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Intervenção no Judiciário é ação típica de autoritários; veja exemplos pelo mundo

Líderes da Venezuela à Polônia e Hungria agiram para limitar poder de cortes supremas

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São Paulo

Na sexta (7), Jair Bolsonaro (PL) disse ter recebido propostas para aumentar o número de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). A medida, que daria ao presidente, caso reeleito, o poder de indicar mais nomes à corte, alterando de forma profunda sua composição, será avaliada após as eleições, afirmou.

No mesmo dia, o vice-presidente e senador eleito, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), defendeu que o Congresso discuta o tema, pois o Judiciário estaria hoje "rasgando aquilo que é o processo legal".

Antes mesmo da eleição do atual chefe do Executivo, apoiadores sugeriam ameaças do tipo contra o tribunal. Em julho de 2018, por exemplo, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, afirmou em uma palestra que seria necessário mandar apenas "um soldado e um cabo" para fechar o STF.

No final de 2019, a deputada federal Joice Hasselmann (PSDB), então apoiadora de Bolsonaro, sugeriu a derrubada de uma emenda à Constituição que elevou a idade de aposentadoria obrigatória do Judiciário. "Numa lapada, a gente já tira dois, três", afirmou ela, em entrevista ao Roda Viva.

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta o premiê da Hungria, Viktor Orbán, após entrevista coletiva em Budapeste
O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta o premiê da Hungria, Viktor Orbán, após entrevista coletiva em Budapeste - Attila Kisbenedek - 17.fev.22/AFP

Mudar a configuração de cortes supremas é uma estratégia comum de líderes autoritários de diferentes espectros ideológicos, já que pode neutralizar o papel de contrapeso exercido pelo Judiciário em relação aos outros Poderes. O ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez costuma ser o exemplo mais lembrado.

Além da ampliação do Tribunal Supremo de Justiça, outras medidas posteriores permitiram a perpetuação de Chávez e de seu sucessor, Nicolás Maduro, no poder. "Governos autoritários modernos são mais sofisticados. Não é viável aumentar o número de juízes de um dia para o outro. Temos de entender isso como um processo", diz Maryhen Jiménez, doutora em ciência política pela Universidade Oxford.

Normalmente, a ascensão de líderes autoritários ocorre em meio a crises de insatisfação da população —em relação a partidos políticos, à economia, à corrupção e ao sistema judicial, por exemplo. Foi o que ocorreu no país caribenho, que se radicalizou, segundo a pesquisadora, até um ponto de não retorno.

Veja outros casos de líderes que recorreram a essa estratégia.

El Salvador

Em maio de 2021, a Assembleia Legislativa de El Salvador destituiu os cinco magistrados da Sala Constitucional, órgão que analisa se projetos de lei e decretos obedecem à Constituição do país, sob o argumento de que eles interferiam em decisões do Executivo.

Essa foi a primeira ação da Assembleia da nação centro-americana após as eleições legislativas de 2021. No pleito, candidatos do recém-criado partido do presidente Nayib Bukele, eleito em 2019, conseguiram a maioria das cadeiras do Legislativo. Na época, o feito foi celebrado por Eduardo Bolsonaro.

A Assembleia também substituiu o procurador-geral da República do país, responsável por investigar o presidente. Em ambos os casos, todos os postos foram trocados por figuras simpáticas a Bukele.

No ano passado, a Sala Constitucional aprovou a reeleição do presidente, contrariando o que diz a Constituição local. Em setembro, Bukele anunciou que vai tentar a reeleição em 2024.

Venezuela

Em 2004, a Assembleia Nacional da Venezuela aprovou o aumento de 20 para 32 do número de membros do Tribunal Supremo de Justiça. Na sequência, o Legislativo, alinhado a Chávez, nomeou os novos juízes.

A mudança sucedeu um momento de crise. Após chegar ao poder, em 1998, Chávez convocou uma assembleia para criar uma Constituição que substituiria a de 1961. A nova Carta, aprovada em referendo popular, ampliou o tempo de mandato presidencial e permitiu a reeleição. Ele foi reeleito em 2000.

Dois anos depois, um golpe de Estado tirou Chávez do poder, suspendeu a Constituição e nomeou o empresário Pedro Carmona presidente. A tentativa de ruptura durou dois dias e acabou fortalecendo o chavismo nos anos seguintes. Após o golpe malsucedido, o Tribunal Supremo de Justiça definiu o episódio como um "vazio constitucional de poder" e foi alvo de ataques do presidente.

A partir de então, o tribunal passou a sofrer mais influência política.

Polônia

Em 2020, a Polônia implementou uma reforma que flexibilizou a demissão de juízes críticos ao governo por meio de uma câmara disciplinar e aumentou o poder de escolha do governo na Presidência da Suprema Corte. O país é governado pelo partido nacionalista-conservador Lei e Justiça desde 2015.

As ofensivas contra o Judiciário renderam retaliações da União Europeia (UE). Em outubro do ano passado, o Tribunal de Justiça do bloco condenou a Polônia a pagar 1 milhão de euros (R$ 5 milhões) por dia em que a ordem de suspender a câmara disciplinar de Justiça for descumprida. Até julho, a dívida com a UE já somava 237 milhões de euros (R$ 1,2 bilhão), mas a Polônia ignorou seu pagamento.

Hungria

Em 2011, o premiê da Hungria, Viktor Orbán, aumentou de 11 para 15 o número de membros da Corte Constitucional e indicou os quatro magistrados que deveriam ocupar as cadeiras. A medida ocorreu um ano após a volta do político à liderança do país —posto que havia ocupado de 1998 a 2002.

Não foi a única investida contra o Judiciário. A Constituição promulgada em 2012 substituiu mais de 250 juízes, incluindo membros de altas cortes, após diminuir de 70 para 62 a idade de aposentadoria do grupo.

A nova Carta também impôs uma guinada conservadora na nação que se estende até hoje. Em 2020, o país proibiu a adoção de crianças por casais homossexuais.

Em viagem à Hungria no início do ano, Bolsonaro chamou Orbán de irmão e celebrou os valores que dizem representar: "Deus, pátria, família e liberdade". Relatório obtido pela Folha mostrou que o chanceler do país, Péter Szijjártó, ofereceu ajuda para a reeleição do presidente brasileiro durante uma reunião com Cristiane Britto, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

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