Comissão aprova mudanças no governo Lula que fortalecem centrão e retiram poder de Marina

Relatório pavimenta volta da Abin para militares; base petista não conseguiu evitar mudanças ambientais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

A comissão mista formada por deputados e senadores que analisa a MP (Medida Provisória) da reorganização da Esplanada dos Ministérios aprovou em sessão nesta quarta-feira (24) mudanças no governo Lula (PT) que fortalecem o centrão e retiram poder da ministra Marina Silva (Rede).

O texto, de autoria do líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr. (AL), desidratou a política ambiental do governo —competências de órgãos que atualmente estão com o Meio Ambiente e os Povos Indígenas serão transferidas para outras pastas. O texto foi aprovado por 15 votos a 3.

Votaram contra o texto o deputado Zé Trovão (PL-SC) e os senadores Eduardo Girão (Novo-CE) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Ao final da votação, o senador Rogério Marinho (PL-RN) pediu para que fosse registrado seu voto contrário.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente - Adriano Machado - 24.mar.23/Reuters

O novo relatório restabeleceu ainda texto original da MP, como foi enviada por Lula, devolvendo a competência de coordenação das atividades de inteligência federal para a estrutura do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) —pavimentando a volta da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para o órgão militar.

Em seu primeiro relatório, Isnaldo havia transferido essa competência para a estrutura da Casa Civil, seguindo decreto enviado pelo governo Lula em fevereiro.

Segundo membros do Executivo ouvidos pela Folha, essa mudança no texto da MP reforça que a agência deverá retornar para o GSI.

A MP agora deverá ser votada nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Há uma pressão pela celeridade da apreciação da matéria, uma vez que ela perderá a validade no próximo dia 1º.

Membros do Executivo atuavam junto à lideranças da Câmara para tentar levar a MP ao plenário da Casa ainda nesta quarta.

Segundo o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), o Executivo tentou ao longo da manhã um acordo com o relator para tentar reverter pontos relativos à pauta ambiental --sem obter sucesso.

"Nós, o governo, não conseguimos avançar embora tenhamos advogado, mas nenhum dos aspectos da questão ambiental conseguimos ter avanços", afirmou.

Randolfe disse, porém, que o governo sai vitorioso, por ter conseguido manter 90% da medida provisória enviada ao Congresso.

"Pressionado por uma circunstância que não foi do governo —o impasse entre Câmara e Senado [pela tramitação das MPs]—, o objetivo final e central do governo, de aprovação em tempo hábil, [...] esse objetivo está sendo alcançado", completou.

Houve, inclusive, uma reunião na noite de terça (23) na qual foram apresentadas algumas demandas, como uma que alteraria a redação do trecho que retira a demarcação de terras do ministério de Sônia Guajajara e coloca na Justiça, mas sequer isso foi acatado.

Até poucos momentos antes da votação do relatório nesta quarta, membros do governo agiam para tentar, ao menos, fazer com que houvesse uma espécie de colaboração entre os dois ministérios ao tratar do tema (o que não ocorreu).

Segundo integrantes do governo, o relatório apresentado por Bulhões foi além do que havia sido acordado previamente com o governo, sobretudo na questão das demarcações e também da Agência Nacional de Águas (ANA), que deixará o Meio Ambiente para o Desenvolvimento Regional —pasta comandada por Waldez Góes (PDT), indicado por parlamentares da União Brasil para o cargo.

Também foi aprovada a transferência do CAR (Cadastro Ambiental Rural), instrumento para controlar terras privadas e conflitos em áreas de preservação, do ministério chefiado por Marina para o da Gestão e Inovação em Serviços Públicos.

O órgão é considerado importante por gerenciar a fiscalização de crimes ambientais em propriedades rurais, como grilagem e desmatamento.

O relatório aprovado consolida uma manobra da bancada ruralista, que, como antecipou a Folha, atuou para esvaziar o ministério de Marina Silva.

