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Ministros de STF precisam de mandato?

Solução é insuficiente para risco de perda de imparcialidade na atuação

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Rubens Glezer

Professor da FGV Direito SP e autor de 'Catimba constitucional'

Todo negociador sabe que, por vezes, as pessoas declaram uma posição sobre o que querem sem ter clareza do seu real interesse, desejos ou necessidades. Isso também ocorre no debate público.

Muita energia é gasta a favor de que se mantenha ou se mude determinada regra ou desenho institucional, sem que se discuta, ao final, quais são os objetivos que perseguimos e os valores que desejamos promover.

É o que ocorre no debate sobre a necessidade de se criar mandato para os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

O prédio do STF, em Brasília
O prédio do STF, em Brasília - Fellipe Sampaio/SCO/STF

No modelo atual, a pessoa indicada para ocupar assento no STF pode ocupá-la até atingir a idade de aposentadoria obrigatória, hoje estabelecida em 75 anos. Isso significa que uma pessoa indicada com a idade mínima, de 35 anos de idade, poderia em tese passar 40 anos no Supremo, ou seja, dez vezes mais tempo que um mandato presidencial.

Mesmo com uma indicação de idade mais recorrente, como de 50 anos de idade, essa pessoa participaria das decisões políticas mais importantes do país por duas décadas.

Diante desse cenário, a criação de mandatos surge como uma forma intuitiva de lidar com esse problema. Porém essa é uma solução insuficiente para o real problema de fundo, com potencial de criar problemas ainda maiores.

Se for criado um mandato, por exemplo, de 12 anos, quais medidas serão tomadas para evitar que esses ministros e ministras julguem casos de olho na sua futura carreira? Isso é um risco para a imparcialidade da sua atuação.

Além disso, como evitar que distorçam o campo político e jurídico com sua vasta influência após deixarem o cargo? Isso é um risco de incentivo a estruturas ainda mais fortes de tráfico de influência.

Se proibirmos que eles possam exercer todo tipo de atividade pública e privada de impacto após o final do mandato, estabeleceremos pensões vitalícias polpudas para custear o grupo razoável de ex-ministros que surgirá?"

Se sim, estaremos criando um incentivo perverso para que a cadeira no Supremo seja utilizada como moeda de troca em negociações políticas.

Além disso, criaremos uma classe de supramarajás do Judiciário, cujas vantagens provavelmente passarão a ser pleiteadas pelo resto do Judiciário e das demais carreiras jurídicas. É isso que desejamos?

Podemos pensar em alternativas melhores se formos mais claros e francos sobre o que incomoda no modelo atual.

Um campo de preocupações diz respeito à performance da pessoa indicada. Há o risco de a pessoa escolhida ser inábil ou incompetente. Nesse caso, o país tem que aturar essa má escolha por anos e talvez décadas.

Outro risco relevante é de aparelhamento do tribunal, com pessoas profundamente alinhadas a uma ideologia ou um grupo de interesse qualquer. Nesse caso, esse ministro ou ministra servirá como uma âncora de poder para esse grupo, mesmo que ele seja incapaz de se eleger novamente.

Sendo assim, precisamos de respostas melhores para escolhas de pessoas inábeis ou ideologicamente inflexíveis.

Nesse campo, o ingresso no Supremo não pode ser um cheque em branco. Além de aperfeiçoar o modelo de seleção (como sugeri em texto anterior na Folha) podemos pensar em um modelo de confirmação pelo Senado, seja após um período inicial de teste ou periódico.

Um outro campo de preocupações diz respeito à falta de mecanismos de controle sobre o tempo de saída de um ministro.

No modelo atual estamos entre extremos: de um lado o Senado pode retirar um ministro por um traumático processo de impeachment ou cabe apenas ao ocupante da cadeira escolher quando sai; em qualquer dia e hora de sua escolha, antes dos seus 75 anos.

Isso é de fato muito casuístico e abre porta para todo tipo de oportunismo e instabilidade. É um problema com o timing da saída de um ministro, que também gera implicações sobre o timing de seleção da pessoa que irá lhe substituir.

Nesse caso podemos incorporar certas regras ao processo de aposentadoria que o autor Adrian Vermeule, inspirado em John Rawls, chama de "mecanismos de véu de ignorância".

São regras muito comuns do constitucionalismo, que projetam as consequências de certas decisões para um futuro que estará em condições desconhecidas.

Por exemplo, hoje nenhuma regra eleitoral pode ser modificada em menos de um ano das eleições. A Constituição estabelece um limite, para que as decisões sobre as regras eleitorais sejam tomadas sem que se tenha certeza sobre quem ela beneficiará.

Em um cenário de incerteza, sem saber quem estará bem e quem estará mal, os legisladores tendem a ser mais justos, premiando menos a situação de vantagem e punindo menos a situação de desvantagem.

Precisamos de algo semelhante no que diz respeito ao controle do tempo de entrada e saída de ministros e ministras.

Por exemplo, por que a nova nomeação deve ocorrer diante de uma vaga concreta e tomar efeito imediatamente?

Podemos introduzir incertezas nesse cenário. Por exemplo, por que a aposentadoria não deve ser anunciada com antecedência de meses ou anos? Não seria possível que um ministro só pudesse sair do cargo ao final do mandato presidencial corrente? Por que a indicação de substituição não é feita anos antes da perspectiva de aposentadoria?

Nesse meio tempo se poderia realizar o processo de seleção da pessoa que irá lhe substituir, assumindo a cadeira apenas em uma situação futura, como meses depois ou no início de outro mandato.

É possível detectar outros problemas com o modelo atual e imaginar outras soluções para lidar com eles.

Os diagnósticos e propostas acima são apenas uma forma de ilustrar como podemos discutir o aperfeiçoamento do Supremo de uma maneira mais criativa e eficiente. Porém, para isso, precisamos abandonar as respostas simplistas que infestam o debate público.

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