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USP recomenda a TSE reforço em código de urna e rechaça alegações do PL

Pesquisadores têm acesso ao código devido a convênio firmado em 2021; corte eleitoral diz ter aceitado recomendação

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São Paulo

Relatório da USP recomenda ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que reforce o processo interno de revisão e de testes dos códigos relacionados ao processo eleitoral.

O documento foi feito pelo Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) em parceria com professores da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e da UFPA (Universidade Federal do Pará), além de outros especialistas.

Os pesquisadores explicam o que teria causado a falha nos logs das urnas de modelos antigos, usada pelo partido de Jair Bolsonaro, o PL, para questionar parte dos equipamentos, e respondem a alegações técnicas feitas pela sigla e pelo Instituto Voto Legal (IVL), contratado pelo PL.

Eles afirmam que "as principais conclusões dos referidos documentos são infundadas, havendo ainda diversas alegações que carecem de rigor técnico". A íntegra do relatório está disponível no site do Jornal da USP.

Em resposta à Folha o TSE respondeu que a falha no código já foi corrigida e que "futuras versões do software da urna não reproduzirão esse problema". Disse também que a recomendação feita no relatório foi aceita pelo tribunal.

Imagem mostra cinco urnas em cima de uma mesa em sequência, na frente de cada uma está o respectivo leitor biométrico
Modelo mais recente de urna eletrônica, usado pelo primeira vez nas eleições de 2022 - Abdias Pinheiro-13.dez.21/TSE

O tribunal afirmou que "o problema foi identificado pelo próprio TSE, durante o processamento dos arquivos de log de todas as urnas após o primeiro turno" e que "usa os logs para levantar informações que permitem o aperfeiçoamento do processo eleitoral".

O laboratório da USP possui acesso ao código-fonte da urna devido a um convênio com o TSE firmado no ano passado. Como o convênio prevê um acordo de não divulgação do material, o tribunal foi consultado pelos pesquisadores quanto à publicação do documento.

O laboratório também foi responsável por testar as urnas novas, o modelo UE2020, antes das eleições, após insistência das Forças Armadas no âmbito da Comissão de Transparência Eleitoral.

O problema identificado pelo PL é que o número de identificação da urna foi registrado corretamente apenas nos "diários de bordo" das urnas UE2020. O partido alegou que, com isso, não é possível fiscalizá-las, pois diz que não seria possível relacionar os logs à urna física correspondente.

Apesar de a situação relatada pelo PL ter ocorrido nos logs de ambos os turnos, o partido pediu a invalidação apenas de votos da segunda etapa da eleição.

O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, rejeitou o pedido por litigância de má-fé (exercício de maneira abusiva do direito de recorrer à Justiça) e condenou o partido ao pagamento de quase R$ 23 milhões de multa.

Cada urna gera diferentes arquivos durante a eleição. Um deles é o log da urna, que funciona como uma espécie de "diário de bordo" de tudo que aconteceu nela, mas não há no log o registro de qual voto cada eleitor deu. Os votos individuais, sem a identificação do eleitor, são registrados em outros arquivos.

O que dá os comandos para que a urna funcione e registre os votos são os aplicativos dentro dela, também chamados de software ou código-fonte, que é escrito em uma linguagem de programação.

Apesar de o código-fonte ser único para todas as urnas, ele possui algumas instruções para se adaptar a diferenças entre as máquinas.

Nas eleições, foram usados seis modelos diferentes —a UE2020 estreou neste ano. Além dela, foram usadas as UE2009, UE2010, UE2011, UE2013 e UE2015 –os números correspondem ao ano da licitação.

Em uma comparação, é como se houvesse diferentes modelos de computador, mas todos eles usassem uma mesma versão de Windows.

Após análise da versão mais recente do código com uma versão anterior, os pesquisadores identificaram que as instruções da parte do código referente ao "diário de bordo" (logs) estavam incorretas para os modelos de urna mais antigas.

De modo simplificado, o que ocorreu é que, feitas as atualizações necessárias para adaptar o código à urna nova, um comando que deveria ter sido desconsiderado acabou mantido nas instruções da escrita do "diário de bordo". Ele servia para as urnas ainda mais antigas, anteriores ao modelo de 2009.

Como nessas urnas (não utilizadas neste ano) o número de identificação ficava registrado em um local diferente do que nos equipamentos UE2009 a UE2015, na prática, o código tinha instruções para procurar pelo número de identificação no local errado.

Assim, quando o código tentou ler a numeração, produziu um valor arbitrário e que se repetiu nos "diários de bordos" de todas as urnas usadas, com exceção da UE2020, pois neste caso as instruções estavam corretas.

Os demais arquivos gerados pelas urnas, como o boletim de urna, obtiveram o número de identificação corretamente para todos os modelos de urna.

A Folha perguntou ao tribunal sobre o motivo do problema do log. O TSE afirmou que houve uma "mudança recente no software, provocada pela introdução da UE2020".

E disse que o aplicativo responsável pela escrita dos "diários das urnas" não estava registrando o número de identificação da urna corretamente para os modelos das urnas UE2009/10/11/13/15. A reportagem solicitou uma entrevista com algum técnico do tribunal a respeito, mas não foi atendida.

O documento do laboratório da USP faz a recomendação para que o TSE reforce seus processos internos de revisão e testes de código. E frisa que, "embora o código atual já inclua diversos testes automatizados, cabe um esforço para expandir essa base", abrangendo tanto a parte onde houve a falha como o restante do código, para se precaver de eventuais falhas futuras.

Eles reforçam porém que, diferentemente do que alegou o PL e sua equipe técnica, o erro, apesar de ter ocorrido, não impede a ligação de cada urna com seus respectivos "diários de bordos".

"O que fica demonstrado é que qualquer pessoa pode correlacionar um dado log com o boletim de urna correspondente, independentemente do modelo da urna e a despeito do problema relatado", diz o documento.

Isso porque há outros dados e formas para vincular os logs com as respectivas urnas e demais arquivos por elas produzidos, a partir de outras informações que constam no log como município, zona e seção eleitoral.

É como se um um órgão estatal, por um erro, não tivesse em sua planilha os dados do INSS de um cidadão, mas tivesse RG e CPF —sendo possível, portanto, identificá-lo.

No vídeo abaixo, é possível ver a consulta ao boletim e ao log da urna de duas seções eleitorais que usaram modelos de urna anteriores ao de 2020.

Com a opção "primeiro turno" selecionada, é possível ver que, em ambas, o código "67305985" se repete na quarta coluna. Também é possível notar que há outros dados que permitem identificar a urna, como seção e zona eleitoral.

Um dos autores do documento, o professor de engenharia da computação da USP Marcos Simplício e que integra o Larc, já tinha apontado que havia outras formas de identificar a qual urna pertencia o log em entrevista à Folha na data em que PL apresentou a ação.

Os pesquisadores rebateram outras alegações feitas pelo PL e o IVL, como a de que os demais dados do log como município e seção eleitoral não seriam confiáveis.

Também dizem que o fato de as assinaturas digitais das urnas não usarem certificados digitais ICP-Brasil, ponto criticado em documento protocolado pela sigla, "é completamente irrelevante para garantir a confiança do processo eleitoral" e dão uma série de explicações sobre o assunto.

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