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Governo Lula ataque à democracia

Bolsonaro e Lula apostam na polarização em cenário adverso

Volta ao Brasil desafia ex-presidente a lidar com realidade política nova na centro-direita

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São Paulo

Após o inédito duplo abandono da Presidência, contando aí os dois meses em que ficou amuado no Palácio da Alvorada após perder a reeleição e a fuga para a Flórida dois dias antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL) voltou ao Brasil.

Passados três meses, seu desembarque esteve longe da consagração aeroportuária que marcou sua marcha à Presidência —na sede do PL, havia uma concentração pífia de apoiadores, mesmo Brasília sendo uma ilha bolsonarista. Mas esse é o menor de seus problemas.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) usa o celular no avião que o trouxe de volta ao Brasil
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) usa o celular no avião que o trouxe de volta ao Brasil - Anna Virginia Balloussier/Folhapress

A questão central para ele é análoga à de seu ídolo político e modelo comportamental, o também ex-presidente americano Donald Trump. Após ser derrotado em 2020, o republicano não reconheceu a vitória de Joe Biden e instigou uma sublevação popular que levou destruição ao Capitólio no 6 de janeiro de 2021.

Agora, Trump se prepara para tentar voltar à Casa Branca no ano que vem, mas a realidade política à sua volta é bastante adversa. Evidentemente, tem votos e conta com seu poder midiático, mas enfrenta uma renovada concorrência em seu partido e um leque de pendências judiciais graves.

Resta-lhe, como mostrou o discurso amalucado que fez em Waco, cidade ícone de uma certa direita americana pelo cerco trágico de forças federais contra uma seita religiosa, redobrar a aposta na polarização com que se elegeu em 2016.

Adaptando uma ou outra coisa, é a história que Bolsonaro após a derrota de outubro passado: sem reconhecer a vitória de Lula, incentivando os golpistas que criaram o 8 de janeiro de Brasília, vendo emergir lideranças no seu campo de jogo e enfrentando problemas que poderão tirar seus direitos políticos.

Assim, caberá ao ex-presidente a radicalização, apostar naqueles 25% que, em dezembro passado, disseram ao Datafolha se considerar bolsonaristas. Quantos são agora, após a reação institucional ao golpismo esposado pelo grupo, é algo a aferir, mas é ilusão achar que eles desapareceram.

O que parece certo é que são uma força reduzida da quase metade do eleitorado que votou no então presidente no segundo turno, não menos porque aquele contingente abarcava antipetistas que reprovam o 8/1 e a lambança das joias árabes.

Bolsonaro voltar ao país para liderar a direita, como quer o presidente de seu partido, cioso do enorme Fundo Partidário que os votos bolsonaristas lhe deram, é outra história. Como ele mesmo disse ao embarcar de volta a Brasília, esqueçam.

Basta olhar para sua Presidência. Não faz parte de seu repertório a construção política, ao contrário. O que não quer dizer que ele não tenha voto. Resta saber o uso que será feito disso —nem montar a própria sigla, a tal Aliança, ele conseguiu no ápice do poder.

Este é um momento de readequação de forças, e a saída do Republicanos do centrão clássico com PL e PP rumo ao novo centrão de Lula, ao formar o maior bloco da Câmara (142 deputados) com o PSD, MDB e Podemos, é sinal eloquente disso.

O cérebro por trás da operação é Gilberto Kassab, o presidente do PSD e secretário de Governo paulista, que quer transformar o seu governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em liderança nacional de uma centro-direita que agregue o voto conservador e também bolsonarista, de alguma forma convencido a deixar de lado o radicalismo e a tosquice.

Sinal do pragmatismo adotado, PSD e MDB estão no ministério de Lula, mas sempre de olho no comportamento do presidente, que promete começar de fato seu governo no momento em que Bolsonaro desembarca, com a apresentação do novo arcabouço fiscal.

Se fracassar em convencer o mercado e o Congresso de sua viabilidade, o governo Lula arrisca permanecer em estado letárgico ou coisa bem pior. Se funcionar, dificilmente o novo centrão irá largar o seu quinhão do governo, sobrando ao modelo original o papel de oposição e lago para pescaria de dissidentes.

Bolsonaro terá de se manter no palanque para evitar a sangria de apoio. Para Lula, que sempre manteve relação simbiótica com o ex-presidente, é ótima notícia. Foi da lavra do bolsonarismo que saíram vários temas que ajudaram o governo a manter o foco na polarização, enquanto se digladia entre dificuldades de articulação política e a verborragia extremada do presidente.

Houve o 8/1, a crise yanomami (que é perene, mas ficou na conta de Bolsonaro por seu desdém por indígenas), as joias da Arábia Saudita, a demonização do Banco Central independente herdado de seu governo. Agora, haverá o ex-presidente em pessoa.

Como notou o colunista Elio Gaspari, essa será uma situação inédita em que um ex-presidente fustigará diretamente o sucessor, de olho em sua cadeira. Se a agressividade de Lula contra seus antecessores já era deletéria do ponto de vista institucional, nada de bom deverá sair de um cenário de guerra aberta.

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