Arthur Lira tem imbróglio com posseiros sobre terras não declaradas em PE

Juiz diz que deputado não conseguiu comprovar posse; Lira diz que seu patrimônio está 'dentro da normalidade'

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Quipapá (PE)

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), vive imbróglio com posseiros sobre a permanência deles em terras do interior de Pernambuco que o deputado reivindica como suas, mas que não declarou em suas listagens de bens entregues à Justiça Eleitoral antes da eleição de 2018.

A área, no município de Quipapá (a 180 km do Recife), pertencia a uma antiga usina de cana que faliu na década de 1990. As terras chegaram a ser invadidas por um grupo de sem-terra em 2017, motivando ação de reintegração de posse na Justiça pernambucana por iniciativa de Lira.

No último final de semana, a Folha mostrou documentos que apontam que ele deixou de declarar à Justiça Eleitoral em 2018 a aquisição dos direitos de outras duas fazendas no interior de Alagoas. Os registros mostram que o parlamentar desembolsou R$ 955 mil, em valores corrigidos, pelas duas propriedades.

Imagem feita com drone da fazenda Engenho Proteção, em Quitatá (PE), que pertence ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP)
Fazenda Engenho Proteção, em Quipapá (PE), usada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), para criação de gado - Danilo Verpa/Folhapress

Em Pernambuco, a mobilização dos sem-terra se extinguiu após eles serem expulsos da área por policiais militares, mediante ordem judicial, mas ainda hoje outras famílias estão em perímetro reivindicado pelo deputado.

Lira tem apresentado à Justiça, para comprovar sua vinculação à terra, compromisso de compra firmado em 2008 no valor de R$ 350 mil (R$ 793 mil em cifras corrigidas pela inflação). O contrato envolvia os direitos de herança e meação do antigo proprietário, que havia adquirido parte das terras da antiga usina.

A compra dos direitos à posse, porém, não foi declarada pelo deputado em suas relações de patrimônio encaminhadas em seu registro eleitoral ao se candidatar em eleições desde então.

Em quatro anos, o patrimônio declarado de Lira ao TSE mais do que dobrou, passando de R$ 1,7 milhão (ou R$ 2,2 milhões corrigidos pela inflação do período), em 2018, para R$ 5,965 milhões, em 2022.

Mas, como na eleição de 2022 a Justiça Eleitoral parou de divulgar dados detalhados dos patrimônios dos políticos, fica impossível qualquer verificação transparente dos bens dos candidatos. No caso de Lira, por exemplo, suas fazendas tornam-se invisíveis no site do TSE, caso estejam declaradas agora. ​

A fazenda de Pernambuco, chamada de Engenho Proteção, tem 182 hectares (1,82 milhão de m²) e é utilizada hoje por Lira para pecuária. É vizinha à fazenda batizada de Estrela, presente em declaração de bens do candidato entregue em 2020 pelo pai de Lira, Benedito de Lira, atualmente prefeito de Barra de São Miguel, no litoral alagoano.

À Justiça o deputado afirma criar no Engenho Proteção gado bovino puro de origem, utilizando "tecnologia genética e nutricional". Na época da invasão dos sem-terra, em 2017, barracas foram montadas na propriedade, e plantações de subsistência começaram a ser cultivadas.

Anteriormente, a área chegou a ser incluída em um planejamento de desapropriação para reforma agrária pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), mas o governo federal voltou atrás em 2016.

Após a ordem de saída dos sem-terra, em 2017, o procedimento de reintegração continuou tramitando na Justiça pernambucana.

Por meio de um advogado da antiga gestão da Prefeitura de Quipapá, um dos moradores da localidade, José Marcelo da Silva, pediu que a restituição de posse fosse revista e argumentou que Lira jamais teve direito de fato ao imóvel rural.

Marcelo, 56, vive hoje com a família em uma casa erguida sobre uma construção de alvenaria remanescente da antiga usina de cana.

Ele acusa funcionários da fazenda de terem agido com violência, com agressões e disparos contra a sua casa, à época da invasão. "Destruíram tudo, quebraram tudo dentro da casa", diz ele. Mesmo assim, voltou à moradia, onde cria galinhas. Analfabeto, sustenta-se com bicos e auxílio de programas sociais.

