Bolsonaristas tentam disfarçar ato golpista e de apoio ao presidente em Brasília

Com bandeiras a favor de 'intervenção federal', eles têm evitado usar termo 'intervenção militar' e o nome do presidente

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Brasília

Manifestantes favoráveis a um golpe de Estado em prol do presidente Jair Bolsonaro (PL) se reúnem nesta quarta-feira (2) em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.

Com bandeiras a favor de "intervenção federal", os golpistas têm evitado usar termo "intervenção militar", o nome do presidente, o slogan da campanha fracassada à reeleição e o número do partido de Bolsonaro nas urnas. Um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro, o ex-ministro do Turismo Gilson Machado compareceu ao evento.

Manifestantes em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília - Thaísa Oliveira/Folhapress

Apoiadores golpistas de Bolsonaro fazem atos com pedido de golpe militar em diferentes pontos do país nesta quarta-feira (2). Eles cobram a ação das Forças Armadas para uma intervenção militar após a vitória de Lula nas eleições presidenciais.

O petista foi eleito pela terceira vez e assumirá um novo mandato em 1º de janeiro. Já Bolsonaro, que repetiu declarações golpistas ao longo de seu mandato, amargou uma inédita derrota de um presidente que disputava a reeleição no país.

Os atos golpistas desta quarta-feira têm o incentivo de Bolsonaro. No pronunciamento de terça-feira, ele criticou o processo eleitoral e disse que "manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas". Ele apenas criticou os métodos usados por seus apoiadores no bloqueio de estradas pelo país.

Em Brasília, a Folha presenciou em diversas ocasiões pedidos de participantes para que as pessoas não mencionassem o nome de Bolsonaro, evitassem as palavras "intervenção militar" ou palavras de ordem que usassem esses termos ou questionamentos às eleições.

Também pediram para não mencionarem o artigo 142 da Constituição, que fala das atribuições das Forças Armadas.

Os protestos golpistas tiveram também um forte cunho religioso. Em diversos momentos rezas foram puxadas pelas pessoas que falavam no carro de som. Além disso, um pastor e um padre falaram ao microfone durante a manifestação.

Um pouco antes das 18h o protesto continuava cheio e um trio elétrico estacionou em um outro ponto da região, em frente a igreja Rainha da Paz, começando um segundo foco de manifestação.

Mais tarde, um homem afirmou que os presentes pretendem montar um acampamento no local e disse que o carro de som só foi liberado para estar no local após a intervenção de um general, sem mencionar nome. No início da noite desta quarta, mais de 40 barracas já estavam montadas em frente ao comando do Exército e os manifestantes afirmam que pretendem ficar por tempo indeterminado.

A reportagem procurou os militares, que não responderam.

Líderes de movimentos intervencionistas que participaram de atos anteriores —como o Sete de Setembro deste ano e o de 2021— disseram à Folha, sob anonimato, que não estão organizando os grupos de hoje, apenas participando.

Eles dizem que os convites e o incentivo à participação das manifestações circulam nos grupos de WhatsApp de seus movimentos, mas que eles não estão diretamente convocando suas tropas, como chamam os seguidores.

A avaliação deles é que o primeiro discurso de Bolsonaro serviu para inflar ainda mais os atos. O pronunciamento foi lido como um pedido para que os manifestantes mantivessem suas posições, sem recuar, apenas se ajustando para respeitar o direito de ir e vir.

Entre essas lideranças, a posição é de esperar o relatório da fiscalização das urnas feita pelo Exército para tomar uma posição pública quanto aos atos.

"O movimento Unabrasil [União Nacionalista do Brasil] aguarda o relatório do Ministério da Defesa para se posicionar", afirmou Dom Werneck, líder deste grupo.

Em um dos grupos de WhatsApp criado para incentivar as manifestações, mensagens pedem para que as pessoas tirem os adesivos de Bolsonaro dos veículos, não usem camisetas nem bonés de apoio ao presidente, não xinguem o PT nem mencionem o artigo 142.

O texto afirma que a pauta é intervenção federal e que o presidente pode ser preso caso seja associado aos atos. "Esqueçam ART 142, pode ser considerado golpe. De forma nenhuma remeter essa intervenção ao nome do Bolsonaro", diz a instrução. "Pode ser considerado crime e ele ir preso! E não queremos isso."

