Entidades ligadas ao jornalismo criticaram uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que determinou ao jornal O Estado de S. Paulo a retirada do ar de uma reportagem sobre o uso de dinheiro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) por um clube de tiro.
No texto, o jornal paulista revelou um empréstimo feito pelo banco a uma empresa que atualmente comercializa armas e munições.
Em nota, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) afirmou que "protesta com veemência contra a decisão".
A entidade disse que considera a determinação "um desrespeito à Constituição, que não admite censura à imprensa, e espera que a decisão seja revista o quanto antes, de modo que os leitores tenham restabelecido o seu direito à informação".
Em decisão de 25 de agosto, o desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana revisou decisão em primeira instância que negava a exclusão da reportagem e determinou que o texto fosse retirado do ar.
A reportagem não está mais no site do jornal. Em seu lugar aparece a informação "conteúdo retirado do Estadão por decisão judicial". O jornal já recorreu.
"A decisão do desembargador afronta a liberdade de expressão e retira do ar monocraticamente a reportagem, sem ouvir o tribunal gaúcho", critica Afrânio Afonso Ferreira, advogado do jornal O Estado de S. Paulo.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirmou que vê com muita preocupação o caso.
"É importante que se diga que qualquer pessoa pode recorrer ao Judiciário. Mas quando existe um conteúdo que é verdadeiro, que houve um trabalho de apuração, que tem documentos, interesse público, essas investidas [contra as reportagens] que encontram guarida no Judiciário prejudicam o acesso da população a dados importantes", afirma Katia Brembatti, presidente da entidade.
Segundo ela, a entidade percebe um aumento do assédio judicial, por meio de um número grande de ações contra jornalistas e veículos ou de uma única ação que busca ter um caráter intimidador com base no poder financeiro.
"É preciso que o Judiciário consiga discernir o que é direito de acesso à Justiça e o que é uma medida intimidatória", diz Brembatti.
De acordo com a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, o Clube de Tiro Keller, localizado no Rio Grande do Sul, foi contemplado com um empréstimo de R$ 130 mil. O financiamento foi celebrado em junho do ano passado, por meio da agência de fomento Badesul, ligada ao BNDES.
No mês passado, o clube de tiro listou o item "comércio varejista de armas e munições" em seu Cadastro Nacional de Atividade Econômica (CNAE). A utilização de recursos públicos para o financiamento de comércio de armas de fogo, porém, é vedada pelo regulamento do BNDES.
Em nota na época, o BNDES negou que tenha financiado a compra de armas para a escola de tiro e afirmou que a empresa recebeu o empréstimo quando ainda estava classificada exclusivamente como "atividade de ensino de esportes".
Também na ocasião, a Folha procurou o clube de tiro e não obteve resposta.
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