Descrição de chapéu Folhajus STF

Dino reduz disparidade entre Nordeste e Sudeste no STF e ratifica exclusão do Norte

Ministro indicado por Lula e aprovado pelo Senado não altera domínio de nascidos no Sudeste na corte

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São Paulo

Aprovada no plenário do Senado, a indicação de Flávio Dino para o STF (Supremo Tribunal Federal) diminuirá a baixa representatividade do Nordeste, mas manterá a exclusão do Norte na mais alta corte do país.

Na composição atual do Supremo, apenas Kassio Nunes Marques é do Nordeste. Outros 7 são do Sudeste, 1 é do Sul e 1 é do Centro-Oeste.

Com Dino, a região Nordeste passará a ter 2 representantes e o Norte seguirá como única região a não ter um ministro no STF.

Nascido no Maranhão, governador do estado por duas vezes de 2015 a 2022 e atual ministro da Justiça, Dino foi indicado pelo presidente Lula e teve seu nome aprovado pelo Senado nesta quarta-feira (13). A posse no tribunal deve ser em fevereiro.

Considerando a proporção populacional de cada região, uma composição do Supremo representativa das cinco regiões do país teria algo próximo a 4 ou 5 ministros do Sudeste, 1 a 2 do Sul, 3 do Nordeste, 1 do Centro-Oeste e 1 do Norte.

Foto mostra parte do prédio, que tem paredes de vidro, além de rampa para entrada e estátua simbolizando a Justiça
Sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília - Pedro Ladeira - 31.jan.23/Folhapress

A ausência do Norte na corte se mantém desde 2009, quando morreu Menezes Direito, que compôs o tribunal por menos de dois anos. Natural do Pará, ele foi o único ministro nascido na região dentre os indicados desde 1985.

No STF desde 2002 e natural do Mato Grosso, Gilmar Mendes é o único ministro oriundo do Centro-Oeste no período. O gaúcho Edson Fachin é o único da região Sul na composição atual.

Desde a redemocratização até os dias atuais, 18 dos 30 ministros nomeados no período nasceram no Sudeste. Na sequência, aparecem a região Sul, com um total de 6 magistrados, e o Nordeste, com 4.

Considerando toda a história da corte, ela nunca teve ministros nascidos em seis estados do país (Acre, Amapá, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima e Tocantins), além do Distrito Federal.

Conforme aponta Fernando Fontainha, que é professor de sociologia do direito do Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da Uerj, apesar de não aparecer nas indicações como local de nascimento dos ministros, habitar e frequentar Brasília aparece como central na dinâmica de nomeações para a corte.

Ele é um dos organizadores do livro "Os Donos do Direito: A Biografia Coletiva dos Ministros do STF (1988-2013)", que mapeia, em um de seus capítulos, a trajetória geográfica dos ministros que atuaram na corte de 1988 a 2013, incluindo mudanças por motivos pessoais, de trabalho e estudo.

Segundo o artigo, dois terços desses ministros já moravam em Brasília quando foram nomeados para o STF. Dos 10 que não moravam em Brasília, 7 se encontravam em capitais do Sudeste no momento da nomeação.

"Provavelmente, esse é o dado territorial mais significativo para entender como é que se faz um ministro do Supremo, muito mais do que o local de nascimento", diz. "Você frequentar Brasília, as rodas de poder que ocorrem nela, integrar de alguma maneira a vida paroquial da política brasiliense é fundamental."

Fontainha diz ainda que, apesar de a questão da diversidade regional por vezes ser mobilizada para "fazer um ministro", essa não seria a lógica de atuação do Supremo, como ocorre no caso do Parlamento.

Para Sara Côrtes, professora da Universidade Federal da Bahia e doutora em sociologia do direito, é importante uma maior diversidade regional no STF. Ela lamenta, porém, que não tenha sido escolhida uma mulher negra para o posto, o que define como uma perda histórica.

