Descrição de chapéu STF Folhajus tecnologia

Plenário virtual enxuga fila de processos no STF, mas sofre críticas por falta de debates

Julgamentos online chegam a 99,5% das decisões colegiadas; mudança desconcentra poderes na mão de presidente do tribunal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Com implantação acelerada na pandemia, os julgamentos virtuais alcançaram quase a totalidade das decisões colegiadas e mudaram de forma significativa a dinâmica do STF (Supremo Tribunal Federal).

Se, por um lado, ajudaram a reduzir a fila de processos na corte, têm sido alvo de críticas pelo menor grau de debate entre os ministros e pela menor publicidade das decisões.

A redução da espetacularização dos julgamentos e a dinâmica que desconcentra o poder entre os ministros da corte são citadas por entusiastas do plenário virtual.

plenário do STF vazio
Plenário do STF em Brasília, hoje usado para minoria dos julgamentos - Gabriela Biló - 1.fev.23/Folhapress

Os julgamentos online no STF começaram ainda antes de a pandemia acelerar o processo, a partir de 2020.

Em 2007, a corte instituiu a possibilidade de análise virtual para decidir a existência de repercussão geral em determinadas ações —ou seja, se é possível que a decisão para o caso em análise sirva de referência para outros sobre o mesmo tema.

Três anos depois, foi liberado o uso do plenário virtual também para o mérito desses processos de repercussão geral.

Em 2016, permitiu-se também o julgamento online de agravos internos e de embargos de
declaração.

Em 2019, 81,9% das decisões colegiadas já eram dadas em ambiente virtual.

Com a emergência da pandemia de Covid, a modalidade deu um salto, pois o Supremo passou a permitir que qualquer tipo de ação fosse decidida no plenário virtual, o que incluiu aquelas de maior impacto social.

Com isso, a proporção de decisões colegiadas proferidas online chegou a 99,5% no início de julho deste ano.

O acervo processual, ou seja, o número de ações em trâmite no Supremo, caiu de 53,9 mil em 2015, antes da implantação do plenário eletrônico, para 22,3 mil agora.

Os julgamentos no plenário virtual são assíncronos, ou seja, não são uma reunião online com a presença de todos os ministros ao mesmo tempo.

A dinâmica é outra. Depois que o relator libera o caso, os advogados e procuradores podem enviar em até 48 horas antes do início do julgamento virtual arquivos com sua sustentação oral.

O relator publica no sistema o seu relatório e seu voto, e os demais magistrados têm seis dias úteis para inserirem seus votos no sistema.

Qualquer ministro pode pedir um destaque para que o caso seja levado ao plenário físico. Isso geralmente ocorre em casos em que se entende haver maior necessidade de discussão —por exemplo, o do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

Os dados mostram, porém, que os processos que vão ao presencial se tornaram a exceção da exceção —neste ano, só 147 de 12.965.

Ficaram no virtual processos de amplo interesse social, como constitucionalidade dos decretos que ampliaram o acesso a arma de fogo, o recebimento das denúncias contra acusados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro e o piso da enfermagem para profissionais do setor privado.

As manifestações dos ministros no plenário virtual são abertas ao público, desde que o interessado entre no processo e leia os votos um a um.

Trata-se de uma mudança de paradigma nada trivial em um tribunal que, desde 2002, tinha as sessões plenárias todas transmitidas ao vivo pela TV Justiça —o que era uma peculiaridade entre as democracias, como ressalta em artigo recente o advogado da União Raphael Monteiro de Souza, doutorando em ciência Política pela UnB (Universidade de Brasília).

Essa singularidade permitiu aos cidadãos não só acompanhar brigas e xingamentos entre os ministros, mas também discussão e confrontação de argumentos.

A ausência do debate em tempo real é vista por alguns como falta de transparência e, por outros, como um incentivo a menos à espetacularização dos julgamentos, ou seja, preservaria os ministros de decidirem segundo a posição que avaliam ser a mais popular.

A também advogada da União Priscila Seifert, pós-doutoranda em direito pela UFF (Universidade Federal Fluminense), está no primeiro time.

Ela considera que há aspectos positivos no plenário virtual, como a maior fluidez na tramitação dos processos, mas entende que a falta de interação entre os ministros pode empobrecer as decisões.

Isso porque, no plenário assíncrono, não há confronto de ideias e mesmo votos convergentes podem se dar com fundamentos totalmente opostos, sem que fique claro à sociedade por que determinada posição prevaleceu.

