7 de Setembro é instrumentalizado como 'datapovo' em grupos bolsonaristas

Observador Folha/Quaest detectou que mensagens buscaram explorar manifestação para contrapor pesquisas

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São Paulo

Os bolsonaristas instrumentalizaram o 7 de Setembro como "datapovo" nos grupos de conversa de WhatsApp e Telegram durante a data, que foi marcada por discursos do presidente Jair Bolsonaro (PL) na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e em Copacabana, no Rio. Além disso, focaram em críticas ao líder nas pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Registros das manifestações e a reprodução da fala de que a estimativa de público em Brasília teria sido de 1 milhão foram largamente usados para contrapor as pesquisas de intenção de voto ou para reafirmar que Bolsonaro será "reeleito no primeiro turno".

O presidente tem 32% das intenções de voto, atrás de Lula, com 47%, de acordo com a última pesquisa Datafolha, publicada no dia 1º. Não há número oficial do ato em Brasília, mas diferentes sites de direita e mensagens passaram a atribuir o dado como se fosse do Palácio do Planalto.

A expectativa de que esse seria o público em Brasília (o que equivaleria a um terço de toda a população local) foi divulgada pela militância desde o dia anterior.

Em São Paulo, o governo estadual apontou para cerca de 50 mil presentes na avenida Paulista —menos da metade da quantidade calculada no ato de 2021.

Manifestantes pró-Bolsonaro na Avenida Paulista - Bruno Santos/Folhapress

Em suas redes sociais, o senador Flávio Bolsonaro (PL) publicou uma imagem diante do público na Esplanada dos Ministérios e escreveu: "O maior democrático da história do Brasil já começa a ser questionado pelos ‘defensores da democracia’! kkkkk". Mais cedo ele tinha postado em suas redes uma outra foto com a pergunta: "1 milhão de pessoas?"

Os manifestantes bolsonaristas ocuparam menos de 1/10 do espaço da Esplanada no 7 de Setembro, como mostram imagens aéreas.

Se o protesto seguisse pela Esplanada dos Ministérios inteira, no máximo 2,3 milhões de pessoas estariam lá —isso levando-se em conta a possibilidade de aglomeração máxima —mesmo assim improvável— em áreas abertas que é de sete pessoas por metro quadrado, segundo número usado pelo Datafolha.

Veja os públicos no 7 de Setembro de 2022 e de 2021 em Brasília

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Imagens, de 2022 e 2021, mostram tamanho da audiência dos atos em apoio a Bolsonaro no 07/09 - Divulgação/2022 e Pedro Ladeira - 7.set.21/Folhapress

Dados do Observador Folha/Quaest, que analisou 687 grupos bolsonaristas, mostram que os conteúdos mais disseminados na data foram fotos dos atos, da multidão, selfies e de políticos, e a ideia de que 1 milhão ocupou Brasília.

Também houve registros de ataques a Lula e dezenas de compartilhamentos da convocação de Bolsonaro. Em julho, ele pediu que a população fosse às ruas "pela última vez".

As mensagens de teor crítico a Lula que mais circularam buscaram relacionar o petista a Daniel Ortega e à perseguição de cristãos na Nicarágua. Uma outra dizia "acorda crente" e relatava que Lula participou de ritual umbandista. Em um outro caso, Lula é chamado de ladrão e bêbado.

Foram considerados 176 grupos de Telegram, sendo que todos eles tiveram mensagens, e 511 de WhatsApp (dos quais 396 tiveram mensagens) pelo período de 24 horas entre 6 e 7 de setembro.

Segundo análise da Quaest no Twitter, Instagram e Facebook, a repercussão da data teve 53% de menções de posicionamento crítico aos atos e também a Bolsonaro. Destacaram-se as menções a falas machistas de Bolsonaro em Brasília.

E, de modo similar ao que foi identificado nos grupos de Telegram e WhatsApp, entre as menções de apoio às manifestações, "reeleição" foi o assunto principal. Na sequência ficaram críticas ao STF.

"Brasília tem mais de 1 MILHÃO de pessoas! Isto é o povo clamando por liberdade e apoiando Bolsonaro" é o exemplo de mensagem compartilhada.

Ao longo da tarde, transmissões da Folha Política, canal bolsonarista, e de Gustavo Gayer, youtuber e candidato a deputado federal pelo PL, foram divulgadas nos grupos junto às convocatórias e às chamadas para a cobertura ao vivo.

"De acordo com Datafolha, aqui está vazio. Depois tem que perguntar para a Anitta e o Felipe Neto", ironizou Gayer. "Tem em torno de 50 mil pessoas, e isso não foi divulgado", afirmou no vídeo, com mais de 140 mil visualizações.

Outra mensagem mais frequente dizia: "o presidente Bolsonaro vai ganhar no 1º turno" e adicionava inclusive que ele teria "aproximadamente 78 milhões de votos". "Os brasileiros não aceitam a volta do criminoso na cena do crime", concluía.

O comportamento reverberou, de certa forma, a estratégia de Bolsonaro de imprimir menos violência nos discursos em comparação a 2021, apelando para a religião, a guerra contra a esquerda e a corrupção e diminuindo o tom dos ataques ao Judiciário e ao sistema eleitoral.

Mensagens de cunho golpista, entretanto, não deixaram de aparecer nos grupos pró-governo. Um dos conteúdos mais compartilhados do Telegram incentivava os apoiadores do presidente a irem às ruas e pedir para que ele acionasse "as forças armadas para atender o pedido do povo".

Em suas declarações, Bolsonaro manteve ameaças veladas ao dizer que vai levar "para dentro das quatro linhas [da Constituição] todos aqueles que ousam ficar fora delas". Ele costuma usar a expressão para criticar ministros do Supremo.

Nos grupos, a base fiel copiou a estratégia e parte das mensagens pediam para jogar nas quatro linhas da Constituição.

"Temos que ser frios e estratégicos como nossos militares" é um exemplo de texto, que trazia a narrativa de que o mandatário não poderia acionar o Exército neste momento, a 30 dias da eleição (ele tampouco poderia em outra data).

"Prestem atenção no nosso presidente, em meio a tudo isso, está calmo e quieto. A onça tem que ser sábia e silenciosa para não perder a presa. Vamos vencer tudo, com calma e sabedoria", diz outra mensagem, que circulou tanto no WhatsApp quanto no Telegram.

Em seu perfil oficial no Facebook, Bolsonaro postou "Mais de 1 milhão de brasileiros nas comemorações dos 200 anos da Independência".

Durante o ato em Brasília, Mauro Cid, que é ajudante de ordens do presidente, interrompeu o locutor Cuiabano Lima no trio elétrico para informá-lo da suposta presença de 1 milhão de pessoas no local.

"Aqui, hoje, na Esplanada, mais de 100 mil pessoas, é o povo brasileiro que clama por liberdade", dizia o locutor, até ser interrompido por Cid. "Aqui na minha frente, 100 mil, em toda a Esplanada, chegaram os dados, 1 milhão de pessoas, 1 milhão de brasileiros", afirmou Lima.

"É…vamos nos render: os institutos estão certos! A fotografia da derrota. Vazio total. A foto é fake news! O presidente não tem apoio do povo…SÓ QUE NÃO!!!! Bolsonaro presidente pelo bem do Brasil e com a força do povo!", afirmou o ministro da Casa Civil Ciro Nogueira (PP) em seu perfil no Twitter.

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