Pesquisadora da atuação do Judiciário em conflitos por terra, Sara diz que a presença no Supremo de pessoas que conhecem a realidade do Nordeste e também do Norte pode ter impacto em termos de mobilizar a sociedade civil a recorrer e acionar a corte.

"[São] regiões que têm uma marca cultural indígena e negra e tiveram outras formas de assentamento, que foram injustas", diz. "Discutir o Nordeste significa discutir uma outra forma de assentamento da população, que não foi essa forma do imigrante que chegou com estímulos à empregabilidade."

Ela aponta ainda que também tem relevância o local onde se estudou. "Então existe o elemento regional do ponto de vista do nascer, do viver e do estudar."

A disparidade entre as regiões aparece também na quantidade de formandos no curso de direito e de advogados.

Segundo os indicadores da Educação Superior do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), concluíram a graduação de direito em 2022 cerca de 62 mil pessoas. Desses, 50% estudaram em instituições na região Sudeste, 16% no Nordeste e também na região Sul, 12% no Centro-Oeste e 7% no Norte.

Segundo o quadro da advocacia da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), dos quase 1,4 milhão de advogados no país registrados atualmente, 50% são do Sudeste, 18% do Nordeste, 17% do Sul, 10% do Centro-Oeste e 5% do Norte.

Menezes Direito, por exemplo, apesar de ter nascido em Belém, mudou-se cedo para o Rio de Janeiro, onde frequentou dos estudos primários até o doutorado e construiu sua carreira.

Neste quesito, além da carreira profissional, Dino concluiu a graduação em direito no Maranhão e o mestrado em Pernambuco.

Antonio Maués, professor de direito constitucional da Universidade Federal do Pará (UFPA), por sua vez, apesar de não ver como necessária uma divisão rígida das vagas no Supremo de acordo com critérios regionais ou de gênero e raça, considera importante avaliar a composição do tribunal em contraponto às características da população brasileira.

"Eu creio que [nessa comparação] é tão notável essa ausência, que torna necessário você nomear pessoas da Amazônia, pessoas negras, mulheres, para diminuir um pouco essa falta de representatividade", diz.

Maués considera que seria importante ter algum ministro com maior conhecimento da região Amazônica e dos problemas que ocorrem na região, o que a seu ver poderia desembocar em uma resposta mais adequada da corte em pautas como a proteção ambiental e desenvolvimento sustentável, além dos direitos dos povos indígenas e das populações tradicionais.

O juiz federal e professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP Sergio Nojiri, que estuda a emoção e intuição no processo de tomada de decisão judicial, diz que não há um consenso entre pesquisadores quanto a se a empatia deveria ou não ser um critério importante para o processo de tomada de decisão.

"O problema do juiz ser muito empático ou criar um vínculo empático com uma das partes é que ele pode deixar de ser imparcial, mas alguns estudiosos acham que é importante o juiz ter empatia, se colocar no lugar do outro."

Nesse sentido, Nojiri explica que, uma visão mais tradicional diria que não faz diferença se o juiz ou ministro é de uma região ou de outra, ou seu gênero ou raça, e que a aplicação da lei independe dessas características. Enquanto outros consideram que a empatia é algo que pode colaborar para uma melhor compreensão dos problemas.

"Um grande problema da empatia tem a ver com a familiaridade, a gente tende a ter empatia pelas pessoas que são mais parecidas com a gente", diz. "Como o Poder Judiciário tem mais homem do que mulher, tem mais gente branca do que preta, então acaba que o sistema de Justiça ele fica de certa forma enviesado nesse sentido."


Veja estados de nascimento de cada ministro da atual composição do STF

  • Gilmar Mendes - MT
  • Cármen Lúcia - MG
  • Dias Toffoli - SP
  • Luiz Fux - RJ
  • Luís Roberto Barroso - RJ
  • Edson Fachin - RS
  • Alexandre de Moraes - SP
  • Kassio Nunes Marques - PI
  • André Mendonça - SP
  • Cristiano Zanin - SP
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