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Não há evidências de que denúncia contra desembargador tenha beneficiado Lula

Conteúdo de desinformação também engana ao citar grampo envolvendo Alexandre de Moraes

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São Paulo

Não há evidências de que denúncias contra o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do TJ-MG, nem o áudio de uma conversa interceptada pela Polícia Federal em 2015 entre o desembargador e o então secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, tenham beneficiado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como sugere uma montagem de vídeo publicada no Telegram verificada pelo Projeto Comprova.

Em novembro de 2015, por meio da Operação Abside, a PF fez uma interceptação telefônica e descobriu que Alexandre de Moraes, hoje ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), tranquilizou o desembargador Alexandre Victor de Carvalho, investigado sobre o andamento de um processo no Supremo que poderia afastá-lo do cargo. A gravação, realizada pela PF com autorização do STJ (Superior Tribunal de Justiça), sugere que Moraes atuava informalmente como advogado de Carvalho, no mesmo período em que ocupava o cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo.

A postagem investigada pelo Comprova faz uma montagem com o áudio, recortes de vídeos de notícias sobre o desembargador e usa textos como "Veja como Lula ganhou a liberdade e a presidência. Grampo pega Morais" (sic), "Grampo: Moraes fez lobby no STF para livrar desembargador" sugerindo que Moraes também teria atuado em defesa de Lula para livrá-lo da prisão.

Alexandre Victor de Carvalho é branco, está sentado em mesa com placa amarela com seu nome à frente, em ambiente fechado
Alexandre Victor de Carvalho, que teve nome envolvido em conteúdo de desinformação - Cláudia Ramos - 26.jul.2018/CCS/TRE-MG

O conteúdo investigado, no entanto, não traz nenhum elemento que permita sustentar as alegações. O Comprova não encontrou menções ao atual presidente em reportagens que foram publicadas sobre o assunto. Lula também não é citado nos trechos de áudios e vídeos compilados no post investigado. O nome do presidente aparece apenas no texto inserido por cima das imagens.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 18 de julho, o conteúdo teve 9,5 mil visualizações no Telegram.

Como verificamos

Após transcrever o conteúdo do vídeo investigado, a equipe pesquisou sobre a denúncia contra o desembargador Alexandre Victor de Carvalho em reportagens da imprensa (Folha, G1) e sites de órgãos como o MPF e o STJ. Também reuniu informações sobre a interceptação telefônica feita pela Polícia Federal envolvendo o ministro do Supremo Alexandre de Moraes e procurou identificar eventual relação do presidente Lula (PT) com os casos citados no vídeo.

Por fim, a equipe entrou em contato com o gabinete de Moraes, com o TJ-MG e com o STJ.

Investigação

O desembargador Alexandre Victor de Carvalho, do TJ-MG, foi denunciado pelo MPF por corrupção passiva em abril de 2020. O foco da investigação do órgão, iniciada em 2015, eram supostos esquemas de corrupção e troca de favores envolvendo magistrados do tribunal de Minas, o segundo maior do país.

Conforme a acusação, em novembro daquele ano, o desembargador teria solicitado a autoridades do Poder Legislativo a nomeação de sua esposa para cargo na Assembleia Legislativa e de seu filho para cargo na Câmara Municipal de Belo Horizonte. As negociações, segundo a investigação, foram feitas com o então procurador-geral da Câmara, Augusto Mário Menezes Paulino, e o então presidente do Legislativo mineiro, Adalclever Lopes (MDB).

A denúncia do MPF sugere que os familiares de Carvalho atuariam como funcionários fantasmas, sem cumprir as cargas horárias exigidas para os cargos, e que haveria um esquema de "rachadinha" para dividir os salários pagos pelo erário.

Em contrapartida à nomeação dos familiares, o desembargador teria aberto espaço para que políticos lhe pedissem favores e teria apoiado a indicação da então advogada Alice Birchal para o cargo de desembargadora do TJ-MG. Conforme a denúncia, a cúpula do governo de Minas Gerais tinha interesse na nomeação de Birchal porque o marido dela tinha ligações com o PT, partido do então governador do estado, Fernando Pimentel.

A denúncia foi arquivada pelo STJ em 17 de maio de 2023. Na ocasião, o colegiado entendeu que não havia "elementos suficientes para provar que o magistrado influenciou a escolha de nomes para a lista tríplice do TJ-MG em troca de nomeações em cargos no Legislativo".