Parlamentares ligados à bancada ruralista apresentaram emendas que, na prática, retomavam o organograma ministerial da gestão de Jair Bolsonaro (PL) —inclusive com a extinção do ministério dos Povos Indígenas.

A intenção dos ruralistas era que a política ambiental fosse esvaziada. Apesar da pasta indígena não ter sido extinta, ela perdeu uma de suas principais atribuições, a de aprovar ou não estudos de demarcação de terra.

Já o CAR, por mais que não tenha ido para a Agricultura, como era no governo Bolsonaro —foi para a Gestão—, deixou as mãos de Marina Silva, que nos últimos dias deu diversas declarações defendendo que o instrumento ficasse sob sua tutela.

Ainda, o Ministério das Cidades, comandado por Jader Filho (MDB-PA), passará a ficar responsável por sistemas de informações que, pela MP de Lula, estavam na alçada de Marina.

São eles: Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico), Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos) e Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos).

O governo também havia criticado o movimento do relator emedebista de transferir a competência de "vias navegáveis" do ministério de Portos e Aeroportos, comandado por Márcio França (PSB), para o de Transportes, chefiado por Renan Filho (MDB).

Segundo membros do Executivo, essa troca não havia sido acordada. No relatório final, no entanto, o Planalto conseguiu negociar e fazer com que Isnaldo voltasse atrás, devolvendo a competência à pasta de Portos e Aeroportos.

Como a Folha mostrou, o Planalto agiu para tentar evitar derrotas em áreas prioritárias para Lula na MP. Com o aval do petista, a articulação política do governo cedeu à pressão do centrão, principalmente dos ruralistas, para blindar a Casa Civil, responsável pela execução dos projetos mais importantes para o presidente, como o PPI (Programa de Parceria de Investimentos).

Por outro lado, algumas competências da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) que inicialmente seriam retiradas do Ministério do Desenvolvimento Agrário para o Ministério da Agricultura, se mantém em sua pasta original.

Esse movimento pode ser considerado uma vitória para o ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) que tentava desde terça-feira (24) o reestabelecimento dessas atribuições.

Entenda a MP da Esplanada e as polêmicas em torno dela

O que é a Medida Provisória? A MP da Esplanada dos Ministérios foi assinada por Lula durante a posse, a fim de reorganizar o primeiro escalão e suas funções —o petista aumentou de 23 no governo Jair Bolsonaro (PL) para 37 as pastas, e distribuiu algumas funções para os novos titulares

Quando o ato perde validade? A Medida Provisória tem duração de 60 dias, com prorrogação para mais 60. Lula assinou a reorganização da Esplanada em 1º de janeiro, dia de sua inauguração no governo, mas ela só passou a tramitar em fevereiro, quando se encerrou o recesso parlamentar. Com isso, ela deve ser votada até 1º de junho, ou perderá seus efeitos.

Como anda a tramitação da MP? A comissão mista para análise da medida aprovou o relatório nesta quarta-feira (24). O texto deve agora ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados e do Senado, para se tornar permanente

Por que a medida é importante para o Planalto? A MP basicamente define a organização do governo federal, o que também interfere nas competências de cada ministério, e, portanto, até onde uma pasta pode executar em termos de política pública

Quais as polêmicas em torno da reorganização? O relator da Medida Provisória e líder do MDB na Câmara, o deputado federal Isnaldo Bulhões Jr. (AL), desidratou a política ambiental do governo —competências de órgãos que atualmente estão com o Meio Ambiente e os Povos Indígenas serão transferidas para outras pastas. Ele também empoderou os ministérios com partidos do centrão, que terão mais funções em sua alçada. Marina Silva (Rede), titular do Meio Ambiente, é quem mais perde atribuições, enquanto trava disputa interna sobre a exploração da foz do rio Amazonas pela Petrobras

Quais são as principais mudanças? Marina perderá alguns sistemas de informações em saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos para o Ministério das Cidades. Também deixará de comandar a ANA (Agência Nacional de Águas), movida para o Desenvolvimento Regional, e o CAR (Cadastro Ambiental Rural), transferido para o Ministério da Gestão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.