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Papel de Bolsonaro na oposição é sumir, diz Kim Kataguiri, deputado e líder do MBL

Parlamentar afirma acreditar ainda que ex-presidente se tornará inelegível e poderá ser preso

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Brasília

O deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP), 27, diz que não há "nenhuma condição" de o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) liderar a oposição contra o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e afirma que, na sua opinião, o ex-chefe do Executivo se tornará inelegível e poderá ser preso.

Depois de passar três meses nos Estados Unidos e desprezar o rito democrático da passagem de poder a seu sucessor, Bolsonaro voltou ao Brasil na quinta-feira (30), em meio à desconfiança de aliados sobre qual papel ele irá exercer na oposição.

"Há todos os elementos para ele se tornar inelegível e agora cada vez mais elementos para ele ser preso. Como é que ele vai liderar a oposição? Eu não vejo nenhuma condição nele. Aí você me pergunta: qual o papel dele na oposição? Para mim, sumir", afirma Kim em entrevista à Folha.

Líder do MBL (Movimento Brasil Livre), o deputado diz que a oposição que ele fará ao governo Lula será propositiva e reconhece que poderá votar com o Planalto em alguns projetos, a exemplo do novo arcabouço fiscal.

Por outro lado, tece críticas sobre a relação do Executivo com o Congresso e afirma que só uma "reforma ministerial radical" fará o governo ter uma base de apoio.

O deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) em seu gabinete, na Câmara
O deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) em seu gabinete, na Câmara - Gabriela Biló/Folhapress

O maior debate no Congresso neste momento é o impasse entre a Câmara e o Senado sobre a tramitação das medidas provisórias (MPs). Qual a avaliação do senhor sobre isso? Temos um modelo hoje que está na Constituição. Enquanto está na Constituição, precisa ser cumprido. Agora, é um modelo disfuncional, o governo deveria utilizar [MPs] apenas em situações excepcionais. Enquanto não se resolve o impasse, tem que ser instituída comissão especial no modelo que prevê a Constituição. Agora, precisa ter um acordo político, porque não está funcionando.

A Constituição não estabelece a composição das comissões. E isso é usado pela Câmara como argumento para sugerir mudanças na proporcionalidade. Acho que a proporção pode ser negociada. Se chegar numa pacificação de três deputados para um senador, acho que atende. Os relatórios que saíam das comissões especiais sempre tinham mudanças substanciais quando iam para o plenário, tanto da Câmara quanto do Senado —principalmente na Câmara, justamente pela sub-representatividade nas comissões.

O Senado sinalizou que não aceita alterar a proporcionalidade dos membros na comissão. Avalia ser possível chegar a um meio-termo? O impasse precisa se resolver o mais rápido possível, porque, se não tiver um acordo político, independentemente da legislação que está em vigor, as MPs vão simplesmente caducar. Tem o rito previsto na Constituição, mas basta os líderes da Câmara não nomearem seus membros para a comissão. Aí não dá quórum e acaba a medida provisória.

Concorda com a declaração do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que as comissões mistas são "antidemocráticas"? Não. Antidemocráticas é um exagero.

Acha que Lira esticou a corda demais nesse conflito? Não. Ele explicitou que precisa ter um acordo político independentemente daquilo que está na legislação. Sem ele, as MPs vão caducar. Nessa conclusão dele, eu concordo. Se não tiver acordo, não vai funcionar. As duas Casas precisam concordar no procedimento.

Há uma avaliação entre parlamentares que esse impasse é uma tentativa de fazer frente a Lira, que acumulou grande poder na última legislatura. Nessa discussão não há hipótese de esvaziamento de poder do presidente da Câmara. Nem pelo fato de ser o Lira, é pelo próprio processo legislativo em si. Ao tratar de MP, a palavra final é da Câmara. Sempre será analisada pelo plenário, e o relator sempre vai ter o poder de mudar o texto inteiro. A comissão pode ter 40 senadores e zero deputados. [A MP] vai vir para a Câmara, e a gente vai poder fazer o que quiser.

Lira já deu declarações de que sua atuação como presidente da Câmara nesta legislatura será a mesma que foi sob o governo Bolsonaro. Como acha que será a relação de Lira e o governo Lula? O Lira do governo Bolsonaro definitivamente não é o Lira do governo Lula. Como Bolsonaro escolheu se omitir da articulação política e escolheu criar o orçamento secreto para que o presidente da Câmara formasse base para o governo para aprovar suas matérias, Lira não tinha só o compromisso de pautar as matérias do governo. Ele tinha o compromisso de entregar a maioria, de entregar aprovação.

Com o fim do orçamento secreto, o compromisso do Lira é o de pautar as matérias ou não pautar as matérias de acordo com os interesses do governo. Mas não de construir base. A obrigação de colocar voto no plenário hoje é do governo, não dele. Lula se dispõe a fazer a articulação política, apesar de estar fazendo muito mal.

Por que avalia que a articulação está ruim? Lula não tem base até agora, tanto que nenhum projeto do governo foi pautado. A base do governo hoje é só a federação do PT. A distribuição de ministérios não funcionou. Dos 37 ministérios, salvo engano, 24 são indicações do PT ou do Lula —e são os principais ministérios. O resto, pastas menos importantes, seja pela sua competência, suas atribuições ou seu orçamento, ele distribuiu entre os outros partidos, mas isso não atendeu às bancadas.

