Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Sheik desiste de convênio de 'ONG de prateleira' com governo Bolsonaro

Confirmação do cancelamento ocorre após Folha revelar uso de organização para execução do projeto

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Brasília e Rio de Janeiro

O ex-atacante Emerson Sheik desistiu do convênio de R$ 2,7 milhões firmado entre a sua ONG e o Ministério da Cidadania para projetos esportivos.

A informação foi divulgada nesta terça-feira (5) pela pasta, após a Folha revelar o uso de uma "ONG de prateleira" para a assinatura do convênio. O ministério afirmou não haver ilegalidade na celebração das parcerias.

De acordo com a pasta, a iniciativa para o cancelamento do acordo partiu do instituto, que enviou ofício na última sexta-feira (1º). Sete dias antes, em 23 de março, Sheik havia sido procurado pela primeira vez pela reportagem para falar sobre o convênio.

Jair Bolsonaro, o secretário especial do Esporte, Marcelo Magalhães, e o ex-jogador Emerson Sheik - Divulgação/Ministério da Cidadania

"Por motivo de mudanças internas na entidade que impossibilitariam o cumprimento do objeto da proposta, o Instituto Emerson Sheik solicitou, por meio de ofício enviado no dia 1º/04, o encerramento do convênio No 914010/2021 com o Ministério da Cidadania", afirmou a pasta, em nota. ​

A desistência de Sheik foi tomada em consenso com o deputado Hélio Lopes (PL-RJ), responsável pela emenda parlamentar da bancada do Rio de Janeiro que destinou R$ 2,7 milhões ao projeto do ex-jogador.

De acordo com informações de pessoas próximas ao deputado, houve uma reunião com Sheik e ficou decidido não efetivar o convênio para evitar questionamentos futuros.

O dinheiro seria usado, segundo o projeto, para a instalação de três núcleos esportivos em escolas públicas de Mangaratiba (RJ) e Queimados (RJ).

A desistência foi informada pelo ministério após a reportagem da Folha mostrar como o ex-jogador assumiu uma "ONG de prateleira" para driblar a exigência de três anos de existência para firmar convênios com a União.

A ONG que agora leva o nome do Sheik estava inativa até poucos meses antes de o ex-jogador apresentar ao governo federal seu projeto para a instalação dos núcleos esportivos.

Além de Sheik, o lateral direito Daniel Alves também recorreu à mesma manobra para obter R$ 3,7 milhões em convênio com a Secretaria Especial do Esporte. A verba também não foi liberada ainda.

O uso das ONGs de prateleiras levou o PT a protocolar representações junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) e ao Ministério Público Federal para que tomem providências administrativas para apurar os fatos relatados e adotem ações cabíveis.

O partido pede também que os órgãos adotem medidas cautelares pertinentes para evitar a transferência de recursos para entidades que não cumprem as exigências da lei. Além disso, requer a abertura de procedimentos civis e administrativos para eventual responsabilização de envolvidos, em especial caso se comprove improbidade administrativa.

Líder do PT na Câmara, o deputado Reginaldo Lopes (MG) cobrou transparência nos repasses às ONGs. Já o líder da minoria do Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), afirma que o novo caso de indícios de favorecimento para aliados na sociedade atinge uma área que o governo Bolsonaro teria fragilizado.

"Em menos de um mês, surgem novos indícios de corrupção do governo Bolsonaro em áreas que ele tanto fragilizou: Educação, Cultura e Esporte. As denúncias envolvendo os 'amigos jogadores' da família Bolsonaro são preocupantes e precisam ser investigadas pelo TCU e pelo Congresso Nacional", afirma o senador.

"Bolsonaro mostra, mais uma vez, suas caras: uma que chama as ONGs de 'câncer' e outra que abre os cofres públicos para ONGs de ‘fachadas’ dirigidas por amigos e apoiadores em ano eleitoral", completa.

O deputado Felipe Carreras (PSB-PE) disse que não queria prejulgar ninguém, mas disse ser importante os órgãos de controle e fiscalização acompanharem a execução dos projetos. "Recurso para o esporte sempre foi escasso em nosso país. A fiscalização tem que ser rigorosa", afirmou.

Membros do Ministério Público e parlamentares ouvidos pela Folha afirmam que "ONGs de prateleiras" têm sido usadas para escapar da regra que estabelece a necessidade de as entidades da sociedade civil existirem há pelo menos três anos para firmar acordos com o governo federal.

Sheik assumiu o instituto de seu nome meses antes de apresentar proposta de convênio ao governo. Antes disso, o CNPJ era utilizado pelo Instituto Qualivida, fundado há 26 anos, mas que nunca realizou projetos sociais voltados aos esportes.

Logo em seguida, o ex-jogador alterou o estatuto, os membros e o nome da entidade. Para comprovar a capacidade técnica necessária para a execução dos projetos ao ministério, Sheik listou feitos da carreira como jogador e imagens suas durante partidas de futebol.

O Instituto Emerson Sheik, novo nome da ONG, apresentou em julho do ano passado seu primeiro projeto ao governo federal. Em dezembro, foi assinado o convênio.

A Folha foi até o endereço apresentado ao governo por Sheik como sede da ONG, numa conta de luz da empresa Ceni Compra e Venda e Locação de Imóveis Próprios Ltda, de propriedade do ex-jogador. A sala indicada, porém, está vazia.

O Instituto Emerson Sheik buscou comprovar experiência técnica na área do projeto —outra exigência da lei— listando partidas organizadas pelo ex-jogador com arrecadação de alimentos para doações e descrevendo suas conquistas como atleta.

"Emerson Sheik nunca esqueceu as dificuldades enfrentadas no decorrer da vida e seu desejo de ajudar o próximo esteve sempre presente em seu caminho", afirma o documento.

Sheik aparece com frequência em fotos ao lado de bolsonaristas, como o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), com quem conversou sobre projetos sociais para Mangaratiba em seu gabinete em Brasília em 2020.

Ele também apoiou a campanha da ex-mulher do presidente e mãe de seus três filhos mais velhos, Rogéria Bolsonaro, para vereadora do Rio em 2020. É próximo do deputado estadual bolsonarista Anderson Moraes (PL-RJ), que emprega Rogéria em seu gabinete.

Além disso, o ex-jogador transita pela Secretaria Nacional de Esportes, órgão com quem celebrou o convênio. No ano passado, ele foi convidado pelo secretário Marcelo Magalhães para ser embaixador dos Jogos Escolares Brasileiros (JEB’s).

Sheik passou a última festa de virada de ano junto com o secretário-adjunto da pasta, André Barbosa Alves, no resort Portobello, em Mangaratiba, onde o ex-jogador tem uma casa.

Na mesma imagem, aparece o atual presidente da ONG de Sheik, Marcos Vinicius Antunes, amigos e parentes do atleta que também integram a instituição.

Festa de Réveillon 2021/2022; do lado esquerdo para o direito, o primeiro é André Alves, secretário do governo Bolsonaro, com Emerson Sheik ao seu lado - Instagram

O Ministério da Cidadania afirmou não haver ilegalidade na celebração das parcerias.

"As duas entidades apresentaram atestado de capacidade técnica e possuem histórico de projetos realizados na área do esporte", disse a pasta, em nota.

Daniel Alves afirmou que assumiu o Instituto Liderança para ampliar a capacidade de absorção de crianças em seus projetos.

Disse ainda que conseguiu um convênio com valor expressivo em razão da "dimensão dos projetos apresentados e pela seriedade dos trabalhos por mim desenvolvidos".

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