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Lula não é procurado pela Justiça estrangeira, ao contrário do que sugere vídeo

Post usa trecho de discurso em que o deputado de Nova York George Santos critica a política externa do governo brasileiro

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São Paulo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não é procurado pela "Justiça estrangeira". O líder brasileiro não integra a lista da Interpol de procurados internacionalmente e também não teve problemas com a Justiça local de nenhum dos 15 países que já visitou em 2023.

Uma pergunta que levanta essa suspeita foi inserida em vídeo com um discurso do deputado norte-americano George Santos, proferido em 11 de julho deste ano. Apesar das críticas a Lula (leia abaixo), o congressista não disse ou sugeriu que o presidente brasileiro seja procurado pela Justiça no exterior, como verificado pelo Projeto Comprova.

Santos citou apenas uma denúncia contra o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que tramita na Justiça dos Estados Unidos. O processo não tem qualquer ligação com Lula. Também não foram identificados processos nos Estados Unidos ou em tribunais de outros países com mandado de prisão contra o petista.

George Santos usa camisa social branca e paletó cinza e óculos escuros. Está em local aberto, com pessoas atrás
O deputado George Santos, em Nova York - Shannon Stapleton - 4.abr.2023/Reuters

Enganoso, para o Comprova, é todo o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 21 de julho, a publicação tinha mais de 99 mil curtidas e 4,7 mil comentários. O vídeo do discurso de Santos com a intervenção também foi compartilhado no Instagram pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O post alcançou mais de 122 mil curtidas e 3 mil comentários até a mesma data.

Como verificamos

O primeiro passo foi transcrever o conteúdo do vídeo. Com a informação de que o homem que aparece na gravação é o deputado George Santos, o Comprova buscou no site da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos a sessão em que o parlamentar discursou e encontrou o vídeo original, na íntegra. A fala de Santos começa a partir de 19 minutos e 46 segundos.

O Comprova também reuniu informações sobre George Santos e sobre os temas citados por ele no discurso, como a relação de Lula com Nicolás Maduro, as interações do governo do Brasil com a China e a situação dos processos contra o presidente brasileiro. Também buscou na mídia profissional se existe algum processo em que Lula é "procurado pela Justiça estrangeira", como questiona a frase do conteúdo investigado.

Por fim, entrou em contato com o responsável pela publicação.

Justiça estrangeira

Ao contrário do que sugere o conteúdo investigado, Lula não é "procurado pela Justiça estrangeira". Desde que tomou posse, em 1º de janeiro deste ano, o presidente ficou 37 dias fora do Brasil. Em nenhum momento, enquanto esteve no exterior, teve problemas com a Justiça local ou de outro país no sentido de ser procurado por autoridades internacionais.

Quem é George Santos

O deputado dos Estados Unidos George Santos, de 34 anos, é filho de imigrantes brasileiros e foi o primeiro republicano abertamente gay eleito para o Congresso norte-americano, após vencer as eleições do ano passado.

Santos tornou-se conhecido, no entanto, por acumular histórias falsas e mentiras sobre sua biografia, formação acadêmica e empregos anteriores. As enganações do congressista foram reveladas pelo The New York Times.

Além de ser investigado pelo Comitê de Ética da Câmara dos Estados Unidos por eventuais atividades ilegais em sua campanha e possíveis violações de leis federais na atuação dele em uma empresa, Santos ainda é alvo de uma denúncia de assédio feita por um assessor que trabalhou em seu gabinete. Ele também responde a 13 acusações na Justiça norte-americana por fraude, lavagem de dinheiro, desvio de dinheiro público e por fazer declarações falsas à Câmara.

O deputado chegou a ser preso no dia 10 de maio deste ano, mas foi solto no mês seguinte mediante pagamento de fiança no valor de US$ 500 mil (cerca de R$ 2,3 milhões).

No Brasil, segundo reportagem do UOL, Santos também é alvo de investigação por uma acusação de estelionato, por preencher cheques de um talão roubado. O processo judicial é de 2008, mas o Ministério Público do Rio de Janeiro solicitou a reabertura das investigações.

O discurso

Santos discursou na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos em 11 de julho deste ano, afirmando que a política de Lula prejudica o sucesso do país norte-americano.

Na fala, que durou cerca de três minutos, ele diz estar preocupado com "os fortes laços" que o Brasil mantém com o partido comunista da China e que os Estados Unidos deveriam trabalhar para aproximar o país sul-americano dos "valores democráticos-capitalistas".

