Carlos Bolsonaro esquece gabinete do ódio e lança livro com narrativa açucarada das redes do pai

Filho de Jair Bolsonaro divulga livro digital vendido a R$ 54,90 com coletânea de generalidades

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São Paulo

Para o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), peça-chave no chamado gabinete do ódio que espalhou ataques e fake news durante a Presidência do pai, sua família chegou tão longe porque sabe que é preciso pensar positivo. Essa palavra e suas variantes, como positividade, aparecem 23 vezes em "Redes Sociais e Jair Bolsonaro - O Começo de Tudo".

O 02 dos três filhos políticos do ex-presidente lançou seu primeiro livro em formato digital para, em suas palavras, contar "uma história de transformação e resiliência" sobre a presença do clã na internet. Sua versão dos acontecimentos edulcora o papel dos Bolsonaro no fortalecimento de um ecossistema de desinformação e agressividade, que hipertrofiou a polarização ideológica no país.

Carlos Bolsonaro e Jair Bolsonaro gravam vídeo para redes sociais às vésperas da disputa eleitoral no 1º turno de 2018
Carlos Bolsonaro e Jair Bolsonaro gravam vídeo para redes sociais às vésperas da disputa eleitoral no 1º turno de 2018 - Arquivo Pessoal/Reprodução/Instagram

"As pessoas estavam se unindo em torno da ideia de que a positividade e a esperança tinham um lugar em meio à agitação e à adversidade propositalmente criada pela mídia", escreve Carlos. "Ao reconhecer os desafios e abordá-los de maneira construtiva", ele continua, "era possível catalisar mudanças significativas fora da bolha ideológica proposta pela imprensa tradicional".

Em nenhuma das 52 páginas da obra, disponível a quem pagar R$ 54,90, o autor especifica nomes e fatos. Pelo contrário, a leitura é uma coletânea de generalidades que exalta como a atuação virtual da família mudou a perspectiva brasileira sobre "temas atuais". O leitor pode apenas inferir quais são tais tópicos, já que Carlos não os nomeia.

O vereador foi o maestro da bem-sucedida campanha online que ajudou o pai a vencer as eleições presidenciais de 2018. Jair Bolsonaro era, até então, um deputado do baixo clero sem nenhuma aliança partidária parruda e com ínfimos oito segundos na propaganda eleitoral de TV e rádio. Seu traquejo nas redes é atribuído ao filho, dito portador de suas senhas e piloto de seus perfis.

Carlos conta que a gênese de tudo foi o blog Família Bolsonaro, que idealizou em 2009, quando tinha 26 anos e estava com a "mente cheia de inquietação".

O site permaneceu ativo ao longo dos anos. Em agosto de 2018, pipocaram ali links para contrapontos a uma imprensa que, na versão que o vereador apresenta em seu livro cinco anos depois, "na maior parte das vezes enfatizava as notícias negativas, perpetuando uma visão distorcida da realidade".

"Entenda o socialismo atual" e "Mulheres: uma imagem bacana vale mais que mil matérias distorcidas e falaciosas" são alguns dos exemplos de artigos compartilhados no site. Havia direcionamento também para aparições do então presidenciável Bolsonaro na mídia que Carlos pinta de vilã, como entrevistas no Roda Viva, programa da TV Cultura, e na GloboNews.

Postagens mais antigas traçam uma cronologia da defesa de causas que alicerçam o bolsonarismo. Em 2015, por exemplo, uma entrada no blog celebra: "Carlos Bolsonaro é absolvido em processo movido pelo movimento gay: ('chupa viadada')". Outra, de 2013, chama Luana Piovani de "atriz e usuária de drogas" após ela trocar farpas com Carlos.

O primeiro conteúdo no ar traz uma foto de Carlos e seus irmãos Eduardo e Flávio Bolsonaro, hoje deputado federal e senador. O trio, no retrato, ainda é criança e nada no mar de Araruama (RJ).

"Os primeiros posts do blog eram como pequenos raios de sol, rompendo as nuvens escuras das notícias negativas", define o vereador. "Era como se eu estivesse fazendo parte do plantio de uma semente em meio a um solo saturado de notícias distorcidas e maldosas para desacreditar ideias que não interessavam ao sistema."

A meta de desbaratar "vícios tendenciosos" da "narrativa da grande mídia" eventualmente se espraiou por plataformas ascendentes, como Twitter e Facebook.

Os argumentos genéricos, com pinta de coach político, se repetem até o fim do título. Inexistem quaisquer menções a amigos ou inimigos da família, ou revelações sobre os bastidores da operação digital que imprimiu a marca bolsonarista na história da política brasileira.

Além de Jair, Flávio, Eduardo e Carlos, citados nominalmente uma única vez, há uma referência cristã no parágrafo final: "Que Deus e os homens permitam e entendam da nescessidade [sic] desta pluradidade [sic] para existência democratica [sic] de nosso querido Brasil".

Por vezes apelidado de "Pitbull do pai", o vereador divulgou a obra menos de cinco meses após anunciar que estava desistindo de comandar as contas virtuais do ex-presidente. "Após mais de uma década à frente e ter criado as redes sociais de @jairbolsonaro, informo que muito em breve chegará o fim deste ciclo de vida voluntariado", postou então no X, ex-Twitter.

Carlos disse à época estar certo de que fez um trabalho de valia para as "pessoas boas". Reclamou, contudo, de ficar "sozinho anos" e de receber um tratamento que "nem um rato merecia". Também daquela vez preferiu omitir nomes.

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