Gasto e eficiência desafiam próximo presidente a tirar saúde do topo das queixas

Sistema do país patina na vacinação contra a Covid e recebe alertas devido à queda acentuada das taxas de imunização infantil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

No topo da lista de preocupações dos brasileiros, segundo o Datafolha, a área da saúde viu seus desafios aumentarem com a pandemia de Covid, em um cenário de estagnação de financiamento público federal.

Cronicamente sobrecarregado e diante de queda orçamentária, o SUS (Sistema Único de Saúde) tem lidado com a demanda reprimida durante a crise sanitária. Houve diminuição de mais de 900 milhões de procedimentos, de acordo com a Fiocruz, que comparou os anos de 2020 e 2021 ao período pré-pandemia.

Há também uma carga maior de pacientes com doenças crônicas descompensadas, como diabetes ou hipertensão, outros sofrendo com os efeitos da Covid longa e o agravamento da saúde mental. No último mês, o aumento de casos da varíola dos macacos acrescentou novos desafios à rede pública de saúde.

Pacientes nos corredores do Hospital de Urgencias de Sergipe, em Aracaju
Pacientes nos corredores do Hospital de Urgencias de Sergipe, em Aracaju - Adriano Vizoni - 23.mar.17/Folhapress

O país vive ainda um "apagão" de remédios, como antibióticos e analgésicos, devido à dependência de matéria-prima importada —o Brasil compra do exterior 95% de todo o IFA (Insumo Farmacêutico Ativo).

O sistema de saúde do país também patina na vacinação contra a Covid e vem sendo alertado para o possível surgimento de novas epidemias em razão da queda acentuada das taxas de imunização infantil.

Para lidar com essa tempestade, o novo presidente terá de ampliar e qualificar os investimentos em saúde nos próximos anos. O Brasil é um dos que menos investe recursos públicos na área, apesar de 150 milhões de pessoas no país dependerem exclusivamente da saúde pública.


Quais os principais desafios da saúde pública brasileira? Uma análise do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), batizada de Agenda Mais SUS, aponta seis desafios para melhorar a saúde pública.

O primeiro é o baixo nível do gasto público na área. O país precisa saltar de 3,8% do PIB para 5% até 2026 e 6% até 2030.

O segundo é o fortalecimento da atenção primária, com a expansão do programa Estratégia de Saúde da Família, e o terceiro é o enfrentamento das desigualdades na área de saúde entre as diferentes regiões do país. Para tal, aprimorar a digitalização dos processos é fundamental.

O quarto desafio se refere aos recursos humanos no SUS. Há propostas de valorização dos profissionais e de ações que promovam a interiorização de agentes do setor de forma sustentável, além da ampliação da atuação da enfermagem no SUS.

O quinto desafio é atender à demanda atual e futura por serviços de saúde mental, área que piorou muito com a pandemia e que requer mais investimentos e melhorias. O sexto é a necessidade de fortalecer o SUS para o combate de novas emergências de saúde pública.

O que fazer para reduzir as filas de atendimento especializado e de cirurgias do SUS? Atenção primária fortalecida, acesso a exames básicos e apoio da telemedicina podem diminuir a fila de espera por especialistas, como vem mostrando algumas iniciativas pelo país. É preciso, ainda, ampliar a cobertura do programa Estratégia Saúde da Família, hoje em 66%, para 100%.

Esse modelo é apontado como o melhor segundo os resultados de diversos indicadores de saúde, como redução da mortalidade entre menores de cinco anos, melhor controle de pacientes crônicos e menor número de internações desnecessárias.

Em relação às consultas especializadas, procedimentos e cirurgias, um dos caminhos é a implantação das redes de atenção em todas as macrorregiões, garantindo o acesso desde a atenção primária e de média complexidade ambulatorial até hospitais. Mas para tal será preciso ampliar o financiamento federal.

Qual é o gasto atual com saúde pública no Brasil? Os gastos da União em saúde estão praticamente estagnados desde 2012, quando atingiu o valor histórico, de R$ 138,8 bilhões. De lá para cá, excetuando os recursos emergenciais de 2020 e 2021, devido à pandemia de Covid, os valores médios investidos em saúde foram na ordem de R$ 127,1 bilhões por ano.

Embora as despesas totais representem 9,6% do PIB, os gastos do governo respondem por apenas 3,8%. A média do gasto público dos países da OCDE (Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico), o clube dos países ricos, é de 6,5%.

O que pode ser feito para melhorar o financiamento da saúde pública em um cenário de restrição orçamentária? Eliminação ou redução expressiva da renúncia fiscal na área de saúde, decorrentes, por exemplo, dos gastos com planos de saúde no Imposto de Renda e das concessões fiscais às entidades privadas sem fins lucrativos e à indústria químico-farmacêutica.