Além disso, para o relator do caso, o ministro Luis Felipe Salomão, para que o crime fosse confirmado, deveria haver indícios que constatassem a relação de causalidade entre a suposta vantagem indevida e os atos do desembargador, o que não ocorreu.

Interceptação telefônica

A base da denúncia do MPF contra Carvalho eram elementos obtidos por meio da Operação Abside, realizada pela Polícia Federal em 2015. Na ocasião, a PF fez uma interceptação telefônica e descobriu que Alexandre de Moraes, hoje ministro do STF, tranquilizou o desembargador Alexandre Victor de Carvalho a respeito do andamento de um processo no STF contra ele.

Na época, o desembargador respondia a um processo por ter contratado, para um cargo em seu gabinete, uma funcionária que não exercia suas funções no local. A suspeita da PF era de que a servidora devolvia uma parte de seu salário para o magistrado. Carvalho foi inocentado pelo TJ-MG, mas o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deu seguimento ao processo. Dias depois, o caso foi arquivado.

A gravação, realizada pela PF com autorização do STJ, sugere que Moraes atuava informalmente como advogado de Carvalho, no mesmo período em que ocupava o cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo.

No Brasil, a legislação proíbe o exercício da advocacia associado a cargos de comando em órgãos públicos. Em caso de descumprimento da regra, o profissional pode sofrer procedimento disciplinar na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e processo criminal por exercício irregular da profissão.

Em uma matéria publicada pela Folha em 15 de dezembro de 2019, o veículo diz que tentou contato com Moraes, e que o ministro optou por não se manifestar sobre o caso. Carvalho alegou que não houve conduta indevida, uma vez que o processo movido no Supremo foi conduzido pelo advogado Laerte Sampaio.

O Comprova tentou contato com o gabinete do ministro Alexandre de Moraes e com o TJ-MG, mas não houve retorno até a publicação desta checagem.

Carvalho na Justiça Eleitoral

De fato, o desembargador Alexandre Victor de Carvalho atuou no TRE-MG. Ele foi ministro substituto da Corte Eleitoral entre julho de 2017 e junho de 2019, quando se tornou vice-presidente e corregedor do órgão. Em junho de 2020, Carvalho se tornou presidente do TRE-MG, permanecendo no cargo até 2021. Ele não integrava mais a Justiça Eleitoral durante o pleito de 2022, em que Lula foi eleito.

Ao Comprova, o STJ informou que o processo contra Carvalho relativo à denúncia por corrupção passiva (ação penal nº 957) já foi julgado, mas que o acesso à íntegra dos autos é dado apenas às partes envolvidas e seus advogados por sistema eletrônico. O nome de Lula não foi encontrado na consulta pública à ação penal disponível no site do STJ.

A equipe não encontrou nenhuma referência ao nome de Lula nas reportagens que tratam sobre a investigação de Carvalho ou sobre a interceptação telefônica envolvendo Alexandre de Moraes.

O que diz o responsável pela publicação

Não foi possível contato com o perfil Canal Brasil pela Direita, pois o Telegram não permite o envio de mensagens. Pesquisando o nome da conta no Google, o Comprova encontrou um canal no YouTube correspondente, mas não há informações de contato.

O que podemos aprender com esta verificação

Uma das táticas utilizadas por desinformadores é a manipulação de contextos por meio da combinação de informações verdadeiras com dados falsos ou inventados. É comum também que os desinformadores tentem confundir o público, como no caso do conteúdo investigado nesta checagem, em que há um esforço para criar confusão entre o desembargador Alexandre Victor de Carvalho e o ministro Alexandre de Moraes, frequente alvo de desinformação nas redes.

Ao se deparar com esse tipo de material, é sempre importante realizar uma busca no Google. A partir da pesquisa em sites de órgãos governamentais e veículos de comunicação profissionais, por exemplo, é possível encontrar a informação completa e contextualizada sobre o assunto.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

Lula e os ministros do governo são alvos frequentes de desinformação nas redes. O Comprova já mostrou, por exemplo, que tuítes antigos de Flávio Dino com críticas ao sistema eleitoral são reais, que o presidente não anunciou confisco da poupança dos brasileiros nem assinou decreto para colocar fim à propriedade privada.

A investigação desse conteúdo foi feita por Correio de Carajás e Plural e publicada em 18 de julho pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, Poder360, A Gazeta, O Popular, Grupo Sinos, Estadão, SBT e SBT News. 

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