Descrição de chapéu Folhajus

PGR cita suspeita de corrupção de Ramagem na Abin sob Bolsonaro em caso de software espião

Ex-diretor pode ter agido para evitar divulgação de irregularidades, diz Procuradoria; hoje deputado, ele diz ter acionado PF para obter informações

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Brasília

A PGR (Procuradoria-Geral da República) cita a suspeita de que Alexandre Ramagem, diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) no governo de Jair Bolsonaro e cotado para disputar a Prefeitura do Rio de Janeiro, se corrompeu para evitar a divulgação de informações sobre o uso irregular do software espião durante sua gestão.

Informações sobre a atuação de Ramagem, amigo pessoal da família Bolsonaro, foram utilizadas pelos investigadores para deflagrar a Operação Última Milha, em 20 de outubro, quando a Polícia Federal prendeu oficiais da agência e servidores foram afastados. Todos são suspeitos de participação na compra e uso do FirstMile, software capaz de monitorar a geolocalização de aparelhos celulares.

O então presidente Jair Bolsonaro e Alexandre Ramagem, diretor da Abin, durante curso de Gestão Integrada em Inteligência no ano de 2020
O então presidente Jair Bolsonaro e Alexandre Ramagem, diretor da Abin, durante curso de Gestão Integrada em Inteligência no ano de 2020 - Marcos Corrêa/PR

Ramagem, atualmente deputado federal pelo PL, não foi alvo da ação, mas é citado no inquérito relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Procurado pela Folha, Ramagem afirmou, por meio de sua assessoria, que "representou na Polícia Federal" para obter informações sobre as questões abordadas na reportagem.

O uso do FirstMile veio a público após o jornal O Globo revelar que dois servidores da Abin envolvidos em uma suposta fraude licitatória no Exército citaram a utilização da ferramenta pela agência no processo em que seriam demitidos.

Os dois servidores foram presos na operação da PF e demitidos no mesmo dia. Eles são suspeitos de coerção ao utilizar o conhecimento sobre o uso do software espião para evitar a demissão em um processo disciplinar interno.

A dupla era investigada internamente por atuar em uma licitação do Exército utilizando uma empresa em nome de parentes.

Eduardo Izycki e Rodrigo Colli, diz a PGR, "cientes do uso indevido do sistema First Mile para fins alheios a missão institucional da Abin provocaram o ex-diretor-geral, Alexandre Ramagem, a retardar o julgamento do PAD 03/2019".

O ex-diretor, segundo a Procuradoria, teria convertido o julgamento em diligência, com a nomeação de nova comissão processante, e deixado de submeter as conclusões da primeira comissão ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional, responsável por apreciar e decidir sobre esses casos.

"Há indícios de prática de concussão e de corrupção ativa de Eduardo Izycki e Rodrigo Colli e de corrupção passiva pelo ex-diretor-geral da Abin Alexandre Ramagem", diz a PGR.

O advogado Rafael Adamek, que atua na defesa de Izycki e Colli, afirmou que as investigações tramitam sob sigilo e, em razão disso, não comentaria o caso.

O ministro Alexandre de Moraes, ao acatar pedido da PF para prisão, atrela a necessidade da medida à busca de provas sobre "quais elementos estão em posse destes (Izycky e Colli) a ponto de fazer o ex-diretor Alexandre Ramagem praticar atos administrativos fora de sua competência na defesa destes".

Sobre a compra e uso do software, a PF diz que Ramagem está entre os responsáveis pelas ações e omissões e faz parte do "núcleo da alta gestão", integrado por policiais federais lotados em cargos de assessoramento e direção na Abin durante o governo Bolsonaro.

"A potencial ciência e participação dos então responsáveis pela gestão da Abin ganha relevo quando, em ação extemporânea após o esgotamento do uso da ferramenta, constroem processo administrativo ‘correicional’ para garantir a ‘legalidade a posteriori’ de sua ações", diz a PF.

A suspeita é de que todas as irregularidades praticadas desde a compra, ainda no governo de Michel Temer, em 2018, passando pelo uso e as tentativas de evitar a apuração interna resultaram no monitoramento de diversas pessoas sem relação com o trabalho da Abin entre 2019 e 2021.

Para a PF, os fatos apurados apontam para a "apropriação indevida da Abin por parte dos altos gestores, em sua maioria policiais federais, com o fim de reduzir o órgão ápice do sistema brasileiro de inteligência a instrumento para fins ilícitos".

A PF afirma que desde o início a Abin sabia do caráter invasivo do software e de sua capacidade de invadir a rede de telefonia nacional.

Para os investigadores, já na proposta comercial, a empresa vendedora informou o uso pela ferramenta de "estrutura de telefonia no exterior (SS7) para simular chamadas em roaming, inclusive valendo-se de envios de SMS Spoofing, resultando na manipulação dos sinais da rede de telefonia".

"O Estado brasileiro, portanto, efetuou o pagamento de R$ 5 milhões para empresa estrangeira realizar ataques sistemáticos à rede de telefonia nacional para comercializar dados pessoais sensíveis que resultaram na disponibilização da geolocalização de diversos cidadãos brasileiros sem qualquer ordem jurídica", afirma a PF.

Entre os alvos, a PF cita professores, advogados, políticos e outros, sem detalhar a identidade de cada um.

Em outubro, a Abin afirmou que a ferramenta deixou de ser usada em maio de 2021, e que colabora com a PF e o STF desde o início das apurações. A PF também decidiu investigar o Exército depois que a Folha mostrou que a instituição havia adquirido o sistema.

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