Em 2018, essa renúncia foi de R$ 57,7 bilhões. Em 2021, estima-se que tenha alcançado 43% do orçamento federal da saúde, valor 2,5 vezes maior que aquele destinado à atenção primária à saúde.

Outra proposta é ampliar a tributação de setores que possuem um importante custo sobre a saúde das pessoas, como os das bebidas açucaradas, dos alimentos ultraprocessados, do álcool e do tabaco.

Uma melhor gestão dos recursos no SUS não seria outra forma de melhorar o financiamento? Segundo o Banco Mundial, 30% da verba da União para o SUS é mal usada. As ineficiências somaram R$ 35,8 bilhões apenas em 2017. Mas resolver esse problema não elimina o do subfinanciamento público.

Uma importante fatia do orçamento público da União para a saúde vem das emendas parlamentares. Essa prática é adequada? Não. Elas não conversam com as necessidades de saúde da União, de estados e de municípios, que devem ser diagnosticadas por meio de dados científicos e indicadores de saúde.

Em geral, esses recursos são destinados para atender, principalmente, interesses eleitoreiros dos parlamentares. Em 2020, eles somaram R$ 3,4 bilhões; em 2021, R$ 7,6 bilhões, e, em 2022, R$ 8,1 bilhões.

O Brasil viu piorar o cenário das doenças crônicas na pandemia, e o manejo dessas condições está longe do ideal. Qual a saída? De novo, o fortalecimento da atenção primária. Apenas 20% das cidades brasileiras conseguiram alcançar a meta de solicitação de hemoglobina glicada, exame fundamental para manter o controle dos diabéticos, e somente 2% atingiram o objetivo de aferir a pressão arterial em hipertensos.

Uma das propostas é a adoção de ferramentas digitais que permitam às equipes ter acesso aos dados sanitários da população em todos os níveis do sistema, o que não ocorre hoje.

A equipe de saúde da família precisa, por exemplo, saber se um diabético teve uma descompensação e foi ao pronto-socorro. Munido dessas informações, pode criar estratégias para evitar que o paciente tenha novas complicações.

Por que o Brasil tem vivido um "apagão" de remédios em farmácias e hospitais? A principal causa é a dependência de matéria-prima importada para a produção de medicamentos —cerca de 95% dos insumos vêm da China e da Índia.

A alta do dólar e do barril de petróleo, além do aumento da demanda de medicamentos como antibióticos, analgésicos e antialérgicos, provocada pela alta circulação da variante ômicron e de outros vírus respiratórios, também contribuem para o desabastecimento.

Qual a situação da vacinação no Brasil contra a Covid e outras doenças? O país enfrenta estagnação da vacinação contra a Covid e queda na cobertura da imunização infantil. No geral, a taxa média de cobertura das vacinas que constam no Plano Nacional de Imunizações está em 68%. A cobertura da pólio, por exemplo, ficou em quase 70% frente a uma meta de 95%.

O país tem agora uma geração suscetível a doenças contagiosas, algumas das quais já eliminadas, como o sarampo. Além de amplas campanhas de vacinação, reduzidas nos últimos anos, é necessária uma atuação mais proativa dos governos regionais.

Estudos mostram que os profissionais de saúde de todos os níveis estão exaustos, desmotivados e mal pagos. O que fazer? Há uma unanimidade no setor de que é preciso uma nova política de recursos humanos no SUS. Hoje há grandes desigualdades regionais, com precarização do trabalho e cada município decidindo à sua maneira a contratação e a gestão de pessoal.

Entre as propostas está a criação de um plano de carreira interprofissional para o SUS. Outros projetos defendem que o Ministério da Saúde, em conjunto com estados e municípios, estruture sistemas de informações sobre recursos humanos de acordo com as necessidades nacionais e atue para regular a qualidade da formação dos profissionais por meio de sistemas de avaliação e de credenciamento de faculdades e instituições formadoras.

Vários países contam com maior atuação da enfermagem no âmbito clínico. No Brasil, há resistência. Como avançar? A ampliação do escopo de práticas na enfermagem é uma estratégia apontada pela literatura como indutora da efetividade dos sistemas de saúde, reduzindo custos e sem prejuízo aos resultados de saúde. Embora muitos protocolos clínicos já estejam regulamentados no SUS, o país precisa avançar, garantindo a autorização legal e a qualificação técnica e educacional.

Erramos: o texto foi alterado

Infográfico indicou incorretamente os valores destinados às áreas de desenvolvimento científico e vigilância sanitária na ordem de bilhões de reais. As cifras, na verdade, são de R$ 838,5 milhões e R$ 285,22 milhões, respectivamente. Infográfico também inverteu a posição dos índices referentes à porcentagem do PIB gasto pelo governo e pelas famílias.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.