Filho de Lula se alia a empresário bolsonarista e a prefeito investigado para erguer time no AM

Luis Claudio dirige clube em cidade encravada na floresta, rumo à Série D, e retorna ao futebol ressentido com ofensiva contra a família

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Rio Preto da Eva (AM)

O RPE Parintins disputou um jogo decisivo na noite de sábado (17), em Rio Preto da Eva (AM), a 85 km de Manaus. Com o estádio cheio, jogando em casa, o time teve a chance de vencer a semifinal do primeiro turno do Campeonato Amazonense e, assim, buscar a ascensão à Série D do Campeonato Brasileiro. Perdeu três pênaltis seguidos e engoliu a derrota diante de 3.000 torcedores.

O dono do time, um empresário sul-coreano com atuação na Zona Franca de Manaus, parecia calmo na beira do campo. O prefeito da cidade, parceiro da empreitada, assistiu ao jogo no meio da torcida, bebendo cerveja, enrolado na bandeira do "Tourão". O mais tenso era o diretor de futebol do clube: Luis Claudio Lula da Silva, 39, filho caçula do presidente Lula (PT).

O 0 a 0 no placar fazia Luis Claudio andar em zigue-zague, atrás do banco de reservas. Em momentos decisivos, como nos pênaltis, sumia de vista. Ele sabia que vencer o time do São Raimundo daria projeção ao clube que ajudou a criar do zero, com a possibilidade de subida à Série D em caso de uma vitória na final do primeiro turno do Barezão, o Campeonato Amazonense.

Luis Claudio Lula da Silva, filho do presidente Lula, no estádio Francisco Garcia, antes da partida entre o Parintins e São Raimundo, válida pelo Campeonato Amazonense - Edmar Barros/Folhapress

O RPE Parintins, sediado numa cidade encravada na floresta amazônica (e que não é Parintins, a cidade do boi-bumbá), foi a forma que o caçula de Lula encontrou para retornar ao mercado da bola, após acusações de tráfico de influência no rastro do lava-jatismo, afastamento dos gramados em razão da crise do PT e atuação (quase indesejada) como assessor parlamentar em São Paulo.

Para viabilizar o surgimento do time de futebol, num estado sem tradição na área e distante de clubes grandes ou médios, Luis Claudio se aliou a um empresário de direita, com histórico de oposição ao PT –inclusive com participação em protestos na avenida Paulista, no auge dos pixulecos, o boneco que simulava um Lula presidiário, e dos pedidos de impeachment de Dilma Rousseff (PT).

O caçula do presidente também se juntou a um prefeito lulista do interior do Amazonas, Anderson Sousa (União Brasil), que comanda a Prefeitura de Rio Preto da Eva, cidade de 25 mil habitantes. Em setembro de 2023, Sousa chegou a ser preso por porte ilegal de arma de fogo, em deflagração de operação pela Polícia Federal para investigar suspeita de fraude de licitação e desvio de recursos no município.

Luis Claudio passou a viver a realidade da Amazônia, e se divide entre Amazonas e São Paulo. Sua reabilitação no futebol coincide com a reabilitação do pai, eleito presidente da República para um terceiro mandato.

Em entrevista à Folha, ele admite que ser filho do presidente abre portas. Diz dar sugestões ao pai e a ministros do governo sobre questões relacionadas à sua atuação numa região amazônica. E afirma ter ressentimento em relação ao passado de ofensivas policiais contra a família. Luis Claudio atribui a morte da mãe, Marisa Letícia, à Lava Jato. Ela morreu em 2017 após sofrer um AVC.

A primeira ideia do caçula de Lula era que o time de futebol ficasse em Parintins, cidade a leste do Amazonas. O desconhecimento da Amazônia era tanto que Luis Claudio só descobriu depois que o município é acessado apenas por água –as viagens de barco podem demorar mais de um dia– ou por ar.

Ele buscou, então, uma nova cidade para sediar o clube. Rio Preto da Eva está perto de Manaus, e as duas cidades são conectadas por uma rodovia estadual, ainda que em péssimo estado de conservação.

O senador Omar Aziz (PSD-AM) ligou para o prefeito Anderson Sousa e pediu que desse atenção especial ao filho caçula de Lula e ao empresário Sung Un Song, 62, dono da Digitron, uma empresa que fabrica peças de computadores e que foi atraída a Manaus, há 27 anos, em razão da Zona Franca.

Song é o dono do time. Foi ele que contratou Luis Claudio. A Prefeitura de Rio Preto da Eva embarcou no projeto e aceitou que o time se chamasse Parintins, sem estar em Parintins. A camisa tem até as cores azul e vermelho, as mesmas dos bois rivais Caprichoso e Garantido. Tudo ideia do filho de Lula.

Um advogado tributarista apresentou Luis Claudio a Song, em 2021, ano em que o filho do presidente trabalhava como assessor do deputado estadual Emídio de Souza (PT), em São Paulo. Luis Claudio já havia atuado como auxiliar de preparadores físicos em grandes times paulistas, além de ter estruturado uma liga de futebol americano.

"Eu buscava um diretor de futebol, gostei do currículo dele. Mas não sabia que era filho do Lula", diz Song. "Quando ele me disse, eu desisti de contratar." O empresário afirma ter se arrependido em seguida. Fez a contratação e pediu discrição sobre o parentesco.

