Decisão de Moraes sobre Telegram é genérica sem apontar artigo de lei violada

Ministro do STF determinou remoção de mensagem pela empresa e ameaçou suspensão em caso de descumprimento

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Na decisão em que determinou ao Telegram que apagasse a mensagem contra o PL das Fake News, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes não aponta quais artigos da lei a empresa teria violado, apesar de falar em condutas ilícitas.

Além disso, na avaliação de advogados e professores consultados pela Folha, a conexão do caso com o objeto do inquérito das fake news deveria estar melhor fundamentada, sob risco de praticamente qualquer tema relacionado a desinformação poder ser incluído na investigação que corre na corte desde 2019.

Alexandre de Moraes, na sede do TSE - Pedro Ladeira-24.abr.23/Folhapress

"A conduta do Telegram configura, em tese, não só abuso de poder econômico às vésperas da votação do Projeto de Lei, por tentar impactar de maneira ilegal e imoral a opinião pública e o voto dos parlamentares –mas também flagrante induzimento e instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais investigadas no INQ 4.874, com agravamento dos riscos à segurança dos parlamentares, dos membros do Supremo Tribunal Federal e do próprio Estado Democrático de Direito, cuja proteção é a causa da instauração do INQ. 4.781", diz trecho da decisão.

O ministro, ao falar sobre liberdade de expressão, chega a citar um artigo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

De acordo com Moraes, a mensagem enviada pelo Telegram "tipifica flagrante e ilícita desinformação atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário, ao Estado de Direito e a Democracia Brasileira, pois, fraudulentamente, distorceu a discussão e os debates sobre a regulação dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada, na tentativa de induzir e instigar todos os seus usuários a coagir os parlamentares".

Outros pontos são vistos como problemáticos pelos especialistas consultados. Um deles seria a falta de proporcionalidade em determinar a suspensão do aplicativo, em caso de descumprimento, em vez de aplicar apenas multa.

A advogada Flávia Lefèvre, especialista em direito digital e do consumidor, considera que a decisão de determinar o bloqueio em caso de descumprimento foi desproporcional e deixou em aberto um princípio das decisões judiciais, que é o da motivação fundamentada.

Ela destaca que, especialmente por ser um inquérito penal, o cumprimento desse princípio é importante.

Na avaliação dela, houve abuso da liberdade de expressão pelo Telegram e pode se falar em prática de abuso de poder econômico ou de posição bastante significativa no mercado.

No entanto a advogada destaca que a menção genérica a ter havido "utilização de mecanismos imorais e ilegais que podem, em tese, constituir abuso de poder econômico" não sustenta a gravidade das penalidades impostas pelo ministro em caso de descumprimento –e que poderiam alcançar inclusive os usuários do aplicativo.

"Ele fala que a atitude do Telegram ao deflagar essa mensagem é imoral e ilegal, mas ele não menciona nenhum dispositivo de lei para indicar qual seria essa ilegalidade", diz.

Ela também questiona se o inquérito das fake news seria o caminho adequado para lidar com o fato e destaca medidas tomadas por outros órgãos, como o Ministério Público Federal e a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) do Ministério da Justiça.

O ministro determinou que inclusive pessoas físicas e jurídicas que viessem a usar o aplicativo por meio de VPN, em caso de bloqueio, estariam sujeitas a responsabilização, como multas. Algo que o ministro já tinha feito na decisão de bloqueio do ano passado.

Paulo Rená da Silva Santarém, que é doutorando em direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília e codiretor da ONG Aqualtune Lab —integrante da Coalizão Direitos na Rede— considera que houve abuso econômico e abuso comunicacional na conduta do Telegram, mas critica que o ministro não tenha indicado as bases legais da decisão.

"Essa decisão não respeita o princípio da legalidade estrita", diz. "Se a gente está falando até em responsabilidade penal, ele precisa dizer qual artigo está sendo violado."

Rená também critica que tenha sido citada a palavra imoralidade.

"É curioso que ele chama de imoral. Imoralidade é um princípio da administração pública, administração pública tem uma vedação em relação a imoralidade", diz. " [É] indicativo do autoritarismo da fundamentação da decisão, por mais que o resultado seja adequado, o fundamento não foi adequado."

Na decisão, Moraes escreve que: "Em uma Democracia, é possível que todo grupo social ou econômico que se sinta prejudicado em seus objetivos corporativos passe a procurar mecanismos —legais e moralmente aceitáveis— para influenciar diretamente as instituições do Estado, ou indiretamente a opinião pública".

"Caso os mecanismos não sejam legais e moralmente aceitáveis haverá grave desvirtuamento e caracterização de abuso de poder econômico, com possibilidade de responsabilização civil, administrativa e penal", afirma o ministro.

Carlos Affonso Souza, advogado e diretor do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade), considera que o ministro precisaria ter desenvolvido melhor na decisão a conexão da conduta da empresa com o objeto do inquérito das fake news.

O ministro Moraes sublinhou em negrito trecho do objeto que diz que faz parte da investigação: "A verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do poder Judiciário e o Estado de Direito".

Para Souza, a parte do objeto do inquérito que fala em "divulgação em massa" nas redes sociais seria mais próxima ao caso do Telegram. Já a parte de "esquema de financiamento" seria a ligação para o caso do Google, empresa que também foi alvo de decisão semelhante na semana passada.

Na questão do mérito, Souza considera que é discutível dizer que o texto do Telegram seria uma desinformação.

Para ele, há exagero por parte da empresa ao falar em censura e também ao falar que o projeto seria um ataque a democracia, mas ele avalia que é justificada a crítica que o aplicativo faz de que haveria um aumento de vigilantismo por força do projeto de lei e que há pontos que precisariam ser melhorados.

"O Telegram exagera, ele talvez até se equivoque na análise, mas dizer que esta nota em si é uma peça de desinformação, eu acho que esse é um ponto que é discutível", afirma.

Na parte da argumentação, Souza também aponta como problemático que a decisão não faça uma distinção do porquê a conduta da empresa se difere de outras campanhas da sociedade civil para pressionar o Congresso, sob o risco de criminalização desse tipo de ação sem restrições democráticas.

Em paralelo, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu autorização do STF para abrir um inquérito sobre dirigentes do Google e do Telegram no Brasil para investigar suspeitas de crimes contra as instituições democráticas, crimes contra a ordem consumerista e crimes contra a economia e as relações de consumo, com indicação de leis e artigos que poderiam estar configurados.

A solicitação à PGR foi feita pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o órgão viu a necessidade de esclarecer a conduta dos dirigentes das companhias.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.