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Bolsonarista vira réu por morte de petista, e Justiça intima atirador

José Guaranho invadiu festa de aniversário de Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu (PR)

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Leonardo Martins Herculano Barreto Filho
São Paulo | UOL

A Justiça do Paraná aceitou nesta quarta-feira (20) a denúncia do Ministério Público do Paraná e tornou réu o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho, acusado de homicídio duplamente qualificado (motivo fútil e perigo comum).

Jorge assassinou o guarda municipal Marcelo de Arruda na noite de 9 de julho, enquanto o petista comemorava o seu aniversário de 50 anos com uma festa temática do PT em Foz do Iguaçu.

No despacho, o juiz Gustavo Germano Francisco Arguello intima o atirador, caso esteja apto, a se defender da acusação por escrito em dez dias podendo juntar depoimentos de, no máximo, oito testemunhas.

Jorge teve alta da UTI na terça (19) e está consciente, mas continua internado no hospital. Ele foi intimado nesta quinta (21) pela Justiça.

O MP denunciou Jorge e viu como motivação fútil a "preferência político-partidárias antagônicas" dos envolvidos. O órgão —que frisou se basear em questões técnicas— disse entender que a conduta de Jorge não feriu o Estado democrático de Direito, mas atentou contra a vida de Marcelo.

Um policial branco, barba e cabelos castanhos, segurando uma arma diante do corpo, com uma farda preta com uma caveira e óculos escuros com reflexos verdes
Jorge José da Rocha Guaranho, apoiador do presidente Jair Bolsonaro, réu por matar o guarda municipal e tesoureiro do PT Marcelo Aloizio de Arruda - @jorgeguaranho no Twitter

Na denúncia, o Ministério Público afirma que Jorge, antes de disparar dois tiros contra Marcelo, disse que "petista vai morrer tudo".

Ainda que reconheça o teor político da desavença, os promotores afirmaram que a Constituição não define o que é crime político. Para o órgão, o acusado atentou contra a vida de Marcelo, e não contra o Estado.

"Embora a gente reconheça a motivação política dele [Jorge], em razão dessa divergência no campo político-partidário —isso é evidente, está mais do que claro—, nós não temos de outro lado a lesão ao bem jurídico específico que é o Estado como ente político [...] A conduta do Guaranho atinge outro bem jurídico que é a vida, e não o Estado como um ente político", disse o promotor Tiago Lisboa Mendonça.

Em nota, a Polícia Civil do Paraná disse que o MP ofereceu a denúncia "praticamente nos mesmos termos, somente alterando uma das qualificadoras para motivo fútil, que é um motivo insignificante, banal. A pena aplicável é a mesma podendo chegar a 30 anos", disse o órgão.

"As delegadas e os promotores também concordam que toda a confusão se iniciou claramente em decorrência de divergências políticas. A PCPR reafirma a excelência na condução e conclusão do inquérito policial", concluiu a polícia.

Divergências com a polícia

Na semana passada, a polícia havia indiciado o policial penal por homicídio qualificado por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas. O promotor explicou a divergência da denúncia em relação ao indiciamento da polícia.

"Nosso entendimento que o crime abjeto, repugnante, da torpeza, ele tem de certa forma essa conotação de alguma vantagem no campo econômico. Já o motivo fútil é aquele motivo flagrantemente desproporcional", afirmou Mendonça.

Diferentemente da polícia, o MP afirmou que, quando Jorge retornou à festa e atirou em Marcelo, houve também motivação política. Os promotores citaram uma testemunha que relatou ter ouvido Jorge gritar "aqui é Bolsonaro" antes de matar o petista.

"Nós entendemos que esse retorno se deu em razão desse mesmo motivo fútil que integra toda a conduta. Nós não podemos desmembrar a conduta do agente como fútil ou torpe e no outro momento entender que essa motivação foi por um sentimento de humilhação", disse Mendonça.

Já a delegada Camila Cecconello afirmou, na semana passada, que "não há provas de que ele voltou para cometer crime político. É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista". Cecconello disse ainda ter se baseado no depoimento da própria esposa do atirador bolsonarista para apurar o que motivou o seu retorno ao local do crime. "Ele teria dito [à esposa]: 'isso não vai ficar assim, nós fomos humilhados. Eu vou retornar'".

O promotor pontuou que cinco laudos "complexos" do Instituto de Criminalística ainda não foram concluídos, mas que não são "imprescindíveis" para o MP emitir a denúncia neste momento. O prazo estabelecido para conclusão desses laudos é de dez dias.

  • laudo de exame de confronto balístico
  • laudo de exame de análise de gravador de vídeo
  • laudo de exame de extração de análise do aparelho celular do investigado
  • laudo de exame de veículo automotor
  • laudo de exame do local de morte

Apoiador de Jair Bolsonaro (PL), Jorge foi à entrada da festa para "provocar" os participantes com gritos de apoio ao presidente e críticas aos petistas, aponta a investigação. Em seguida, retornou ao local para atirar na vítima, que revidou aos disparos, como mostram imagens das câmeras de segurança.

Atingido pelos tiros, o policial penal teve alta na terça da UTI do Hospital Ministro Costa Cavalcanti. Preso preventivamente sob escolta policial, ele está consciente e se recupera na enfermaria da unidade, segundo fontes ligadas ao caso.

Procurada, a assessoria do hospital disse não ter autorização para passar informação sobre o estado de saúde de pacientes.

Laudos e depoimentos: o que falta para concluir investigação

Na terça, o juiz Gustavo Germano Francisco Arguello, da 3ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu, atendeu um pedido do MP e autorizou que seja colhido depoimento complementar de uma testemunha já ouvida na investigação para identificar outras duas pessoas que estavam próximas a Jorge no churrasco de confraternização em que ele ficou sabendo da festa em alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A Polícia Civil do Paraná aguarda pela conclusão de laudos complementares, como a análise do celular do atirador para apurar a eventual participação de terceiros, que possam ter incentivado a ação.

As imagens das câmeras de segurança que captaram o crime também estão sendo usadas para que seja feita uma leitura labial dos envolvidos na cena. "Abaixa a arma que aqui só tem família", teria dito Marcelo antes de ser baleado.

Os investigadores ainda aguardam pelo resultado da perícia de confronto balístico e exame complementar no veículo usado pelo atirador. A Justiça ordenou que a Polícia Civil solicite câmeras do entorno para monitorar o deslocamento de Jorge.

Críticas ao inquérito

As lacunas deixadas pela conclusão do inquérito apenas cinco dias após o crime desencadearam críticas, sobretudo dos representantes legais da família de Marcelo de Arruda após a delegada Camila Cecconello descartar crime de ódio com motivação política baseada no relato da esposa do atirador.

"Existe uma rede de disseminação de ódio e violência política no Brasil", disse o advogado Daniel Godoy em entrevista ao UOL News ao justificar o pedido à Justiça por uma apuração que considere as divergências políticas entre atirador e vítima.

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