Bolsonaro volta ao Brasil sob desconfiança de aliados para liderar oposição

Nos EUA, ex-presidente busca minimizar seu protagonismo; PL prepara agenda de viagens e mira 2024

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Brasília e Orlando (EUA)

Três meses após viajar aos Estados Unidos e desprezar o rito democrático de transmitir simbolicamente o poder a seu sucessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) desembarcou no Brasil nesta quinta-feira (30) em meio à desconfiança de aliados sobre seu protagonismo na oposição contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A expectativa de líderes do PL ouvidos pela Folha é que, com o retorno de Bolsonaro, uma agenda de viagens pelo país e a convocação de pronunciamentos para criticar Lula ajudem o ex-presidente a retomar posição de destaque.

Outro foco, segundo aliados de Bolsonaro, será a formação de candidaturas para as eleições municipais de 2024, consideradas como termômetro para o pleito presidencial de 2026.

Jair Bolsonaro dentro do avião na volta ao Brasil, nesta quarta-feira (29) - Anna Virginia Balloussier/Folhapress

Bolsonaro embarcou na noite desta quarta (29) no aeroporto de Orlando, na Flórida —a chegada ocorreu às 6h38 em Brasília. Após entrar no avião, ainda nos EUA, ele chegou a ser aplaudido, mas um passageiro gritou "cadeia".

No embarque, Bolsonaro buscou afastar, em entrevista à CNN Brasil, seu protagonismo de líder da oposição.

"O PL detém quase 20% das bancadas da Câmara e do Senado. Digo: não vou liderar nenhuma oposição. Vou participar com o meu partido, como uma pessoa experiente, 28 anos de Câmara, quatro de presidente, dois de vereador e 15 de Exército, para colaborar com aqueles que assim desejarem", afirmou.

"Temos hoje em dia uma direita que cada vez mais se aglutina, sabe o que quer, sabe o que deseja, tem um alvo, um objetivo. Não é oposição irresponsável, oposição pela oposição", disse.

Bolsonaro não quis responder a perguntas da Folha sobre sua volta e a intimação feita pela Polícia Federal para depor sobre o caso das joias presenteadas pela Arábia Saudita.

Há uma avaliação interna no PL de que o ex-presidente deixou de aproveitar erros de Lula enquanto esteve nos Estados Unidos e viu outros políticos ganharem espaço no antagonismo ao PT —como o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), citado em investigação da Polícia Federal como alvo do PCC em planos criminosos.

Bolsonaro ainda deve responder a uma série de ações na Justiça que podem torná-lo inelegível e causar desgaste para sua imagem.

O comando do PL traça uma estratégia para tentar posicionar Bolsonaro como líder da oposição contra Lula. Aliados dizem que a função é complexa, uma vez que o ex-presidente não tem cargo público e não dispõe mais da superexposição de um presidente da República.

O plano passa por aproveitar a imagem da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro em campanhas publicitárias e viagens, com o objetivo de disseminar ainda mais o bolsonarismo entre evangélicos e quebrar resistências do público feminino ao ex-mandatário.

Um dos principais aliados de Bolsonaro, o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten diz acreditar que o ex-presidente terá de "fazer política". "[Ele] Vai viajar o Brasil, vai participar ativamente das eleições municipais que pavimentarão as [eleições] de 2026", disse Wajngarten à Folha.

O foco do PL é definir candidaturas fortes nas principais capitais do país, como Rio de Janeiro e São Paulo, e construir uma base no Nordeste para fazer frente ao favoritismo que Lula tem há 20 anos na região.

Para isso, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, escalou uma equipe em Brasília para pensar as candidaturas de 2024 junto com os diretórios regionais. O grupo é comandado pelo general da reserva Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil de Bolsonaro e atual secretário de Relações Institucionais do partido.

Uma posição pragmática na oposição é advogada até pela ala mais ideológica do partido. Um dos filhos do ex-presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) defendeu à Folha que o pai abandone as motociatas, como ficaram conhecidos os passeios de moto do ex-presidente com os apoiadores, e use sua influência política para inflamar o antipetismo.

"Enquanto o inimigo estiver errando é bom você deixar isso transcorrer", afirmou Eduardo, avaliando o que considera falhas de Lula no início do governo. "É claro que eu não sou dono da agenda dele, mas eu o aconselho a não fazer motociatas. O momento agora é focar nas questões do desgoverno."

Eduardo diz ainda que Bolsonaro deverá "cair de cabeça" na campanha municipal, com agenda de viagens, para tentar reeditar a onda bolsonarista das eleições de 2018.

O deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), vice-presidente do partido, afirma que Bolsonaro terá três papeis importantes após sua volta: liderar a oposição, fortalecer o PL e turbinar a candidatura das eleições municipais.

"Tem muito trabalho, então eu acho que precisa ser uma oposição consciente. Criticar o que tem de ser criticado —mais sniper do que tiro de 12 com chumbinho. Quando ele for criticar o governo, tem que ser algo bem direcionado na economia, nas relações exteriores, na segurança", afirma Augusto.

Apesar das expectativas dos dirigentes do Partido Liberal, aliados de Bolsonaro passaram os quatro anos de seu governo tentando encaixar o ex-presidente numa agenda pragmática e focada na política, para evitar desgastes considerados desnecessários.

Bolsonaro, porém, manteve o perfil agressivo e usou cerimônias públicas para atacar adversários políticos e ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Mesmo desaconselhado, convidou embaixadores para uma audiência no Palácio da Alvorada para divulgar informações falsas com ataque às urnas eletrônicas.

Integrantes da cúpula do PL consultados pela Folha afirmam, sob reserva, que a postura belicosa de Bolsonaro tem mais bônus do que ônus na posição de oposicionista —balança que, na avaliação deles, é inversa ao inquilino do Palácio do Planalto.

Um dos receios, no entanto, é que Bolsonaro use seu retorno político para reeditar declarações públicas elogiosas ao aniversário do golpe militar de 1964, na sexta-feira (31).

Diferente da ida aos EUA, quando um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) levou Bolsonaro e sua comitiva, ele programou viajar de volta ao Brasil em um avião comercial.

No assento do lado estaria Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor de Bolsonaro e um dos membros do grupo apelidado de "gabinete do ódio". A comitiva ainda teria seguranças do presidente, ligados ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional), e outros assessores que o acompanhavam nos EUA.

No Brasil, o primeiro destino de Bolsonaro será a sede do PL, na área central de Brasília, onde deve se encontrar com parlamentares do partido para um evento fechado.

A volta de Bolsonaro mobilizou as forças de segurança do Distrito Federal em torno de um plano operacional para evitar que novas cenas de vandalismo ou tumulto tomem a capital federal.

A Polícia Federal decidiu que o ex-presidente não sairá pelo saguão tradicional do aeroporto internacional de Brasília, para evitar que mantenha contato com apoiadores que se organizam para dar as boas-vindas ao político no local.

O objetivo, segundo o superintendente da PF no Distrito Federal, Cezar de Souza, é evitar aglomerações de pessoas no aeroporto e um eventual impacto no embarque e desembarque de passageiros.

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