Ação de Kassab para dominar metade das prefeituras de SP revolta outros partidos

Políticos acusam secretário de Governo de uso da máquina em prol do PSD; ele nega e diz atender a todos

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São Paulo

O avanço do PSD de Gilberto Kassab sobre os prefeitos do estado de São Paulo tem revoltado integrantes de outras siglas aliadas do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) que, nos bastidores, usam palavras duras para condenar a atuação do secretário de Governo.

A reclamação já chegou ao governador Tarcísio. Segundo esses políticos, Kassab usa a máquina do estado em benefício do seu partido. Como mostrou a Folha, o PSD saiu de 46 prefeitos para 329 nos últimos dez meses —hoje domina 51% dos 645 municípios paulistas.

Tarcísio de Freitas (Republicanos) cumprimenta o secretário Gilberto Kassab (PSD) em sua posse, em janeiro de 2023
Tarcísio de Freitas (Republicanos) cumprimenta o secretário Gilberto Kassab (PSD) em sua posse, em janeiro de 2023 - Divulgação - 1º.jan.23/Governo do Estado de São Paulo

Procurado pela reportagem, Kassab diz que as críticas a ele "estão equivocadas". "Não houve em nenhum momento utilização do governo para beneficiar nenhum partido, nem o PSD nem nenhum outro da base."

A insatisfação atinge siglas como Republicanos, MDB, PL, PP e União Brasil. Essas legendas que dão sustentação à gestão Tarcísio esperavam também atrair prefeitos do espólio do PSDB, mas não foram tão beneficiadas quanto o PSD.

Os tucanos, em crise e desalojados do Palácio dos Bandeirantes, viram seu número de prefeitos cair de 238 para 43.

Ao contrário de vereadores e deputados, os prefeitos não precisam esperar a janela partidária que antecede cada eleição para mudar de sigla. Por isso, é comum que eles busquem aderir às legendas governistas da ocasião.

Do primeiro andar do palácio, Kassab, ex-prefeito e ex-ministro, é o encarregado por intermediar a relação do governo com prefeitos e deputados. Faz parte das suas atribuições ouvir os pedidos dos políticos e determinar o envio de recursos para determinadas cidades por meio de convênios ou emendas parlamentares.

De acordo com políticos ouvidos pela reportagem, o presidente do PSD passou dos limites, o que prejudicaria a relação de Tarcísio com as siglas aliadas —necessárias para a aprovação de projetos na Assembleia, como a privatização da Sabesp, e para a formação de uma coligação na eleição de 2026.

Sob reserva, integrantes de diferentes legendas afirmam que os prefeitos estão sob pressão e que auxiliares de Kassab condicionam o repasse de verbas à filiação na sigla, mas nem sempre cumprem a promessa. A ação do PSD é descrita como agressiva e desproporcional.

Dirigentes comparam a situação com a do PSDB sob João Doria e Rodrigo Garcia, quando o então secretário de Desenvolvimento Regional, Marco Vinholi, que também é presidente estadual da legenda, atraiu centenas de prefeitos para o tucanato. Eles veem um crescimento artificial do PSD, assim como o do PSDB, que desinchou naturalmente.

Alguns ainda notam que Kassab foi vítima do método tucano —o PSD estava entre os partidos que mais perderam prefeitos para o PSDB— e o criticava, mas agora age da mesma forma.

A disputa pelos prefeitos já teve consequências na Assembleia Legislativa em ao menos dois casos. A bancada do PSDB chegou a articular uma queixa para Tarcísio a respeito da ingerência da pasta de Kassab sobre os prefeitos de suas regiões de atuação.

Mais grave, a União Brasil boicotou, em junho, a votação de um projeto de lei do governo para viabilizar o trem intercidades. Na primeira tentativa de votação, Tarcísio conseguiu apenas 46 dos 48 votos necessários. Dos 7 deputados da legenda, 5 declararam obstrução.

Em julho, Milton Leite, principal líder do partido na capital, afirmou à Folha que houve uma retaliação a Kassab porque o PSD havia pressionado a prefeita de Barretos, Paula Lemos, a se filiar em troca de recursos. "O problema grave que houve foi em relação à prefeita, mas Tarcísio não sabia. Isso já foi ajustado", disse na época.

Kassab foi escolhido por Tarcísio antes da posse para capitanear sua articulação política, mas, na visão de deputados, vem fazendo o contrário ao gerar indisposição com outros partidos e despertar incômodo dentro do governo.

Dirigentes que já relataram a situação a Tarcísio cobram que o governador tome as rédeas e redistribua poder entre as siglas que o apoiam. Ou, segundo eles, sua base chegará em frangalhos em 2026, quando Tarcísio deve tentar a reeleição ou ser lançado ao Planalto.

Kassab é cotado para ser o candidato a vice de Tarcísio em sua eventual tentativa de reeleição. Hoje o vice-governador é Felicio Ramuth, também do PSD, ex-prefeito de São José dos Campos (SP).

Auxiliares do governador confirmam que ele está ciente, mas minimizam a questão. Segundo aliados, a decisão sobre os repasses aos municípios cabe a Tarcísio.

A gestão tem buscado reforçar que todos os prefeitos serão atendidos, sem necessidade de trocar de partido —mas a avaliação é a de que muitos acabam mudando por medo mesmo assim.

Na campanha de 2022, o apoio de Kassab a Tarcísio, um carioca neófito nas urnas, foi considerado crucial para a vitória. O PSD indicou o vice e emplacou mais secretários que as demais legendas da coligação.

Já no governo, a influência de Kassab sobre Tarcísio encontrou concorrência. O secretário da Casa Civil, Arthur Lima (PP), é o braço direito do governador. Os dois passaram a disputar atribuições da gestão.

Kassab afirma que o atendimento do governo não distingue partidos e que ele não faz política partidária no Palácio dos Bandeirantes. "Não existe nada que desabone a imagem do governo, não há nenhuma ação do governo no sentido de ser proativo no convite de filiação", diz.

Para ele, diante da crise do PSDB, o crescimento do PSD é natural, pois a legenda sempre teve forte atuação no estado e era aliada dos tucanos.

"Essas mudanças de partidos refletem uma nova circunstância da política no estado. Há uma preocupação dos prefeitos de estarem alinhados com o governo. Foi uma mudança não de cooptação, mas de sintonização dos novos ventos da política. Ventos que têm Tarcísio como líder."

Bruno Silva, pesquisador do Laboratório de Política e Governo da Unesp Araraquara, afirma que a aliança de partidos que se formou em torno de Tarcísio deveria ter claro o preço que Kassab cobraria por colocar seu capital político à disposição da campanha.

Para ele, contudo, a disputa por prefeitos não tem potencial para azedar a relação do governador com siglas aliadas ou prejudicá-lo na Alesp.

"Muitas das dificuldades que o Tarcísio tem em relação à governabilidade dizem respeito à dificuldade que ele carrega consigo, de manter um caráter oscilante, da sua inexperiência política."

Silva afirma que a depender da ambição e da vontade política de Tarcísio —apetite que ele ainda não demonstrou— será preciso que o governador estabeleça outros termos para a relação com Kassab, de forma que ele possa também exercer controle.

O pesquisador lembra do pensador italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527). "Quando você herda um principado com o qual você não está familiarizado, você fica ao sabor dos mercenários, ou seja, daqueles que conhecem o território. Não tem vácuo na política", diz.

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