Cid vai fardado a CPI, fala em atuação militar com Bolsonaro e silencia em perguntas

Militar manteve estratégia em comissão do DF que trata dos ataques de 8/1, mesmo com troca de advogados

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Brasília

O tenente-coronel Mauro Cid optou nesta quinta-feira (24) por se manter em silêncio durante o depoimento na CPI sobre os ataques do 8 de janeiro na Câmara Legislativa do Distrito Federal.

Fardado diante dos deputados, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) fez uma breve apresentação antes de anunciar sua decisão de não responder às perguntas.

"Sem qualquer intenção de desrespeitar vossas excelências e os trabalhos conduzidos por essa CPI, considerando a minha inequívoca condição de investigado e por orientação da minha defesa técnica, farei uso durante toda essa sessão do meu direito constitucional ao silêncio", afirmou o militar.

Cid também fez um histórico de sua trajetória no Exército e, de forma genérica, disse quais eram suas funções como ajudante de ordens do presidente —entre elas, segundo o militar, "recebimento e entrega de presentes".

"Neste ponto, é importante destacar que essa função é de natureza militar, conforme regulamentação (...) A ajudância de ordens é a única assessoria que não é escolhida pelo presidente, mas de responsabilidade das Forças Armadas designar os militares que a integrarão", completou.

Mauro Cid na CPI do 8 de janeiro da Câmara Distrital
Mauro Cid na CPI do 8 de janeiro da Câmara Distrital - Pedro Ladeira/Folhapress

A defesa de Cid chegou a pedir o adiamento do depoimento à CPI . Ela argumentou que os defensores "apenas assumiram sua defesa na última semana", sem "tempo hábil para plena ciência e conhecimento dos fatos atinentes aos autos".

O presidente da comissão, deputado distrital Chico Vigilante (PT), negou a solicitação. "É a grande oportunidade que ele tem de falar, então espero que ele fale. Vamos fazer todas as perguntas e espero que ele responda", disse.

No depoimento, Vigilante disse ao advogado que Cid havia sido convocado para prestar esclarecimentos como testemunha. O militar, no entanto, só respondeu a uma pergunta sobre sua idade. "Eu só esclareci para o senhor que ele está aqui, por decisão do Supremo, como testemunha. Não é uma invenção nossa", disse o distrital.

"Ele vai continuar do mesmo jeito. Depois eu me acerto com o Supremo", respondeu o defensor de Cid.

Vigilante afirmou: "Lá no Maranhão a gente tem o ditado que formiga sabe a folha que corta".

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro levou um documento, de quatro páginas, para auxiliá-lo na introdução de sua fala e nas respostas sobre o uso do direito ao silêncio. O rascunho mostra que Cid fez o mesmo discurso nas CPIs do Congresso Nacional, em julho, e da Câmara Legislativa do DF.

Para adequar o documento, o militar rabiscou os nomes do deputado Arthur Maia (União Brasil-BA) e dos senadores Magno Malta (PL-ES) e Eliziane Gama (PSD-MA) e, por escrito, alterou para os nomes dos distritais Chico Vigilante, Hermeto (MDB) e Fábio Felix (PSOL).

Cid também escreveu à mão uma resposta padrão para os parlamentares.

"Excelência, com todo respeito, entendo a pergunta do senhor, mas, para manter a coerência, não utilizarei meu espaço de fala nesta CPMI para me defender, pois, por orientação de meus advogados, minha defesa deve ser feita perante o Judiciário, que tem reserva de jurisdição para apurar e aplicar ou não sanções. Intimamente, entendo que diante das 8 investigações…", encerra o militar com as reticências.

Fábio Felix, autor do requerimento para a convocação de Cid, afirmou que o depoimento de Cid frustrou as expectativas de que o militar pudesse esclarecer a participação de Bolsonaro no 8 de janeiro.

"Essa CPI é muito séria e, infelizmente, o senhor não veio aqui hoje para colaborar com a CPI. A população brasileira tinha uma expectativa de que o senhor viesse falar sobre o mandante dos crimes contra a República brasileira, porque o senhor tinha todo o acesso e tem todas as informações para afirmar [quem foi] o mandante de uma tentativa de golpe de Estado", disse.

Em nota, o Exército disse que Cid usou a farda durante o depoimento por estar no serviço ativo. "Todos os militares da ativa do Exército, convocados a prestar depoimentos à CPMI ou a outros órgãos semelhantes, em função da natureza militar do cargo desempenhado, comparecem devidamente uniformizados, da mesma forma como participam dos atos realizados no âmbito do Poder Judiciário", diz.

Mauro Cid está preso há mais de três meses no batalhão da Polícia do Exército, em Brasília. A cela possui 20 metros quadrados, e o militar costuma sair do local duas horas por dia, para período de banho de sol em grande pátio disponível para realizar corridas e musculação.

Cezar Bitencourt, defensor de Cid, se encontrou com o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), nesta quinta. O objetivo era solicitar acesso aos autos dos processos contra o tenente-coronel e conversar sobre a prisão dele, considerada como desnecessária pelo advogado.

A reunião ocorreu no intervalo de sessão plenária, e o defensor não falou com a imprensa posteriormente.

Nos primeiros tempos de prisão, o Exército adotou protocolo menos rígido e permitiu que o tenente-coronel recebesse uma série de visitas de militares, amigos e familiares.

As regras passaram a ser mais duras após Moraes determinar que as visitas, exceto de familiares e advogados, deveriam ser autorizadas por ele. A razão seria o número "elevadíssimo" de visitas recebidas, segundo o ministro: 73 pessoas em 19 dias de prisão.

Desde que assumiu a defesa, Cezar Bitencourt deu declarações confusas e divergentes sobre a suposta decisão do militar de confessar sua atuação e a do ex-presidente Bolsonaro na venda de joias.

As versões sobre o caso se alteraram na última semana. O vaivém atenua e agrava a situação de Bolsonaro, a depender do tom de Bitencourt.

O principal ponto de divergência está ligado à possível confissão de Cid. O advogado disse que o militar deve esclarecer aos investigadores como foi feita a venda e recompra de um relógio Rolex recebido por Bolsonaro como presente de Estado.

Depois, disse que não se trataria de uma "confissão", mas "esclarecimentos" a serem feitos aos investigadores.

Bitencourt afirmou ainda que Cid diria à Polícia Federal que teria realizado a venda do Rolex a mando de Bolsonaro. Em novo recuo, ele afirmou na sexta que não é possível culpar o ex-presidente.

"Tem muitas coisas que não tem nada a ver. Na realidade houve um equívoco, houve má-fé. Em primeiro lugar [é um equívoco] que o Cid vai dedurar o Bolsonaro", afirmou.

Cezar Bitencourt é o terceiro advogado de Mauro Cid desde que o militar foi preso. O primeiro, Rodrigo Roca, deixou a defesa sete dias após a prisão.

O segundo defensor de Cid foi o advogado Bernardo Fenelon, que saiu do caso na última semana citando "questões íntimas".

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