CPI do 8 de janeiro no DF tem relator da PM e jogo de forças que favorece Ibaneis

Com mais de um mês de investigações, depoimentos miram Exército, e deputados levantam diferentes teses

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Brasília

Aberta para investigar a invasão às sedes dos três Poderes, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Atos Antidemocráticos na Câmara Legislativa do Distrito Federal tem um policial militar na relatoria, um petista histórico na presidência e esforços da base para livrar o governador Ibaneis Rocha (MDB).

Com pouco mais de um mês de investigações, deputados distritais se apoiam em diferentes teses para explicar o que ocorreu em 8 de janeiro —e muitos se dividem entre jogar a culpa no Exército e no governo federal ou pinçar responsáveis no governo local, como o ex-secretário e ex-ministro Anderson Torres, que está preso.

Jorge Eduardo Naime está fardado, de perfil, gesticulando. Ao lado dele está o deputado distrital Chico Vigilante, de terno, com a mão na boca. Os dois estão sentados
O ex-comandante de Operações da PMDF Jorge Naime e o distrital Chico Vigilante em depoimento na CPI dos Atos Antidemocráticos - Rinaldo Morelli - 16.mar.23/CLDF

Ex-líder do governo Ibaneis e PM da reserva, o deputado distrital Hermeto (MDB), relator da CPI, não esconde a preocupação com a imagem da corporação.

Já o nome do governador —afastado pela Justiça por mais de dois meses— mal aparece durante as sessões, e o relator admite que a CPI não pensa em convidá-lo para prestar sua versão dos fatos.

"Todo mundo achou que eu ia puxar sardinha para a PM. Eu só vou dizer a verdade: eles [policiais que estavam na Esplanada] não têm culpa, foram levados ao matadouro. O erro claro foi de quem planejou aquilo ali", afirma Hermeto.

O deputado do MDB diz que será imparcial em seu relatório e promete questionar no documento o "baixo efetivo" da PM do DF e a necessidade de novos concursos.

Assim como Ibaneis, Hermeto afirma que o episódio foi resultado de um apagão generalizado, não só do Governo do DF. O distrital também tem batido na tecla de que os policiais estavam exaustos —sobretudo por causa da tensão entre a derrota de Jair Bolsonaro (PL) e a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Eu confessei, nesta semana, que não estou nem dormindo direito. Fico preocupado com esse relatório. Muito preocupado em fazer justiça. Porque o que estamos vendo aqui, com os depoimentos anteriores, é que todo mundo está jogando a culpa na Polícia Militar", disse o relator durante sessão de março.

Hermeto deixou a PM ainda como subtenente para tentar a política. Começou como administrador regional (cargo semelhante ao de prefeito no DF, mas sem eleição) até se tornar deputado distrital pela primeira vez em 2018, após duas derrotas.

O movimento se deu num período em que praças da PM tentavam espaço no Legislativo para quebrar a hegemonia que os oficiais de alta patente detinham no Distrito Federal.

Com esse cenário, Hermeto se tornou adversário político do coronel Jorge Naime, presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar do DF e ex-comandante de operações da PM local.

Naime era um dos responsáveis pela segurança do Distrito Federal em 8 de janeiro, mas estava de férias. Por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), ele está preso por suposta negligência.

Em seu depoimento à CPI, Naime levou uma comitiva de policiais a tiracolo e sentou à principal mesa do plenário da Câmara Legislativa usando farda. Logo no início, enviou recados a Hermeto e, sem citar o nome do relator, sugeriu que a "interferência política" estava prejudicando a Polícia Militar.

Ao justificar sua folga, o coronel preso disse ainda que estava com os filhos no dia, e que o relator da CPI deveria saber "bem o que é uma ex-esposa, quando não se acerta na vida" —referência clara, segundo deputados, à acusação que a ex-esposa de Hermeto fez contra ele em 2019 por suposta agressão.

"Eu sei muito bem", respondeu o relator a Naime após a provocação.

Hermeto disse à Folha que foi acusado de muitas coisas que não cometeu e que acabou inocentado em tudo.

O deputado também afirmou que não interfere politicamente na PM, mas dá dicas ao governador Ibaneis Rocha.

"Quando ele fala de interferência política, eu digo como sugestão [política]. Eu fiquei 30 anos na polícia, é claro que o governo vai perguntar alguma coisa para mim em relação à Polícia Militar. É normal. Eu não quis polemizar naquele dia porque o cara estava preso, revoltado", afirma.

Diante do jogo de forças na Câmara Legislativa que fez com que a CPI tivesse cinco dos sete membros aliados ao governo Ibaneis, a oposição precisou brigar para emplacar na presidência o deputado distrital Chico Vigilante (PT), um dos principais nomes do PT no Distrito Federal.

Alexandre de Moraes com os deputados distritais Hermeto, Chico Vigilante e Wellington Luiz. Os quatro estão sentados em uma mesa de madeira no gabinete do ministro. Moraes está à direita dos demais
Alexandre de Moraes (à direita) com os deputados distritais Hermeto, Chico Vigilante e Wellington Luiz - Silvio Abdon - 29.mar.23/CLDF

Foi Vigilante quem, em nome do governo Lula, tentou convencer Ibaneis a não levar de volta para a Secretaria de Segurança Pública do DF o ex-ministro de Bolsonaro Anderson Torres.

Integrante da CPI, o deputado distrital Fábio Félix (PSOL) afirma que é preciso entender se houve uma conspiração entre autoridades dos governos federal e distrital para dar um golpe de Estado —com braços dentro do Exército e das forças de segurança do DF.

O parlamentar diz que a maioria dos membros da CPI quer punição para os culpados, inclusive no âmbito do Distrito Federal. Félix defende a apuração ampla dos fatos e diz que o governador deve ser investigado, mas rebate a acusação de colegas bolsonaristas contra o governo Lula.

"O máximo que o governo federal pode ter cometido é omissão. A responsabilidade da segurança pública é do DF, basicamente. Para mim, essa tentativa de jogar para o governo federal é uma narrativa para escamotear a realidade e aliviar para os bolsonaristas", diz.

"É óbvio que um governo empossado não ia tentar dar um golpe. A gente sabe quem estimulou. Não dá para tentar jogar para o governo federal, com oito dias sentado na cadeira. Isso é discurso para criar uma cortina de fumaça na investigação."

Com as disputas políticas dentro da PM e a tentativa do relator de preservar a categoria, os depoimentos têm apontado a artilharia contra o Exército, que cancelou operações para desmontar o acampamento e posicionou tanques de guerra contra policiais para evitar a prisão dos vândalos na noite do dia 8.

Nos próximos dias, a comissão pretende ouvir comerciantes que teriam financiado a estrutura em frente ao quartel-general, além do ex-comandante militar do Planalto, general Gustavo Dutra, e do general Augusto Heleno, chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) no governo Bolsonaro e aliado do ex-presidente.

"É muito importante chegar nos financiadores. Não teria acontecido o que aconteceu em Brasília se não tivesse alguém financiando com alimentos, carro de som, trios elétricos que foram contratados. Dinheiro que foi distribuído lá", afirma Chico Vigilante.

"Esse golpe foi planejado. E tem integrantes do alto comando da Polícia Militar do Distrito Federal envolvidos. A base não estava envolvida porque a base segue ordens. Como naquele dia só tinha 200 policiais na rua?", questiona o petista.

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