Até a disputa presidencial, em outubro de 2022, Luis Claudio passava quase despercebido pela cidade, por Manaus e por instâncias do futebol amazonense. Depois da eleição, passou a se mostrar mais nas redes sociais e há mais de um ano é o filho de Lula para todo mundo.

"Eu sou mais de direita. E me entendia como bolsonarista. Fui a protesto contra a Dilma na Paulista, com pixuleco, aquela coisa toda", diz o dono da Digitron. "Depois, percebi que Lula e Lulinha não eram tudo que diziam."

Song afirma não buscar o presidente por meio do filho. Segundo a ele, uma atuação mais política, em defesa da Zona Franca de Manaus, foi feita no passado. "O governo Lula sempre foi pró-emprego, favorável à industrialização. O governo anterior [de Jair Bolsonaro] era mais favorável ao mercado livre."

A Prefeitura de Rio Preto da Eva aparece entre os patrocinadores do RPE Parintins, mas, segundo o prefeito, não há injeção direta de dinheiro no time. O estádio municipal foi reformado, com apoio de empresários, e houve um termo de cessão ao clube, conforme Sousa.

Lula é um interlocutor com relativa frequência, afirma o prefeito, mas não por causa do filho, e sim em razão da atuação como líder de associação de municípios. Após o primeiro turno em 2022, Luis Claudio pediu que o pai gravasse um vídeo agradecendo ao prefeito pela mobilização a favor da campanha, diz Sousa. Lula venceu em Rio Preto da Eva com 52,6 % dos votos.

Em setembro passado, a PF fez uma operação para combater supostos desvios de recursos públicos e fraudes em licitações em Rio Preto da Eva. Por portar irregularmente uma arma de fogo, o prefeito foi detido pelos policiais. Foi liberado após pagamento de fiança.

"Isso tudo foi por causa da compra de uma ambulância e de Tamiflu na época da pandemia, no valor de R$ 220 mil. A compra foi feita atendendo recomendação do ministério na época. Os advogados estão cuidando do processo", diz o prefeito.

Tamiflu é um medicamento que combate efeitos da gripe e que não tem eficácia comprovada contra a Covid-19. Na pandemia, foi comprado em larga escala pelo Ministério da Saúde do governo Bolsonaro.

Sousa afirma ter posse regular de arma de fogo, por ter registro de CAC (colecionador, atirador desportivo e caçador). "A pistola estava no carro, e deveria estar em casa, segundo a polícia."

REABILITAÇÃO NO FUTEBOL

Para Luis Claudio, o passado bolsonarista do patrão ou a investigação da PF envolvendo o prefeito não são empecilhos para que o projeto do RPE Parintins avance. O filho caçula do presidente enxerga o empreendimento como uma reabilitação no futebol, após sucessivas investigações pela PF e pelo MPF (Ministério Público Federal).

Em 2015, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão em uma empresa de Luis Claudio em São Paulo, dentro da Operação Zelotes, que investigou suspeita de tráfico de influência e pagamentos de R$ 2,55 milhões à empresa, que atuava com marketing esportivo.

Pai e filho chegaram a ser réus na Justiça Federal do DF. Houve citações ainda em delações de integrantes da empreiteira Odebrecht e do ex-ministro Antonio Palocci.

Em março de 2022, o então ministro Ricardo Lewandowski (STF) suspendeu a tramitação da ação penal da Zelotes. A imputação de crimes era fantasiosa, segundo argumentos da defesa apresentados a Lewandowski, hoje ministro da Justiça do governo Lula.

"Todas as acusações criminais foram arquivadas", diz Luis Claudio. "Restam dois processos administrativos. Houve anos de absurdos jurídicos, o filho do Lula sempre é um peixe bom, mas não tinha preocupação de ser preso ou pagar multa. Há dois anos não olho mais para isso."

O filho do presidente defende que a família Bolsonaro, alvo de diversas acusações na Justiça, não passe pelo mesmo "cerco midiático". "Só quando houver condenações em diferentes instâncias."

Dentro do estádio, Luis Claudio já foi hostilizado uma vez, chamado de "filho de ladrão". Também foi hostilizado dentro de uma farmácia em Manaus, cidade onde Bolsonaro levou 61,28% dos votos em 2022.

Mas os ares já são outros para o caçula do presidente. No estádio em Rio Preto da Eva, no sábado, ele era parado para fotos e conversas com frequência. Nos bastidores do jogo, tudo parecia girar em torno dele.

O RPE Parintins é um time pequeno, com média salarial de R$ 6.000 a R$ 7.000 por jogador. O dono da Digitron diz injetar, hoje, menos de R$ 1 milhão por ano no clube. O custeio é feito ainda por outras empresas patrocinadoras. Ninguém revela o salário de Luis Claudio.

Segundo o prefeito da cidade, emendas parlamentares garantirão a construção de um centro de treinamento para o time. No segundo turno do Barezão, ainda neste semestre, o RPE Parintins terá mais uma chance de abocanhar uma vaga na Série D.

Luis Claudio Lula da Silva, filho do presidente Lula, conversa com torcedores no estádio Francisco Garcia - Edmar Barros/Folhapress
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