O deputado também criticou os depoimentos do presidente brasileiro sobre o apoio dos Estados Unidos à Ucrânia e afirmou que Lula tem se dedicado para "enfraquecer o dólar norte-americano por meio de acordos do BRICS (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) com a Rússia e com a China".

Em 22 de maio, Lula voltou a defender a moeda do BRICS depois de reunião do G7, no Japão. Em 29 de maio, também disse sonhar com uma moeda única. Em relação à China, enquanto estava em viagem oficial ao país, em 14 de abril, afirmou que "ninguém vai proibir" a relação brasileira com o gigante asiático.

George Santos ainda comentou sobre o encontro de Lula com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em maio deste an: "As ações de Lula legitimaram um homem que é procurado atualmente pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos por narcoterrorismo. Um homem que, por conta de seus supostos crimes humanitários, sequer pode pôr os pés no solo norte-americano sem temer uma prisão".

Nicolás Maduro responde à acusação de narcoterrorismo na Justiça dos Estados Unidos desde 2020. Além disso, o governo do venezuelano é investigado por crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional desde 2018. Os casos não foram encerrados e não há mandado de prisão contra Maduro.

Processos de Lula

Em relação aos processos que tramitam na Justiça brasileira, como mostrou o Comprova, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em abril de 2021 anular quatro condenações da Justiça Federal de Curitiba da operação Lava Jato contra Lula. A decisão tornou o presidente elegível novamente. As ações penais foram anuladas por não se enquadrarem no contexto da Lava Jato.

Na época, o ministro do Supremo Edson Fachin entendeu que as denúncias formuladas pelo Ministério Público Federal (MPF) contra Lula nas ações penais relativas aos casos do triplex do Guarujá (SP), do sítio de Atibaia (SP) e do Instituto Lula não tinham correlação com os desvios de recursos da Petrobras e, por isso, não estavam relacionadas à operação. Para o ministro, as ações deveriam ser julgadas pela Justiça Federal do Distrito Federal.

Os processos de Lula que tramitavam na Primeira Instância da Justiça foram conduzidos ao STF em 1º de janeiro de 2023, por conta do foro privilegiado garantido a políticos brasileiros. Conforme determina o artigo 86 da Constituição, o presidente da República não pode ser responsabilizado por ações anteriores ao seu mandato. Por isso, os processos contra Lula só serão retomados depois do fim de seu governo.

Entretanto, o Código Penal brasileiro determina que o prazo de prescrição seja reduzido pela metade quando o investigado tem mais de 70 anos. Lula tem 77 anos e terá 81 quando deixar a Presidência da República pela terceira vez.

Oito dos 11 casos mais famosos contra Lula (triplex do Guarujá; sítio em Atibaia; terreno do Instituto Lula; doações ao Instituto Lula; caças suecos; Guiné Equatorial e ARG; BNDES; Costa Rica; "quadrilhão" do PT; Nestor Cerveró; e Zelotes) prescreveram, foram suspensos, arquivados ou encerrados por erros processuais.

O que diz o responsável pela publicação

O perfil @drpatriotabr, assim como o responsável pela administração da conta (@israellgoncalves), foram procurados por mensagem no Instagram, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

O que podemos aprender com esta verificação

É uma tática comum dos desinformadores sugerir ou questionar se determinado fato ocorreu, sem mostrar qualquer tipo de comprovação. O objetivo é gerar dúvidas no público a respeito do tema trazido pelo conteúdo desinformativo. Nesse caso, é realizada uma aproximação discursiva por meio do material, a qual estabelece que Lula e Maduro ocupariam o mesmo lugar político e social, como se fossem "iguais". Entretanto, são pessoas e casos diferentes: Lula não é procurado internacionalmente, enquanto Maduro, de fato, foi denunciado pela Justiça dos Estados Unidos.

Ao se deparar com publicações que trazem questionamentos ou sugestões, mas sem fontes ou contexto, desconfie. Nesses casos, é importante pesquisar em sites de órgãos oficiais e de veículos de comunicação profissionais para obter a informação completa e contextualizada.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

Lula é alvo frequente de desinformação nas redes sociais. Anteriormente, o Comprova mostrou que não há evidências de que denúncia contra desembargador mineiro e grampo envolvendo Alexandre de Moraes tenham beneficiado-o, que o presidente não anunciou confisco da poupança dos brasileiros e que vídeo engana ao "checar" discurso do petista sobre desigualdade social e aponta erro inexistente sobre Amazônia.

A investigação desse conteúdo foi feita por Plural e Poder360 e publicada em 21 de julho pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Correio do Estado, A Gazeta, Correio Braziliense, Estadão, Grupo Sinos, SBT e SBT News. 

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