto de que haveria em todos os partidos este animus de burlar essa cota, embora o histórico dos partidos políticos não os recomende."

A relatora defendeu que esses recursos sejam gastos na pré-campanha das mulheres.

A relatora suprimiu dispositivo do Senado que previa a acumulação desses 5% em diferentes anos, permitindo a utilização futura em campanhas eleitorais das candidatas. No entanto, indicou que o recurso poderá ser gasto em pré-campanha das candidatas, conforme os limites legais.

A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), que votou contra o texto, criticou o que viu como movimentação dos partidos contra as regras relativas às mulheres. "Essa PEC surgiu do Senado com o sentido de transformar o piso de 30% para candidaturas femininas em teto, e anistiar os partidos que não cumpriram os 5% de financiamento de políticas de igualdade de gênero e raça", disse.

Ela avaliou que a mudança feita pela relatora, de estipular o mínimo de 30% de candidaturas femininas, foi uma "redução de danos". Mas criticou a anistia estabelecida pelo texto.

​"É um movimento permanente dos partidos para não cumprir aquilo que a legislação determina num dos países que é lanterninha na América do Sul de participação de mulheres na política."

A relatora suprimiu dispositivo do Senado que previa a acumulação desses 5% em diferentes anos, permitindo a utilização futura em campanhas eleitorais das candidatas. No entanto, indicou que o recurso poderá ser gasto em pré-campanha das candidatas, conforme os limites legais.

Apesar de o Congresso ter discutido esse tema no ano passado, a PEC não inclui cota de cadeiras para mulheres ou negros nos legislativos.

Prevaleceu a posição dos partidos tradicionais e da maioria de seus caciques de manter as regras atuais, já que o estabelecimento de cotas de cadeiras resultaria, necessariamente, na perda de vagas para atuais detentores de mandato.

Apesar de ter crescido em relação à eleição anterior, o número de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados em 2018 representou apenas 15% do total das 513 cadeiras.

A bancada feminina, até então composta por 53 parlamentares, foi para 77 integrantes. Antes, o percentual era de 10%.

Embora ainda distante da paridade num país em que mais de 51% da população é mulher, o percentual foi o maior já alcançado por mulheres na Casa. Em 1998, apenas 29 candidatas foram eleitas, o equivalente a 6% das vagas.

O índice chegou a dois dígitos somente em 2014, quando foram eleitas 51 parlamentares.

Apesar do aumento, as campanhas de mulheres tiveram pouco sucesso pelo país. De 2.769 candidatas ao cargo de deputada federal em 2018, apenas 3% foram bem-sucedidas.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.