Descrição de chapéu jornalismo

Lupa: Bolsonaristas usam afirmações falsas para colocar em dúvida resultado das eleições

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro contestam derrota para Lula com desinformação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Agência Lupa

Atacadas desde 2018 pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), as urnas eletrônicas voltaram a ser alvo de desinformação nas redes sociais após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência da República. Desde o final do segundo turno, apoiadores do presidente acusam, sem provas, a existência de adulteração nas urnas com relatórios apócrifos e interpretações equivocadas sobre o processo eleitoral.

Urnas eletrônicas contestadas por bolsonaristas que pedem golpe - Rubens Cavallari - 23.ago.22/Folhapress

No mundo real, os resultados atestados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) foram reconhecidos por diversas entidades internacionais que observaram o processo. Presidentes de outros países, como Joe Biden (Estados Unidos) e Emmanuel Macron (França), também reconheceram a vitória de Lula, a quem parabenizaram. O presidente eleito já tem uma equipe trabalhando para organizar a transição de governo.

Entenda as principais alegações de internautas e por que as contestações sobre as urnas são falsas:

Modelos antigos de urna

Em uma live transmitida na sexta-feira (4), um influenciador argentino divulgou informações sobre supostas irregularidades detectadas nos resultados das eleições presidenciais brasileiras. A acusação de fraude, no entanto, baseia-se em um relatório apócrifo que já circulava havia alguns dias nas redes e contém informações falsas.

Apoiador do presidente Bolsonaro, Fernando Cerimedo alegou que uma vantagem significativa de votos para Lula teria sido registrada nos modelos de urna anteriores ao de 2020. Isso só teria sido possível porque apenas o modelo 2020 foi submetido a testes de segurança, o que é falso.

Nas eleições deste ano, o TSE informou terem sido empregados seis modelos de urna: 2009, 2010, 2011, 2013, 2015 e 2020. Apesar de apresentarem diferenças entre si, todas as versões rodam os mesmos programas. Como são dispositivos eletrônicos com vida útil média de 10 anos, precisam ser renovados periodicamente. Isso não significa que os modelos anteriores a 2020 sejam menos seguros, já que todos foram submetidos a testes.

O único modelo que não passou pela análise de investigadores nas diferentes edições do TPS (Teste Público de Segurança) é justamente o de 2020 — contrariando o argumento do influenciador argentino. Em um ofício assinado em maio, o TSE informou que não foi possível concluir a integração entre os sistemas de votação e o novo modelo de urna antes do TPS realizado em novembro de 2021 (página 27). Na ocasião, os ataques realizados nos testes foram direcionados a dispositivos modelo 2015.

Como resposta à solicitação das Forças Armadas para testar o modelo 2020 antes das eleições de outubro, o TSE submeteu-o à análise de pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

Lei de Benford

Um outro relatório sem autoria identificada, dessa vez escrito em inglês, sugere supostas inconsistências nos resultados do primeiro turno da eleição presidencial. No entanto, o documento, que foi divulgado por influenciadores bolsonaristas, utiliza uma técnica de análise de dados que é considerada inadequada para aplicação em resultados eleitorais.

O suposto estudo recorre à Lei de Benford. Trata-se de um fenômeno matemático baseado na probabilidade, muito utilizado em auditorias fiscais, que tem como objetivo detectar possíveis manipulações de valores. A lei por si só não comprova fraudes, mas aponta indícios.

Isso é possível porque, segundo a lei, quando os dados numéricos de um determinado conjunto ocorrem naturalmente, pode-se notar uma incidência muito mais frequente do número 1 do que dos outros algarismos. A frequência do número 2 é menor, a do 3 é ainda mais reduzida e assim por diante. Isso significa que cada dígito aparece menos vezes do que o anterior, até se chegar ao 9, que tem a menor incidência de todas. Se esse padrão não é observado, isso poderia indicar uma manipulação dos dados.

