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Bolsonaro usa disfarce de político tradicional para atravessar deserto da inelegibilidade

Ex-presidente tenta amortecer prejuízos com entrevistas e mergulho na burocracia partidária

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Brasília

Em três décadas na política, Jair Bolsonaro aproveitou a tribuna da Câmara para chamar a atenção, usou palanques de campanha para fabricar inimigos e recorreu ao microfone da Presidência para tentar ampliar seus poderes.

A derrota nas urnas, a saída envergonhada do cargo e, agora, a ameaça de punição pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) retiram do ex-presidente algumas de suas principais ferramentas. Tudo indica que Bolsonaro precisará atravessar o deserto da inelegibilidade.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em entrevista às vésperas do julgamento de ação de inelegibilidade no TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em entrevista às vésperas do julgamento de ação de inelegibilidade no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) - Marlene Bergamo - 25.jun.23/Folhapress

O ex-presidente experimenta um disfarce de político tradicional para preservar força nos próximos oito anos. Prestes a ser julgado, Bolsonaro deu entrevistas para uma imprensa que ele trata como rival (para a Folha, foram duas), mergulhou na burocracia partidária (apesar de uma antiga aversão declarada a partidos) e tentou exibir distância de alguns aliados estridentes.

Bolsonaro fez uma escolha tática para amortecer os prejuízos que deve sofrer. É uma jogada para tentar contornar, dentro do possível, os efeitos de sua conversão num político com expectativa de poder temporariamente bloqueada e sem o megafone de cargos públicos.

O ex-presidente aproveitou a temperatura do julgamento do TSE para aumentar sua exposição. No domingo (25), apareceu no Allianz Parque para assistir a uma partida do Campeonato Brasileiro e deu até uma entrevista sobre futebol ao apresentador Milton Neves, na rádio Bandeirantes.

Nesta etapa, Bolsonaro seguiu a cartilha de políticos profissionais e topou falar com um veículo que ele fez questão de tratar como inimigo por quatro anos. O ex-presidente deu uma entrevista à Folha na quinta-feira (22) e outra no domingo.

Enquanto esteve no Palácio do Planalto, Bolsonaro elegeu o jornal como símbolo de seu embate com a imprensa. No primeiro ano de governo, disse que não tinha interesse em ler a Folha e que nenhum ministro deveria fazê-lo. Ele chegou a fazer uma ameaça de boicote ao dizer que não compraria produtos de anunciantes do jornal.

Atacar a imprensa e manter distância de veículos que considerava incômodos era um instrumento político importante para Bolsonaro. O objetivo era desacreditar reportagens sobre temas negativos e disseminar em sua base mais agitada a ideia de que só informações divulgadas pelo governo e seus aliados eram confiáveis.

Fora do cargo e às vésperas de uma provável condenação, o ex-presidente abriu uma exceção –ou duas. Comentou o julgamento do TSE e analisou seu futuro político em entrevistas à repórter Marianna Holanda, em Brasília, e à colunista Mônica Bergamo, em São Paulo.

Bolsonaro sabe que o processo na corte eleitoral é um evento de interesse público e considerou que o momento era propício para exibir sua visão sobre o julgamento também num veículo que faz uma cobertura crítica de governos e políticos em geral.

Nas duas entrevistas, o ex-presidente tentou passar mensagens para um público mais amplo do que o cercadinho de seus anos no Palácio da Alvorada e deixou clara sua intenção de avisar que quer continuar no jogo, mesmo inelegível. Afirmou que pretende ficar ativo na política e que tem planos para um sucessor em 2026.

A preparação de Bolsonaro para os oito anos de inelegibilidade também passa pela montagem de uma rede de apoio dentro da estrutura partidária tradicional. O ex-presidente negociou sua contratação para um cargo remunerado no PL, participou de campanhas de filiação à sigla e entrou nas articulações para o lançamento de candidaturas pela legenda.

Bolsonaro já vinha se acostumando a esse figurino há alguns anos, desde que mudou o tom de suas críticas ao centrão ("a nata do que há de pior no Brasil") para fechar uma aliança com o grupo que o sustentou na Presidência até dezembro de 2022.

Tanto naquela época como agora, o objetivo era garantir sua sobrevivência. No governo, Bolsonaro aumentou a influência ao centrão e instalou aquelas legendas no coração do Planalto visando permanecer no cargo e ampliar suas chances de reeleição. Às vésperas da inelegibilidade, ele espera que o trabalho como funcionário e aliado de Valdemar Costa Neto o ajude a manter força.

Sem mandato, a vida partidária se torna um dos principais canais de atuação política de Bolsonaro. Em troca de impulso para a sigla, o PL dará o dinheiro e o espaço de que o ex-presidente precisa para se manter em evidência e demonstrar que é um personagem que conserva apoio de massa.

O protagonismo em atos de filiação deve dar a Bolsonaro um palanque, enquanto a participação nas próximas eleições municipais seria uma oportunidade para testar seu potencial de transferência de votos.

Usar a máquina do PL para as disputas de 2024, nesse sentido, seria uma fase preliminar para a criação de um sucessor. Se os aliados de Bolsonaro fracassarem nas corridas municipais, ele perderá influência sobre a escolha de um candidato de direita à Presidência em 2026.

Nesse ponto, entra mais um ajuste realizado pelo ex-presidente. Bolsonaro deu sinais de que pode fazer escolhas casadas com os cardeais da política tradicional –como o provável endosso à reeleição de Ricardo Nunes (MDB) em São Paulo, rifando a candidatura de Ricardo Salles (PL).

Operadores otimistas do centrão gostariam que os passos de Bolsonaro amenizassem a imagem que o próprio ex-presidente construiu ao longo de décadas. Convertido à cartilha do mundo político, segundo essa visão, ele evitaria provocações ao TSE às vésperas do julgamento e ainda camuflaria as posições radicais do passado, pelas quais ele será provavelmente punido.

Bolsonaro já se valeu da cartilha de Valdemar Costa Neto, Ciro Nogueira e Michel Temer em outros momentos de crise. As experiências nunca duraram muito.

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