"Não há um debate de teses, há contabilidade de votos", diz.

Professor de direito constitucional da UnB e da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Miguel Godoy avalia que o plenário virtual é necessário e tem grande potencial, mas critica a forma como vem sendo usado.

Uma preocupação sua em especial é com as listas virtuais de julgamentos, em que decisões são proferidas para uma série de casos sem qualquer discussão.

"O tribunal parece aceitar, cada vez mais, se tornar uma Corte McDonald’s", diz. "Um tribunal que produz muito, rápido, e se orgulha disso. A qualidade do sanduíche, sabemos, não é boa, e, tomado como cotidiano, faz mal."

"O tribunal parece aceitar, cada vez mais, se tornar uma Corte McDonald’s. Um tribunal que produz muito, rápido, e se orgulha disso. A qualidade do sanduíche, sabemos, não é boa, e, tomado como cotidiano, faz mal.

Miguel Godoy

professor de direito constitucional da UnB e da UFPR

Godoy sugere a implementação de ferramentas que poderiam aumentar o espaço de debate e divulgação das teses em discussão no online.

Entre elas, estaria a criação de espaço no plenário virtual para apresentação de questões ou contra-argumentos; de janela específica que reúna e liste argumentos consensuais e separe argumentos minoritários; e a criação de enquetes provisórias para facilitar a definição do que é consensual, majoritário ou minoritário, por exemplo.

Doutoranda pela USP e pesquisadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP, Ana Laura Pereira Barbosa vê algumas das críticas ao plenário virtual como legítimas, mas diz que há aspectos positivos para além da agilidade.

Ela cita entre eles a maior facilidade de submeter ao colegiado online uma decisão monocrática, o que vira um desincentivo à atuação meramente individual dos ministros, que antes era justificada pela necessidade de celeridade.

Outro lado positivo, diz, é valorizar o tempo do plenário físico, que permanece sendo utilizado para os casos em que os ministros entendem haver a necessidade de debate em tempo real.

Ela ressalta ainda que o plenário físico também tinha limitações na deliberação. Na maioria dos casos, cada ministro já chega com os seus votos redigidos e, muitas vezes, a sessão presencial acaba sendo uma mera leitura deles.

Nesse sentido, outra vantagem que ela aponta no plenário virtual é que o voto do relator é sempre disponibilizado com antecedência, o que nem sempre acontece offline, e isso permite aos demais ministros construírem sua posição com base em uma posição já conhecida e se prepararem para a contraposição de argumentos.

Outra mudança que alguns pesquisadores veem como positiva é a desconcentração do poder de agenda do presidente do Supremo. Isso porque, no plenário físico, é ele quem determina a inclusão de determinado processo na pauta.

No virtual, isso na prática é feito pelo relator do caso, quando este libera o processo.

Em relatório sobre o plenário virtual divulgado no ano passado, o STF aponta indícios de que o sistema virou um "espaço de densificação argumentativa", do que seria prova o aumento da proporção de julgamentos com ao menos um voto dissidente do relator.

Mas a existência de posições dissidentes não significa que elas foram confrontadas, diz o professor Godoy, reforçando a necessidade de aperfeiçoamentos. "O plenário virtual poderia entregar mais do que muitas decisões ao mesmo tempo", diz.


COMO FUNCIONA O PLENÁRIO VIRTUAL

Inclusão em pauta
Relator submete processo a julgamento virtual

Publicação da pauta
Listas de processos liberados para julgamento são publicadas no site do STF e no Diário de Justiça eletrônico

Sustentação oral
Após a publicação da pauta e até 48 horas antes do início do julgamento, advogados, procuradores e
demais habilitados podem encaminhar por meio eletrônico sustentação oral. Arquivos são disponibilizados na hora aos gabinetes dos ministros

Posição do relator
Relator insere no sistema virtual seu relatório e seu voto

Votação
Demais ministros têm seis dias úteis para votar. Podem acompanhar relator, com ou sem ressalva; divergir; e acompanhar divergência, com ou sem ressalva. Até o final da sessão podem mudar seu voto. Arquivos são disponibilizados ao público em tempo real

Intervenções
Advogados, procuradores e outros habilitados podem apresentar manifestações ao longo do julgamento

Ida para o plenário físico
Qualquer ministro pode pedir a migração do processo para o plenário físico

Fim
Se não houver pedido para migração ao plenário físico, e havendo quórum, o resultado do plenário virtual é computado às 23h59 do dia previsto para o encerramento da sessão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.