Nem todos os conjuntos numéricos, contudo, podem ser analisados de modo confiável pela Lei de Benford. Sua utilização para examinar fraudes eleitorais é contestada por pesquisadores e organismos internacionais.

Um artigo publicado em 2011 por professores da Universidade de Oregon e do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, por exemplo, afirma que a Lei de Benford é "irrelevante" para avaliar a conformidade de um pleito que atenda a "boas práticas democráticas" (página 260). O estudo ressalta que as preferências eleitorais variam a partir de fatores como o de região e etnia, e que essa heterogeneidade pode distorcer as conclusões de um indicador que se destina a detectar a heterogeneidade induzida por fraude.

Avaliação semelhante é seguida por organizações como o Conselho da Europa (página 11) e o Carter Center (página 133), dos Estados Unidos, que atuam como observadores em processos eleitorais.

5,1 milhões de votos ‘roubados’

Aliado do ex-presidente Donald Trump e disseminador de teorias da conspiração, o empresário Mike Lindell afirmou durante uma transmissão que as urnas eletrônicas teriam "roubado" 5,1 milhões de votos de Bolsonaro. Esse número seria suficiente para inverter o resultado e consagrar a vitória do atual presidente, que foi derrotado por Lula por pouco mais de 2 milhões de votos. Não há, entretanto, qualquer evidência de que esse "roubo" tenha ocorrido.

Lindell cita a informação dos 5,1 milhões de votos em dois momentos, sempre atribuindo-a aos seus "cyber guys" (pessoal da cibernética, em tradução livre), sem explicar exatamente a quem estaria se referindo.

Na sequência, ele também dissemina informações falsas já analisadas pela Lupa sobre o processo eleitoral brasileiro, como a de que as urnas seriam produzidas pela empresa Smartmatic e a de que não seria possível comprovar que os votos digitados pelos eleitores são computados.

Urnas sem nenhum voto para Bolsonaro

Publicações questionam os resultados registrados em Confresa (MT), onde uma seção teria dado todos os votos para Lula. Esse fato, no entanto, não é evidência de fraude.

De acordo com levantamento do Deltafolha, Lula obteve 100% dos votos válidos em 143 seções eleitorais pelo país. Bolsonaro, por outro lado, registrou a mesma votação em quatro. Esse fenômeno foi observado especialmente em áreas com grande presença indígena e quilombola.

No caso de Confresa, o boletim de urna que circulava nas redes é de uma seção localizada na Aldeia Tapi’itãwa, dentro do Território Indígena Urubu Branco. Ali, todos os eleitores são indígenas.

O Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso (TRE-MT) declarou que é comum que haja convergência de votos em comunidades indígenas e áreas quilombolas. O órgão pontuou ainda que situações semelhantes foram registradas no primeiro turno das eleições de 2022 em 14 estados brasileiros.

Após as publicações, o povo Apyãwa-Tapirapé, que vive na aldeia, foi alvo de discursos de ódio. Em nota, o grupo repudiou os ataques e confirmou o voto em Lula. "Sim, votamos no candidato Luiz Inácio Lula da Silva, somos um povo organizado e nos reunimos para discutir qual seria o melhor candidato a nos representar durante esses quatro anos", diz a publicação.

Vale ressaltar que as 147 seções eleitorais com votação unânime representam apenas 0,02% das 496.856 seções situadas no Brasil e no exterior.

Seções ‘desaparecidas’

Ao menos dois eleitores que votam no exterior foram às redes sociais para alegar que seus votos não teriam sido computados, já que o resultado de suas seções não está disponível para consulta no sistema do TSE. A informação é falsa, já que as seções citadas foram agregadas a outras e seus votos foram normalmente contabilizados no resultado final.

Segundo o TSE, a agregação de seções é uma prática prevista nas normas eleitorais com o objetivo de otimizar a votação. Nesses casos, eleitores de duas seções votam em uma urna. Essa medida é tomada especialmente quando o número de eleitores em uma determinada seção é baixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.