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Post engana ao associar plantação de maconha na Bahia ao MST

Vídeo que viralizou no Twitter é de ação policial realizada em abril de 2020, sem relação com o movimento

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São Paulo

É enganosa a postagem que diz que a Polícia Militar da Bahia teria feito a apreensão de pés de maconha em assentamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) na cidade de Jacobina, na Bahia.

Conforme relato policial, não há qualquer indício de relação do MST com o caso e não há menção, no vídeo, de que a apreensão tenha vínculo com terras sob responsabilidade do movimento. Como verificado pelo Projeto Comprova, a narração é feita por um homem que se impressiona pela quantidade de mudas de maconha, informando apenas que a ação ocorre na cidade do norte baiano.

O mesmo vídeo é encontrado em redes sociais desde abril de 2020. Até julho deste ano, as publicações não faziam menção ao MST. Foi a partir deste mês que as legendas passaram a associar o movimento ao caso.

Contatado pela reportagem, o MST informou que não tem assentamentos ou acampamentos na região de Jacobina, que não realiza o plantio de maconha e que não tem ligação com o vídeo publicado. No dia 27 de fevereiro deste ano, 150 famílias ligadas ao movimento estiveram ocupando a Fazenda Limoeira, em Jacobina, mas houve desocupação em 4 de março.

Captura de tela, bom bordas direita e esquerda pretas e ícones de vídeo na parte inferior da imagem. Ao centro, vertical, imagem de plantação de maconha enfileirada com árvores ao fundo e céu azul
Captura de tela do vídeo que mostra plantação de maconha na Bahia - Reprodução/Twitter

O texto que acompanha a postagem informa ainda que o MST é uma instituição do PT e que não possui o CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica). O MST respondeu que não tem vínculo com qualquer partido político e não tem CNPJ por não ser uma empresa nem mesmo uma associação, tratando-se de um movimento popular.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 20 de julho, a postagem tinha 30,1 mil visualizações, 1,4 mil compartilhamentos e 2,1 mil curtidas.

Como verificamos

Primeiramente, o Comprova tentou identificar o vídeo publicado na postagem para verificar a sua veracidade. Foram utilizados o Google Lens e Search By Image. Não foi encontrada a origem do vídeo, mas replicações antigas do mesmo em contexto que não se refere ao MST.

Com isso, foi realizada uma pesquisa com os termos "apreensão", "maconha", "mst" e "jacobina" em busca de notícias que vinculassem a apreensão ao MST. Foram encontradas notícias sobre duas ações policiais na cidade, em abril de 2020. Elas não citavam o movimento social.

A equipe comparou as fotos disponibilizadas pela PM da Bahia na época da operação policial com as divulgadas pela imprensa para tentar identificar a qual dos atos correspondia o vídeo. Foram feitos contatos com o MST, com o PT e com as polícias Civil e Militar da Bahia. Por fim, foi entrevistada a advogada especialista em gestão do terceiro setor Bianca Monteiro.

Apreensão

O vídeo postado com a ação da PMBA é resultado de uma operação feita pela 24ª Companhia Independente da PM no dia 24 de abril de 2020, que apreendeu 126 mil pés de maconha "na localidade conhecida como Angical, pertencente ao povoado da Barra em Mirangaba", segundo relato dos policiais. Trata-se de uma região próxima a Jacobina. A operação ocorreu a partir de uma denúncia anônima sobre a movimentação de carros e de pessoas com atitudes suspeitas em um imóvel rural.

No mês anterior, a mesma companhia militar havia apreendido uma plantação de 190 mil pés de maconha na mesma região da Bahia. A comparação de imagens entre o vídeo e as fotos da PMBA possibilita dizer que se trata da operação de abril, especialmente pela disposição dos viveiros com as mudas e o sistema de gotejamento para a irrigação, além de uma árvore entre as plantas. Em nenhum dos casos a polícia constatou envolvimento com o MST.

