Número de negros em Assembleias Legislativas aumenta; dados oficiais são contestados

Foram eleitos neste pleito 376 candidatos que afirmam ser pardos (315) ou pretos (61); número é superior aos 305 de 2018

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Rio de Janeiro e São Paulo

As Assembleias Legislativas do país terão o maior número de deputados que se autodeclaram negros desde que o dado começou a ser coletado pela Justiça Eleitoral.

Foram eleitos neste pleito 376 candidatos que afirmam ser pardos (315) ou pretos (61). O número é superior aos 305 da eleição passada e aos 281 de 2014, quando a declaração racial passou a ser preenchida.

Entretanto, como a identificação racial ocorre por autodeclaração e muitas vezes é feita pelo partido, sem a atuação direta do candidato, os dados oficiais deixam margem para erros e irregularidades. Houve casos contestados por rivais e eleitores ao longo da disputa.

Detalhe de urnas eletrônicas
Detalhe de urnas eletrônicas - Rubens Cavallari - 28.ago.22/Folhapress

"Pode ser um aumento bem menor do que parece", afirma Antônio Fernandes, mestre em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco.

"A questão da autodeclaração racial acaba sendo um ponto importante, dado que, com os incentivos institucionais adotados para dar mais competitividade às candidaturas de negros, pode ter aumentado o já alto número de mudanças nas autodeclarações", destaca.

Para o cálculo, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) considera como candidaturas negras aquelas registradas pelos postulantes autodeclarados como pretos ou pardos.

Parte dos eleitos teve sua declaração racial contestada por rivais e eleitores. A avaliação é que eles teriam dificuldade de passar por uma banca de heteroidentificação, como as que avaliam se uma pessoa pode se inscrever como cotista num vestibular.

Em 2014, quando o dado passou a ser computado, essa fatia conquistou 27% das cadeiras em disputa. O índice subiu para 29% na eleição seguinte, e saltou para 36% —pouco mais de um terço— neste ano, quando passaram a valer as ações afirmativas.

Uma emenda à Constituição determinou que, até 2030, os votos dados a pessoas negras na disputa para a Câmara Federal deverão ser contados em dobro para a distribuição dos fundos partidário e eleitoral. O financiamento de campanhas e o tempo de propaganda na televisão e no rádio também deveriam respeitar a proporção das candidaturas negras nos partidos.

Em agosto, reportagem da Folha mostrou que 42 deputados federais em exercício eleitos como brancos em 2018 mudaram o registro para preto ou pardo antes das eleições. Destes, 19 conseguiram se reeleger, aumentando a conta de parlamentares autodeclarados negros no Legislativo Federal.

Mesmo considerando o número provavelmente inflado, a representatividade nas Assembleias segue baixa, já que pessoas negras são mais da metade da população brasileira (56%), segundo o IBGE. Só dois indígenas e um amarelo foram vitoriosos em todo o país. Um eleito não fez a autodeclaração, e os outros 679 deputados estaduais se inscreveram como brancos.

"A continuidade de uma baixa presença da população negra na política evidencia os limites da democracia eleitoral brasileira. No entanto, existem limites para a interpretação desses dados devido à autodeclaração racial", diz Carlos Machado, professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília).

Considerando os dados informados, haverá maior diversidade nas Assembleias Legislativas do que no Congresso, pois apenas 26% dos 513 deputados e 22% dos senadores eleitos neste ano se declaram negros.

Os partidos que elegeram mais candidatos não brancos nas Casas Legislativas dos estados, em números absolutos, foram PT (45), PL (43) e União Brasil (40). Proporcionalmente, porém, passam na frente PC do B, PMB, PSOL e Avante, com mais da metade de suas novas bancadas compostas por pardos ou pretos.

Dentre as candidaturas negras vitoriosas, a mais votada considerando o ranking nacional foi a do coletivo Bancada Feminista (PSOL), que recebeu 259.771 votos contabilizados no nome de Paula Nunes em São Paulo.

Em seguida aparece o também paulista Milton Leite Filho (União Brasil), filho do atual presidente da Câmara de Vereadores da capital, com 198.429 votos. Depois, o pastor Júnior Tércio (PP), eleito em Pernambuco, com 183.735.

Nove dos 27 estados terão em 2023 metade ou mais de suas cadeiras preenchida por pardos e pretos, todos nas regiões Norte e Nordeste do país —em 2018, foram apenas cinco unidades da federação. Destacam-se Tocantins, Piauí, Acre, Amazonas e Bahia, acima dos 60%. Pará, Maranhão, Amapá e Roraima completam a lista.

Os três estados do Sul ocupam o final do ranking, com menos de 10% de suas novas Casas compostas por não brancos. Santa Catarina é o único que não terá nenhum negro em seu plenário.

Na última eleição, o estado havia elegido apenas um deputado estadual autodeclarado pardo. Entretanto, reportagem da Folha publicada em julho revelou que esse único parlamentar registrado como negro na Assembleia catarinense, em 2018, é, na verdade, branco, como admitiu.

A maior ampliação em números absolutos foi registrada na Bahia, de 28 para 39 deputados estaduais negros, em um total de 63 cadeiras.

Nestas eleições de 2022, o Rio Grande do Sul foi o estado com o maior crescimento proporcional, tendo quintuplicado sua bancada declarada negra, de 1 para 5 deputados estaduais. Pernambuco passou de 7 para 17, e São Paulo, de 10 para 18.

No outro extremo, a maior queda, além de Santa Catarina, ocorreu no Mato Grosso do Sul, com diminuição de 5 para 3 parlamentares negros.

Carlos Machado avalia que, apesar da importância de se pensar mecanismos para a representação da população não branca, é crucial focar esforços para aprimorar o que já existe.

"A anistia dada a si mesmos pelos partidos quanto ao não cumprimento da distribuição de recursos por recorte racial é absurda", diz.

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