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Lula defende voto sigiloso de ministros do STF: 'Não precisa ninguém saber'

Declaração ocorre após críticas da esquerda, inclusive do PT, ao ministro Cristiano Zanin

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Brasília

O presidente Lula (PT) defendeu nesta terça-feira (5) que os votos dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) sejam sigilosos e afirmou que a insatisfação da população com determinadas decisões podem afetar a segurança dos magistrados da corte.

A sugestão de Lula, que vai contra os preceitos da Constituição, foi alvo de críticas no mundo político e jurídico. Entidades e especialistas reagiram contra a ideia, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), citou o risco de ser ofuscado o princípio da transparência.

O presidente Lula durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Adriano Machado - 30.ago.2023/Reuters

A declaração do petista sobre o STF, durante transmissão ao vivo nas redes sociais, foi dada após críticas da esquerda, inclusive do PT, ao ministro Cristiano Zanin, advogado e amigo do presidente indicado por ele para uma vaga no tribunal.

Também ocorre semanas depois de o ministro do STF Alexandre de Moraes e seus familiares terem supostamente sido hostilizados por um grupo de turistas brasileiros no aeroporto de Roma. Em depoimento à PF, Moraes e seus familiares afirmaram que as ofensas que sofreram foram políticas e com o intuito de constranger o magistrado.

"A sociedade não tem que saber como vota um ministro da Suprema Corte. Não acho que o cara precisa saber. Votou a maioria, não precisa ninguém saber. Porque aí cada um que perde fica com raiva, cada um que ganha fica feliz", afirmou Lula.

"Para a gente não criar animosidade, eu acho que era preciso começar a pensar se não é o jeito da gente mudar o que está acontecendo no Brasil", disse. "Porque, do jeito que vai, daqui a pouco um ministro da Suprema Corte não pode mais sair na rua, passear com sua família, sabe, porque tem um cara que não gostou de uma decisão dele", completou.

Antes de voltar à Presidência, Lula foi um forte crítico do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por suas interferências em outros Poderes e decretos de sigilo que afrontavam a transparência —tema sobre o qual agora é alvo de questionamentos.

Questionado sobre a proposta do presidente, o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), afirmou nesta terça que ele próprio não possuía elementos para definir qual o melhor modelo de funcionamento das cortes superiores. No entanto, afirmou que esse debate está sendo feito em diversas partes do mundo e que chegará o momento de os brasileiros o levarem adiante.

"Há um debate posto no mundo sobre a forma dos tribunais supremos deliberarem. E nós temos uma referência na Suprema Corte dos Estados Unidos, que delibera exatamente assim. Ela delibera a partir dos votos individuais e é comunicada a posição da corte e não a posição individual", afirmou o ministro, acrescentando que Lula o indagou sobre a questão.

Porém, ao contrário do que disse Dino, na Suprema Corte dos EUA é possível saber a favor de qual tese cada ministro votou. Em regra, um ministro escreve o voto majoritário, e, eventualmente, outro elabora o voto dissidente, e a adesão de cada ministro a um dos posicionamentos é divulgada.

"Evidente que, em algum momento, em sede constitucional ou mesmo do futuro estatuto da magistratura, esse é um debate válido, assim como o debate acerca de mandatos no tribunal", acrescentou Dino.

O ministro da Justiça negou que o sigilo dos votos dos ministros resulte em menos transparência, novamente citando o modelo americano.

"Não [há redução na transparência], porque a decisão é comunicada, de modo transparente, apenas a primazia do colegiado por sobre as vontades individuais. É um modelo possível. Eu não tenho elementos a essas alturas para dizer que um modelo é melhor do que o outro", afirmou.

Na semana passada, Dino chegou a ir a público para se manifestar a favor de Zanin, dizendo que há uma "incompreensão política" nas análises sobre o novo integrante do STF.

Zanin foi criticado por votos considerados conservadores. Em 30 dias como integrante da cúpula do Judiciário, divergiu da maioria em temas caros ao campo progressista e chegou a dar um voto que contrariou entidades que representam a população LGBTQIA+ em julgamento que teve posição favorável até do ministro Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro.

Além disso, também desagradou a ambientalistas e advogados da área criminal, outros dois importantes pilares de sustentação de Lula.

No entanto, após sofrer pressão por votos e decisões que não eram esperados pela base petista, o ministro passou a ser defendido tanto em público quanto em privado por pessoas próximas ao presidente.

Em conversas reservadas, ministros do Supremo também iniciaram um movimento para criticar os ataques que ele sofreu ao votar, por exemplo, contra a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal.

Apesar da operação pela defesa da imagem do novo ministro, as decisões do ex-advogado de Lula ainda são alvo de preocupação de setores da sociedade ligados ao PT –que, inclusive, afirmam que irão redobrar as atenções para a próxima indicação ao Supremo devido às posições de Zanin neste primeiro mês no STF.

Em relação à proposta de Lula de sigilo nos votos do STF, o presidente da Câmara se opôs, mas evitou detalhar.

"Difícil você avaliar posição de outras pessoas sem você ter conversado com elas sobre. Sim o que nós estamos vendo é um posicionamento firme de muitos juristas inclusive, e ex-ministros muito contra. Você já tem uma Suprema Corte com muita visibilidade, agora você vai ter com muita visibilidade sem saber o que estão votando", afirmou Lira.

"O princípio da transparência que é tão exigido no televisionamento das decisões vai ficar ofuscado. Mas longe de mim saber quais são os motivos que foram tratados para [Lula] dar uma declaração como essa", completou.

Algumas entidades reagiram à fala do presidente apontando que a proposta é inconstitucional.

Em nota, a Transparência Brasil chamou de "absurda" e "completamente equivocada" a declaração de Lula. De acordo com a organização, a sugestão do presidente vai contra princípios da democracia e da Constituição.

"É importante discutir se o caráter de espetáculo que os julgamentos da Suprema Corte adquiriram já há algum tempo é prejudicial à sua atuação, e seus efeitos sobre eventuais animosidades contra ministros [...] Mas jamais se coloca em xeque a exigência de transparência sobre a decisão de cada integrante do STF, que foi exatamente o que o presidente fez", afirma a Transparência Brasil na nota.

Para o Inac (Instituto Não Aceito Corrupção), a afirmação de Lula "causa profunda perplexidade" e não tem respaldo na ordem jurídica. "A publicidade é a regra nesta matéria, tanto que existe institucionalmente desde 2002 um canal de TV constituído justamente para permitir à sociedade o acompanhamento dos votos dos ministros."

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