Segundo o relato dos policiais, com a chegada dos militares, houve troca de tiros de arma de grosso calibre, que cessou com o avanço da tropa. No local, havia cinco plantações, em que três estavam prontas para colheita e duas haviam sido plantadas recentemente. Havia ainda dois viveiros com plantas de maconha e sacos contendo a substância pronta para o consumo. Foram contabilizados cerca de 100 quilos da erva pronta para o consumo, 126 mil pés numa área de 10,7 metros quadrados e dois viveiros com imensa quantidade de mudas.

Em contato com o Comprova, a PMBA garantiu que não foi feita qualquer apreensão de drogas relacionada ao MST. A Polícia Civil da Bahia analisou as imagens e "o coordenador regional de Jacobina desconhece que tenham relação com cidades coordenadas" pela coordenação local recentemente.

CNPJ

O MST confirma que não tem um CNPJ próprio, como está escrito no texto da postagem aqui verificada, assim como garante não ter qualquer vínculo político-partidário, diferentemente do que afirma o post enganoso. No entanto, a justificativa é que o movimento não é uma empresa. Os produtos dos assentamentos são vendidos localmente ou em feiras pelas associações ou cooperativas locais que têm cada uma seu próprio CNPJ.

A polêmica sobre a falta de CNPJ para o MST ocorre desde 2007, quando o Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul aprovou um relatório do promotor Gilberto Thums propondo ação civil pública para declarar o movimento como ilegal. No entanto, não foi possível realizar a ação por não conseguir, juridicamente, identificar o MST, pois não há personalidade jurídica do movimento. Na época, a coordenação nacional do MST afirmou que "não precisa ter CNPJ para empunhar a bandeira da reforma agrária".

Em 2009, após ocupações em fazendas do interior de São Paulo resultarem em confrontos armados e na morte de quatro pessoas, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes concedeu entrevista para caracterizar como ilegal o repasse de verba pública para os movimentos que realizam ações deste tipo. No entanto, não havia e não há qualquer repasse financeiro ao MST, justamente porque o movimento não tem CNPJ e não pode estabelecer contratos ou convênios.

Neste ano, a falta de personalidade jurídica do movimento voltou à tona na CPI do MST realizada pela Câmara Federal, quando o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (UB), foi convidado a falar e ressaltou que o movimento "não existe perante a lei, não tem estatuto ou CNPJ".

"Como o MST, propositalmente, foge às suas responsabilidades não assumindo personalidade jurídica, endereço, CNPJ, isso mostra bem que, efetivamente, todas essas ramificações são braços de um mesmo movimento: FMN, Via Campesina, Camponeses pobres de Rondônia, é tudo a mesma coisa. Na prática, isso permite que nós façamos o rastreamento dos recursos", explicou o relator da CPI, deputado Ricardo Salles (PL).

Segundo a advogada Bianca Monteiro, especialista em gestão do terceiro setor, o movimento social é uma organização que não necessita ter CNPJ. "Eles [grupos] criam uma associação com CNPJ pois isso possibilita a obtenção de recursos junto a órgãos públicos e privados ou a arrecadação de fundos de forma estruturada. Com isso, conseguem, por exemplo, remunerar as pessoas que trabalham na estrutura e dão segurança. O CNPJ passa a ser responsável por aquela operação", explica.

O que diz o responsável pela publicação

A reportagem entrou em contato com o responsável pela publicação pelo Twitter e não recebeu qualquer resposta até o fechamento desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação

É comum o uso, por desinformadores, de vídeos que circulam com legendas que mudam o contexto. Ao ter acesso a imagens sem a comprovação de seu contexto, duvide. Ao se deparar com informações sobre crimes supostamente praticados por movimentos populares, pesquise sobre o assunto junto à imprensa profissional ou mesmo nos canais oficiais do órgão de segurança pública local.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

O vídeo aqui verificado também foi checado por Aos Fatos.

O MST é alvo frequente de conteúdos de desinformação. Só neste ano, o Comprova já verificou que matança de bois não tem relação com o grupo e que post de deputado engana ao associar ocupação em bairro nobre de São Paulo a Boulos, MST e Lula.

A investigação desse conteúdo foi feita por O Popular e Portal Norte e publicada em 20 de julho pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Estadão, Plural, A Gazeta e Grupo Sinos.

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