"Atenção. Estamos manifestando errado! Temos que ser claros no nosso pedido de manifestação !!!! Parem com esses erros: sem músicas do Bolsonaro, sem bandeiras do Bolsonaro, sem 22, não destruam nada, não reajam às forças policiais, somente resistam", afirma o texto.

"Não queimem pneus; não bloquear vias por completo. Estamos agindo de forma inconstitucional e antidemocrática dessa maneira. Estamos impossibilitando as pessoas de exercerem o direito de ir e vir. Não façam xingamentos e discursos anti-PT."

Essa orientação tem sido dada também nos últimos dias nos grupos de WhatsApp e Telegram de apoiadores do presidente e de um golpe após a sua derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na votação.

O ato tenta disfarçar o tom golpista com frases genéricas de apoio ao Brasil, à pátria e às Forças Armadas.

Apesar da orientação para que pessoas próximas ao presidente evitassem aderir às manifestações, o ex-ministro do Turismo de Bolsonaro, Gilson Machado, participou do ato antidemocrático em Brasília.

Ele publicou vídeos na manifestação, em suas redes sociais. Nas imagens, ele aparece de colete estampado com as bandeiras do Brasil e do estado de Pernambuco, segurando a bandeira nacional, entre os manifestantes.

"Pessoal, estou aqui em Brasília, no nosso movimento democrático, aqui, no feriadão. E eu quero dizer: Deus, pátria família e liberdade. Tamos juntos", disse.

Nesta terça-feira (1º), Gilson esteve ao lado do presidente durante o seu primeiro pronunciamento após a derrota nas eleições, no Palácio da Alvorada

O ex-ministro, também conhecido por tocar sanfona em eventos com o presidente, pediu para sair do cargo para se candidatar a senador por Pernambuco, mas não se elegeu.

Uma das faixas levadas pelos manifestantes foi recortada para deixar apenas a frase "S.O.S. F.A.". O texto original, segundo o militante que carregava o cartaz, incluía "com Bolsonaro no poder". De acordo com ele, a orientação veio da "assessoria jurídica" do ato.

Em outro momento, os manifestantes tentaram disfarçar o slogan eleitoral do presidente. Em vez de "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", usaram "Deus acima de todos e Brasil em primeiro lugar no mundo".

A reportagem também testemunhou quando um grupo pediu a dois homens que guardassem uma faixa que dizia "não queremos ser governados por condenados pela Justiça".

Esse grupo afirmou que a frase poderia ser interpretada como uma reivindicação contra as eleições e que se a imprensa fotografasse, iria "pegar muito mal". Como a dupla se recusou, foi acusada de "não ser de direita de verdade".

Algumas das faixas que mencionam "intervenção federal" também acrescentam "com o presidente no poder", sem citar nominalmente Bolsonaro.

No início do ato, militares do Exército informaram aos manifestantes que estava proibida a presença de ambulantes. No final da manhã, no entanto, o local começou a ser tomado por vendedores.

A reportagem registrou inclusive a presença de um massagista na Praça dos Cristais, que fica em frente ao Quartel General. Ambulantes improvisaram pontos de venda de camisetas, bandeiras do Brasil, bonés, capas de chuva, comida e bebida.

Um guindaste foi colocado próximo à entrada principal com uma grande bandeira do Brasil. Há também a presença de um trio e de dois caminhões.

Foi diante desse mesmo QG do Exército que, em abril de 2020, Bolsonaro fez um dos discursos de teor mais golpista de seu governo. À época, início da pandemia, Bolsonaro ampliava a tensão com os demais Poderes, em atos que deram origem ao inquérito dos atos antidemocráticos no STF (Supremo Tribunal Federal).

Naquele dia, em cima da caçamba de uma caminhonete e se dirigindo a uma aglomeração de apoiadores pró-intervenção militar, o presidente afirmou que "acabou a época da patifaria" e gritou palavras de ordem como "agora é o povo no poder" e "não queremos negociar nada".

"Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil", declarou o presidente, que participou pelo segundo dia seguido de manifestação em Brasília, provocando aglomerações em meio à pandemia do coronavírus. "Chega da velha política. Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos."

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