Você acha que [o presidente do PSD, Gilberto] Kassab vai entregar voto porque ele está com o Ministério da Pesca? Não vai acontecer. Ou você tem uma reforma ministerial radical, o PT abre mão de ministérios, o Lula abre mão de ministérios, ou o governo não vai ter base.

O seu partido, União Brasil, tem três ministérios, mas ainda se declara independente. O principal ministro [Waldez Góes] nem do partido é, é do PDT. Além disso, foi indicação de um senador, não foi nem da bancada do Senado. Nem o Juscelino [Filho] nem a Daniela [Carneiro] foram indicações da bancada. São colegas, são deputados. Mas não houve uma reunião de bancada para decidir quem assumiria ministérios. O Lula indicou.

Avalia que o partido não deveria ter aceitado participar do governo? Ele não topou. Os três [parlamentares] toparam fazer parte do governo, não o partido.

Em algum momento a União Brasil vai participar do governo? Independentemente do que acontecer, vou ser um deputado de oposição

No começo do governo Bolsonaro o senhor não era oposição mas depois passou a ser. O que mudará agora na sua atuação enquanto oposição a Lula? A minha oposição continua centrada em fiscalização de dinheiro público e em combate a políticas públicas que eu acredito que ou promovam impunidade ou retrocesso para a economia ou retrocesso institucional para o país. A postura é a mesma.

Qual será o papel da oposição neste governo? Será o papel da oposição em qualquer governo. Fiscalizar, como diz a Constituição, os dinheiros públicos e a execução de políticas públicas dos ministérios e se posicionar em relação aos projetos que são enviados pelo governo. Vamos ter um debate muito propositivo, mas que está débil porque está sendo feito por um grupo de trabalho muito limitado, que é o da reforma tributária.

Há pelo menos uma boa vontade de praticamente todos os setores da Câmara em se discutir o tema. Ainda mais, e aí eu acho que o governo acertou, porque ele não mandou uma reforma própria, aproveitou um debate que já estava acontecendo no Congresso.

E a discussão da âncora fiscal que, se for uma âncora responsável, se houver de fato uma limitação do endividamento público, uma limitação do gasto público, independentemente de ser oposição, por princípio, sou a favor de haver uma âncora fiscal que limita gastos. Então vou votar a favor.

Bolsonaro é considerado uma figura que poderá liderar a oposição. O senhor fará parte desse grupo que terá ele como líder? Jamais. Bolsonaro é corrupto, é vagabundo e é quadrilheiro. E não tem a menor condição de liderar a oposição.

A gente está chegando a cem dias de governo e agora que ele volta de Orlando? Quando ele era presidente da República, nas eleições municipais, ele não fez base. Ele estava com a caneta na mão, era governo federal e ele não fez base. Imagina na oposição o que ele vai fazer na eleição municipal? Não vai ter capacidade de articular nada.

Pior do que isso, na minha avaliação, ele vai se tornar inelegível. Há todos os elementos para ele se tornar inelegível e agora cada vez mais elemento para ele ser preso. Como é que ele vai liderar a oposição? Eu não vejo nenhuma condição nele. Aí você me pergunta: qual o papel dele na oposição? Para mim, sumir.

E o capital político do ex-presidente? Os votos que ele teve foram mais antipetistas do que votos dele. A minha avaliação não é que o Lula ganhou a eleição, é que o Bolsonaro perdeu para si mesmo.

Qual a sua avaliação sobre os cem primeiros dias do governo Lula? São cem dias sem nada [risos]. Não teve absolutamente nenhuma votação. Terceiro mês de governo e a gente está votando nome de rodoanel. Câmara dos Deputados nem vota isso, isso é coisa de Assembleia Legislativa.

O senhor já deu declarações de que acha impossível votar a reforma tributária no primeiro semestre. Por que acha isso? Enquanto o governo não tiver base, não vai votar a reforma tributária só pela boa vontade da Câmara em analisar. Outro ponto é que a reforma é complexa demais para ser aprovada no primeiro semestre, ainda mais num cenário de caos que a gente está hoje. Estamos em abril praticamente. Não tem nem dois meses para aprovar uma PEC.

Como avalia a atuação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad? Tenho visto ele participar muito pouco, pelo menos na Câmara, do debate sobre a reforma tributária. Ao mesmo tempo, ele está sendo alvo de fogo amigo. No arcabouço, acho que está faltando diálogo com a Câmara sobre qual vai ser. E outras medidas, como o Carf [MP enviada pelo governo estabelece o fim da regra de que julgamentos que terminam empatados são considerados favoráveis aos contribuintes], por exemplo, acho que vai ser uma grande derrota para o governo.

RAIO X

Kim Kataguiri, 27
Nascido em Salto (SP), Kim Kataguiri é deputado federal e coordenador do MBL, movimento político liberal e conservador. Está em seu segundo mandato. Em 2022, foi o décimo candidato a deputado federal mais votado do Brasil —com 295.460 votos.

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