'Sarjeta fantasma' bancou desvio de verba indicada por ministro de Lula, diz TCU

Empresa beneficiada é apontada como líder de cartel do asfalto sob Bolsonaro; OUTRO LADO: Estatal diz cobrar devolução

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo e Brasília

Uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) revela desvios em obras que contaram com verbas públicas direcionadas pelo atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), ao reduto eleitoral dele governado pela irmã.

A beneficiária do superfaturamento segundo os auditores foi a empreiteira Engefort, que é apontada pela fiscalização do TCU como líder de um cartel de empresas de asfaltamento que teria fraudado licitações que somam mais de R$ 1 bilhão no governo de Jair Bolsonaro (PL).

Os desvios ocorreram em dois contratos da estatal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos vales do São Francisco e do Parnaíba) para asfaltamento no município de Vitorino Freire (MA), que tem como prefeita Luanna (União Brasil), irmã do ministro do governo Lula (PT).

O superfaturamento chegou a R$ 700 mil em razão de a Engefort ter cobrado pela construção de sarjetas que na verdade nunca foram erguidas, de acordo com a auditoria do TCU. Os dois contratos somam R$ 8 milhões.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil) - Pedro Ladeira - 29.dez.22/Folhapress

Os recursos para as obras em Vitorino Freire foram obtidos por "destaque orçamentário" indicado por Juscelino Filho no final de 2019, quando ele era deputado federal. Nesse tipo de operação, o Ministério do Desenvolvimento Regional repassa recursos a outros órgãos, como à Codevasf, para a execução dos serviços.

O fiscal desses contratos pela Codevasf era Julimar Alves da Silva Filho, que foi alvo de uma operação da Polícia Federal em outubro passado sob suspeita de ter recebido propina de R$ 250 mil para favorecer outra empreiteira, a Construservice, em obras da estatal.

Batizada de Odoacro, a operação da PF levou ao afastamento de Silva Filho de seu cargo público na Codevasf.

O TCU aponta que o modelo de sarjeta escolhido inicialmente nas licitações é mais largo e profundo do que aquele utilizado em vias urbanas —na verdade é usado apenas em rodovias.

Os técnicos do tribunal só tiveram o trabalho de avaliar fotos das obras e facilmente identificaram a falta da construção das sarjetas. Se fossem erguidas, as sarjetas ocupariam metade da largura das vias urbanas.

Em resposta ao TCU em dezembro, a Codevasf admitiu o superfaturamento e afirmou que iria pedir de volta o dinheiro pago às empresas pelo serviço não prestado. Segundo a estatal, a irregularidade ocorreu "devido a um equívoco no código de referência do serviço de sarjeta, não sendo este fato intencional".

De acordo com a auditoria do TCU, além das "sarjetas fantasmas", ocorreu uma outra irregularidade nos dois contratos, que tiveram o aval de Silva Filho.

A área técnica do tribunal afirma que aditivos elevaram, sem nenhuma justificativa técnica, o custo para transporte de materiais de cerca de 10% para 30% dos valores executados nos dois contratos.

Ao responder ao TCU sobre o problema, a Codevasf argumentou que a elevação nesse item ocorreu após um pedido da Engefort que foi acolhido por Silva Filho.

De acordo com a Codevasf, a empreiteira alegou que os adendos contratuais eram necessários pois algumas ruas previstas no projeto básico da prefeitura local já tinham sido asfaltadas por outros órgãos ou pela própria prefeitura, e então ocorreu "a alteração das vias indicadas" e "modificação das necessidades iniciais elencadas no projeto básico".

A estatal ainda afirmou que o aditivo retirou valores de obras de calçadas e acrescentou custos de transporte, mas que não houve mudança no preço final do contrato.

A Engefort foi contratada por uma modalidade de licitação simplificada que a Codevasf passou a utilizar para escoar verbas indicadas por parlamentares, como revelou a Folha.

Em algumas disputas desse tipo, a estatal não apontava o local exato em que a obra seria executada, o que abriu margem para "ocorrência e risco de superfaturamento" nos valores de transporte de material, segundo a análise do TCU.

O ministro Juscelino Filho foi escolhido por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para as Comunicações como forma de acomodar a União Brasil no primeiro escalão do governo.

No governo Bolsonaro, o então deputado foi beneficiado por negociações entre Congresso e o Executivo para liberação de verbas. Ele direcionou ao menos R$ 77 milhões de 2019 a 2021, sendo que ao menos R$ 42 milhões irrigaram contratos da Engefort e da Construservice.

Ministro diz que não têm relação com empresas suspeitas de desvios

Os advogados do ministro, Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, afirmaram em nota que as emendas são legais, beneficiam diversas comunidades carentes do interior do Maranhão e que a responsabilidade da contratação é do executor da obra, e não de Juscelino.

"A maior prova de que não há uma relação entre a contratação de tais empresas e o deputado é que essas empresas executaram diversas obras, inclusive em outros estados, com fontes orçamentárias diversas, seja de municípios, estados e emendas de outros parlamentares", disseram os advogados.

A Engefort também negou ter mantido relações com Juscelino Filho que possam ter resultado em irregularidades.

"Quanto o atual ministro das Comunicações Juscelino Filho, informamos que inexiste qualquer relação pessoal deste ou de seus parentes, com a Engefort Construtora, e que nunca houve doações para suas campanhas eleitorais. Ressaltamos que as situações em que a Engefort manteve contato com o atual ministro se deram de forma estritamente profissional, na ocasião de eventos", afirmou a empreiteira.

"A Engefort Construtora repudia veemente os apontamentos de que participou de um cartel, uma vez que a Engefort nunca combinou preços com empresas concorrentes e jamais atuou para fraudar qualquer licitação", completou.

A Codevasf afirmou em relação às "sarjetas fantasmas" que as empresas acusadas de desvio "já se manifestaram favoráveis ao ressarcimento" e "o processo de devolução de valores está em tramitação administrativa".

O advogado Marcio Almeida, defensor de Julimar Alves da Silva Filho, disse que os aditivos aos contratos com a Engefort foram feitos ao longo da execução para que ocorresse uma adequação ao que estava sendo realizado.

Os pagamentos ocorreram em conformidade com o que foi executado, com os projetos executivos e com os aditivos, que foram feitos dentro dos limites da lei, afirmou.

A defesa da Construservice e de Eduardo Costa informou que não pode se manifestar sobre investigações sigilosas, mas negou o envolvimento deles em práticas criminosas na Codevasf.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.