Moraes nunca entrou com habeas corpus no STM

Deputado federal General Girão (PL) distorce dados envolvendo o ministro e o Superior Tribunal Militar

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São Paulo

O deputado General Girão (PL) distorce os fatos ao afirmar que o STM (Superior Tribunal Militar) teria negado um pedido de habeas corpus do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em ação que levaria ao seu julgamento e prisão por crime de lesa-pátria, que é outro nome para se referir aos crimes contra o estado democrático de direito, título XII do Código Penal Brasileiro.

O STM, na verdade, negou um habeas corpus protocolado pelo ex-juiz bolsonarista Wilson Issao Koressawa para ele e outros manifestantes que participaram de atos antidemocráticos pós-eleições contra ordens de prisão, multa e de acionamento das PMs (Polícias Militares) que fossem expedidas por Moraes.

Nesse processo de habeas corpus, como verificado pelo Projeto Comprova, o ministro do STF era a parte impetrada, ou seja, quem teria cometido uma suposta ilegalidade contra o direito de ir e vir da pessoa para a qual o habeas corpus seria concedido.

Alexandre de Moraes é branco, calvo, e segura pasta de plástico translúcido
O ministro Alexandre de Moraes em sessão do STF em Brasília - Pedro Ladeira - 7.dez.2022/Folhapress

Segundo o pedido, Moraes teria cometido "crimes contra a segurança nacional" ao expedir ordens de prisão e multa, assim como de autorização do uso das PMs contra manifestantes dos atos antidemocráticos.

O ministro do STM Almirante de Esquadra Cláudio Portugal de Viveiros negou o habeas corpus dois dias antes da publicação do conteúdo verificado, no dia 8 de dezembro. Viveiros argumenta que negou o pedido porque ele não envolve qualquer crime militar, por isso, não é competência da Justiça Militar. O pedido foi arquivado.

"Ante o exposto, nego seguimento ao habeas corpus por se tratar de pedido estranho à competência da Justiça Militar da União, na forma do art. 13, inciso V, do Regimento Interno deste Superior Tribunal Militar, e determino o seu arquivamento", afirmou o ministro Viveiros na decisão.

Consulta no sistema do STM por ações de habeas corpus nos quais Moraes é uma das partes mostra que há apenas dois processos, dentre eles o que já foi negado. O segundo ainda está em julgamento. Nele, Moraes também é a parte "impetrada" e, logo, não é quem protocolou o pedido nem a parte para quem seria concedido o habeas corpus.

A reportagem ainda contatou a assessoria de imprensa do STM e do STF. Ambas desmentiram o conteúdo verificado.

Cabe ressaltar que, como lembrou o ministro Viveiros na sua decisão, Moraes nem poderia ser julgado pela Justiça Militar, porque ele tem foro. Qualquer ministro do STF só pode ser julgado pela própria corte, em caso de crime comum, ou pelo Senado, por crime de responsabilidade.

Autor do pedido de habeas corpus negado, Koressawa também entrou com uma notícia-crime no STM contra Moraes, e o presidente e o vice-presidente eleitos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB), em 12 de dezembro. O processo ainda está em tramitação, sem decisão.

Koressawa, que é declarado apoiador de Jair Bolsonaro (PL) e dos atos antidemocráticos pós-eleições, pediu "uma abertura de investigação judicial eleitoral relativa ao primeiro e segundo turnos das eleições de 2022".

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, onde há registro público de disseminação significativa da alegação enganosa, a postagem teve mais de 92.800 curtidas, 2.560 comentários e mais de 20.600 compartilhamentos até as 15h05 de 16 de novembro.

Até essa mesma data, o vídeo de Peyroton no YouTube tem 787 visualizações, 93 curtidas e 6 comentários. No Instagram, são 3.778 curtidas e 199 comentários.

O que diz o responsável pela publicação

A reortagem tentou entrar em contato com o autor do conteúdo verificado, o radialista Ricardo Peyroton, e com o deputado federal General Girão, que originou a peça de desinformação, mas não obteve retorno.

Em suas redes sociais, Peyroton se apresenta como "cristão, capixaba e radialista". Produz conteúdos, em sua maioria vídeos, comentando assuntos políticos. É apoiador do presidente Bolsonaro e crítico de Lula e de seu partido (PT). Somando seu público nas três redes sociais onde a desinformação foi publicada (Instagram, TikTok e YouTube), ele tem mais de 125 mil seguidores.

Girão é um político e militar da reserva do Exército Brasileiro. Ele foi eleito deputado federal em 2018 e reeleito neste ano.

Como verificamos

O primeiro passo para a verificação do Comprova foi procurar, no site do STM, o documento oficial do dito pedido de habeas corpus negado. Por meio de consulta por ações de habeas corpus nos quais Moraes é uma das partes, encontramos apenas dois processos, dentre eles aquele que foi negado e outro, que ainda está em julgamento.

A reportagem também entrou em contato com a assessoria de imprensa do STM e do STF para solicitar posicionamento oficial. Ambas as cortes responderam ao pedido. A primeira também forneceu a íntegra da decisão do habeas corpus negado.

Por que investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e peças que questionam o resultado das eleições. No atual momento, conteúdos que contêm desinformação sobre ministros do STF e do TSE podem gerar desconfiança nas pessoas quanto ao Poder Judiciário e, consequentemente, ameaçar as instituições do Estado e a democracia.

Outras checagens sobre o tema: A agência de checagem de fatos Boatos.org também desmentiu a publicação checada. Em 11 de dezembro, o Comprova verificou conteúdo semelhante e mostrou que um pedido de prisão em flagrante contra o ministro do STF Alexandre de Moraes após as eleições era falso. Essa peça de desinformação também envolvia indiretamente o ex-juiz bolsonarista Wilson Koressawa. Outros conteúdos relacionados ao ministro do STF Alexandre Moraes também já foram apurados pelo projeto, como um vídeo que inventa acusações de comandante do Exército contra o magistrado.

A investigação desse conteúdo foi feita por Crusoé, UOL e Poder360 e publicada em 16 de dezembro pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 43 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, A Gazeta, Estado de Minas, Estadão, CBN Cuiabá e Plural Curitiba.

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