Descrição de chapéu
STF Folhajus

Lula parece tratar ataques e críticas ao STF como uma coisa só

Presidente defendeu voto sigiloso de ministros sob alegada justificativa de segurança aos membros do Supremo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rubens Glezer

Professor da FGV Direito SP e autor de 'Catimba constitucional'

As instituições democráticas precisam ser respeitadas, e seus integrantes não devem ser atacados. Porém essas instituições e seus atores devem estar sujeitos e abertos à constante crítica e avaliação pública no que diz respeito ao exercício de sua função.

A declaração do presidente Lula, que sugere que não deve haver publicidade sobre os votos individuais dos ministros do Supremo para evitar "animosidade" contra os membros do tribunal, parece tratar ataques antidemocráticos e críticas institucionais como uma coisa só.

A proposta, tomada em termos literais, não tem nenhum fundamento ou chance de implementação.

O presidente Lula em Brasília
O presidente Lula em Brasília - Adriano Machado/Reuters

A Constituição exige publicidade dos julgamentos como regra. Além disso, mesmo nos países que adotam um modelo de votação coletiva, é pública a posição dos ministros (se vencedores ou vencidos).

Contudo a fala de Lula, se compreendida em um sentido mais amplo, diz respeito a uma mitigação da exposição dos ministros do STF. Porém tentar imunizar o STF de críticas pode muito bem aumentar a animosidade contra a instituição e corroer a autoridade de suas decisões.

Essa não é uma manifestação isolada.

De tempos em tempos se fala em acabar com a TV Justiça ou modificar o modelo de votação dos ministros.

Porém esta fala de Lula está em um contexto no qual muitos críticos sérios e qualificados do tribunal têm sido tratados como seus inimigos.

Como se toda crítica, mesmo que baseada em pesquisas empíricas, com metodologia séria e reconhecida qualidade pela academia, fosse parte de um movimento antidemocrático de deposição do tribunal e de provocação de violência contra os seus ministros.

É preciso separar o joio do trigo.

Não há dúvidas de que o tribunal foi, de fato, vítima de um amplo movimento, baseado na disseminação de notícias falsas impulsionadas com pesado apoio financeiro. Esses ataques visaram fragilizar a capacidade do Supremo e do TSE de imporem limites a atos inconstitucionais do governo Bolsonaro e, sobretudo, garantir o resultado das eleições.

Essas ações, realizadas com a intenção de promover um golpe de Estado, devem ser investigadas e punidas, sem dúvidas.

Contudo a enorme exposição do STF não teve início durante o governo Bolsonaro e não é motivada apenas por notícias falsas.

Como diversos pesquisadores do tribunal têm apontado, em vasto corpo de literatura especializada, os ministros do Supremo têm o seu quinhão de culpa.

O Supremo e seus ministros estão frequentemente nas manchetes de jornais e capas de revista ao longo da última década por ação deliberada de seus agentes.

O Supremo não resolveu o seu problema de decisões monocráticas radicais, inconsistência nas decisões, ausência de parâmetros claros para tomar decisões politicamente sensíveis, opacidade de suas decisões sobre impedimento e suspeição ou ausência de uma política institucional de comunicação de seus ministros.

Essas críticas têm sido apontadas com o objetivo de aprimorar a instituição e justamente protegê-la de críticas que fragilizam sua autoridade e a força de suas decisões.

Portanto há um caminho muito mais fácil, seguro e republicano de diminuir a animosidade contra o Supremo. De um lado, é importante investigar e punir as ações de fato golpistas, mas de outro lado os ministros do STF precisam fazer sua lição de casa.

A medida tomada no final do ano passado pela ministra Rosa Weber para limitar pedidos de vista arbitrários é um grande exemplo de medidas positivas de autocontenção. Precisa-se de mais medidas dessa natureza, que sinalizem para a sociedade que o Supremo ouve as críticas dirigidas a eles e tentam lidar com aquelas mais pertinentes.

A crítica institucional é crucial para o Supremo. É o único elemento de controle regular que existe sobre uma instituição construída sobre a premissa de que seus agentes exercem a autocontenção de maneira exemplar.

É a sociedade e a academia que exercem o papel de VAR sobre o Supremo. É o amplo debate público, com convergências e divergências de toda natureza sobre votos, decisões e ações fora do tribunal, que podem fortalecer a instituição.

É preciso lutar pela requalificação desse debate, não pela sua anulação. É a avaliação séria e qualificada que permite criticar o Supremo pelos motivos corretos. Do contrário, restam apenas os inimigos do Supremo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.