Descrição de chapéu
Governo Lula transição de governo

Lula, aliados e rivais ganham tempo nos 100 dias do novo governo

Com ajuda do 8 de janeiro, política se rearranja e esquerdismo do petista pode fazer 'passar boiada'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Os primeiros 100 dias do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram marcados por um jogo calculado de espera. O presidente, seus aliados e rivais aproveitaram fatores exógenos para ganhar tempo enquanto o mundo político se realinha.

O principal desses bólidos a atingir a realidade foi, claro, a catarse golpista do dia 8 de janeiro. Reverberando até agora, a depredação das sedes dos três Poderes teve impacto muito mais positivo do que negativo para a largada do governo.

Lula durante reunião ministerial para marcar os 100 dias de seu terceiro mandato, no Palácio do Planalto
Lula durante reunião ministerial para marcar os 100 dias de seu terceiro mandato, no Planalto - Marcelo Camargo - 3.abr.2023/Agência Brasil

Até a entrada em cena do novo Congresso, em fevereiro, só se discutiu o episódio. A polarização com Jair Bolsonaro (PL) foi exacerbada, o que conversa com a estratégia de Lula de manter o país cindido o máximo possível.

O ex-presidente também presenteou Lula com uma terra arrasada que fez boas intenções, como a retomada da agenda do clima, da discussão de direitos humanos e de uma política externa ativa, parecerem obras grandiosas. Antigas marcas foram tiradas da prateleira, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida.

Política é simbologia, afinal. Não por acaso, quando o Datafolha questionou eleitores no fim de março acerca dos acertos de Lula, política indigenista (cortesia da visibilidade da crise yanomami), combate à miséria (a marca central do petista) e cultura (ministério recriado) apareceram como destaques.

No item mais mal avaliado pelo eleitorado, a economia, jogou-se parado enquanto é montado o que interessa na prática, o novo arcabouço fiscal apresentado no fim de março. Aqui, cumpre ressaltar o papel desempenhado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Ele tem sido instrumental naquilo que líderes aliados têm apelidado, de forma jocosa, de momento Ricardo Salles do governo. É referência ao ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro gravado dizendo que era bom aproveitar a pandemia para "passar a boiada" da desregulamentação em sua área.

Isso porque, nessa visão, Lula tem soltado o verbo e arranjado polêmicas, além de manter uma forte retórica esquerdista, enquanto Haddad seria o responsável por medidas que nunca encontrariam abrigo na base de apoio do presidente.

Embora ninguém no mercado leve pelo valor de face o ajuste fiscal proposto, ele é no papel ainda mais duro do que o empreendido por Lula em seu primeiro mandato, quando beijou a cruz da Faria Lima. Agora, isso não irá acontecer, mas, como diz um desses aliados, "alguns bois vão acabar passando", poupando a imagem presidencial.

É algo ainda a ser aferido. Certo é que esses aliados de Lula, assim como seus rivais, aproveitam o ponto morto pós-8/1 para se reorganizar.

O Congresso perdeu a quase onipotência que tinha quando Bolsonaro entregou os anéis para salvar seu governo, em 2021, simbolizada pelas emendas de relator. Lula equilibrou parte desse jogo, mas não se espera uma volta do tempo em que o Parlamento era um puxadinho do Executivo.

Nesse contexto, há uma nova concentração de atores. Hoje há, grosso modo, quatro grupos principais no Congresso, bastante visíveis no desenho que a formação do bloco PSD-MDB-Republicanos-Podemos-PSC na Câmara mostrou.

Esse novo polo quebrou o centrão tradicional, retirando o Republicanos da esfera do PL e do PP. A adesão desses ex-bolsonaristas ainda precisará ser provada em votações. É um grupo governista, com ministérios, mas que não carregará caixão nenhum à vala em caso de desastre na economia. De quebra, controla o Senado com Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Olhando à frente, o bloco tem um projeto de liderar a centro-direita e encarná-la no governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sob o comando ideológico de Gilberto Kassab (PSD). Se dará certo, é insondável agora.

Mas a oposição bolsonarista na Câmara ficou definida no núcleo de 148 deputados do PL e do PP, que também pode ter flutuação, enquanto a esquerda 100% Lula soma cerca de 140. O restante dos 513 votos parece destinado as serem controlados pelo presidente da Casa, Arthur Lira, que apesar de ser do PP exala poder próprio.

Esses números, claro, são ilusórios, pois dependem de acertos pontuais e pendulares, como no caso da União Brasil e sua suculenta bancada de 59 deputados. As temáticas contam: é um Congresso conservador, então não se espera arroubos ditos progressistas de Lula, e sim o foco na economia.

Assim, o petista tem uma base de Schrödinger, brincando com a abstração da física quântica que propõe que um gato que pode estar vivo e morto ao mesmo tempo. A régua disso deverá ser pontual.

O compasso de espera foi benéfico a todos —até porque Congresso algum se rebela abertamente com três meses de governo. A aprovação vista como mediana de Lula no Datafolha, 38%, e a necessidade de alguma previsibilidade após o caos de Bolsonaro no poder, parecem embasar isso.

Na oposição, a volta do ex-presidente ao Brasil foi um fracasso de crítica e público, mas isso diz pouco para o longo prazo. Embora ele não tenha o DNA de liderar nada e esteja se preocupando com seus rolos judiciais, ainda tem voto. As eleições municipais do ano que vem serão o termômetro disso.

Institucionalmente, Lula teve sucesso. Ele usou bem o crédito que o caos do 8/1 lhe deu e, mesmo sem nunca cumprir a promessa de uma frente ampla, algo que sempre foi só para fins de chutar Bolsonaro do Planalto mesmo, logrou relaxar as tensões nesse meses.

Um bom exemplo é a relação com os militares, marcada por uma terapia de choque quando demitiu o comandante do Exército por bolsonarismo tardio, o grande efeito negativo do 8/1 para o governo. Não que o poder civil tenha enfim se interessado pelo fardado, mas o apaziguamento de José Múcio (Defesa), calcado na dicotomia deferência-verbas que deu certo no passado, está em curso.

Aliados e rivais concordam que a verborragia esquerdista de Lula está descalibrada, mesmo que sirva para passar alguns bois. Episódios como a sugestão de que o plano para matar Sergio Moro era uma armação repercutiram mal, mas também não mudaram planos.

A somatória desses fatores mostra um Lula sem muita gordura própria para queimar, mas contando com um cenário até aqui relativamente benigno, ainda que por interesses díspares.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.