A defesa de Lira respondeu à Justiça afirmando que Marcelo ocupa, na verdade, uma área vizinha, em terras pertencentes a uma antiga linha férrea da União. Também questionou a ficha criminal do posseiro, citando inclusive acusações anteriores de homicídio.

No fim de 2020, a Vara de Quipapá expediu decisão afirmando que os documentos apresentados por Lira não eram suficientes para comprovar a posse e encerrou a tramitação. Não houve recurso. Mas, na prática, as terras seguem sob mando do parlamentar.

O Engenho Proteção também não constou em sua declaração de Imposto de Renda de 2015, que é pública por ter sido anexada em inquérito judicial.

Homem, mulher e crianças dentro de casa muito antiga, com roupas penduradas na varanda
José Marcelo Silva, 56, e sua família, na casa em que moram na área rural de Quipapá - Danilo Verpa/Folhapress

Um outro imbróglio do líder da Câmara ligado à mesma fazenda envolve a família de um ex-funcionário da usina de cana que morreu em 2005.

Um filho dele entrou na Justiça pedindo usucapião (direito sobre a propriedade devido à permanência prolongada) de uma área de cinco hectares do Engenho Proteção, que diz ocupar há décadas.

Lira novamente apresentou como prova o compromisso de compra e venda de 2008. Disse que o pedido não cumpria requisitos de tempo de permanência nem de "justeza da posse".

Neta do ex-funcionário da usina de cana, a agricultora Rita de Cássia Silva, 43, que também mora nas terras, relatou à Folha episódios de intimidação para que deixe a área. Afirmou, por exemplo, ter sido alvo de pressão até da prefeitura para tirar seu gado das terras com frases como: "Sabe quem é Arthur Lira?".

Também afirma que funcionários da fazenda confiscaram seus bezerros e que precisou ir à delegacia para reavê-los. "Disseram que só os devolveriam se eu prometesse não os colocar mais. Falaram que é invasor."

O processo de usucapião foi protocolado na Justiça pernambucana no ano passado e ainda não teve decisão. Lira é agropecuarista e tem histórico de atuação junto à bancada ruralista no Congresso.

Investigação da Polícia Federal sobre o patrimônio de Lira feita no âmbito da Operação Taturana, deflagrada em 2007, afirmou naquela época que o deputado lavou dinheiro desviado da Assembleia de Alagoas comprando terras e gado.

Patrimônio está dentro da normalidade, diz Lira

A reportagem enviou perguntas sobre as disputas envolvendo a fazenda em Pernambuco para o presidente da Câmara e o questionou sobre os relatos de violência e a respeito do fato de nunca ter declarado a compra à Justiça Eleitoral.

O deputado, por meio de sua assessoria, respondeu genericamente que adquiriu todo o seu patrimônio "dentro da normalidade, com recursos provenientes de quase 40 anos de trabalho e investimentos corretos".

Também afirmou que em todo ano eleitoral surgem "acusações sem nexo, fatos já julgados em que se comprovou não haver irregularidades e notícias requentadas".

A Folha foi até a sede da fazenda, e a equipe local afirmou que só poderia falar com autorização dos patrões. À Justiça pernambucana, sobre o caso de usucapião, os advogados do parlamentar afirmaram que se, houver posse por parte da família do ex-funcionário da usina de cana, "ela é clandestina".

Disseram também que Lira exerce a agropecuária "em toda a extensão da fazenda componente do Engenho Proteção" e anexaram relatórios sobre seu rebanho para justificar a afirmação.

Citaram ainda o cultivo sazonal de milho na propriedade para a alimentação dos animais e pediram a produção de prova testemunhal e uma inspeção judicial nas terras.

No caso envolvendo a reintegração de posse, a defesa disse à Justiça que ele tem posse legítima que "decorre de negócio jurídico de compra e venda" de 2008. Também citou que o Código Civil considera possuidor quem "tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade".

Na época da invasão pelos sem-terra, a defesa de Lira disse que o Incra desistiu de desapropriar a área porque o imóvel acabou retirado da categoria "grande propriedade" e porque havia um lixão nas proximidades que inviabilizaria a criação de um assentamento rural.

Erramos: o texto foi alterado

A área de 182 hectares corresponde a 1,82 milhão de m², não 182 mil m². O texto foi corrigido.

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