Bolsonaro e militares silenciam em depoimento à PF sobre trama golpista

Defesa de ex-presidente e de generais adotam estratégia comum e pedem acesso à íntegra de investigação; Valdemar e Torres destoam

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Brasília

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e generais alvos da Polícia Federal ficaram em silêncio durante depoimento nesta quinta-feira (22) sobre a investigação de planos discutidos no fim de 2022 para um golpe de Estado contra a eleição de Lula (PT) à Presidência da República.

A estratégia de se manter calado havia sido antecipada pela defesa de Bolsonaro, sob a justificativa dos advogados de que não tiveram acesso a todos os documentos obtidos pela investigação —como os depoimentos prestados pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid no âmbito da delação premiada.

Destoaram da posição majoritária, porém, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o assessor direto de Bolsonaro Tércio Arnaud. Eles responderam às perguntas feitas pela PF.

O ex presidente Jair Bolsonaro deixa sua casa para ir para o PL, horas antes de prestar depoimento à PF sobre tentativa de golpe de estado. - Gabriela Biló/Folhapress

Ex-ministros, ex-assessores, militares e aliados de Bolsonaro foram intimados a prestar esclarecimentos no mesmo horário. No total, 23 pessoas. Só em Brasília, 13 (dos quais 4 falaram).

A defesa do ex-presidente pediu três vezes ao STF (Supremo Tribunal Federal) para adiar a data da oitiva de Bolsonaro. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, negou os três pedidos.

Na primeira decisão sobre o pedido de adiamento, Moraes disse que a Constituição Federal "consagra o direito ao silêncio e o privilégio contra a autoincriminação".

"Mas não o 'direito de recusa prévia e genérica à observância de determinações legais' ao investigado ou réu, ou seja, não lhes é permitido recusar prévia e genericamente a participar de atos procedimentais ou processuais futuros, que poderão ser estabelecidos legalmente dentro do devido processo legal."

Bolsonaro chegou à sede da PF em Brasília por volta das 14h20, 10 minutos antes do horário marcado. Com a decisão dele de se manter em silêncio, o depoimento foi encerrado pouco depois.

A maioria dos investigados adotou a mesma decisão e permaneceu calada. A defesa do general Braga Netto disse que solicitou o "acesso absoluto e integral a toda investigação para que possa prestar os devidos esclarecimentos".

Os generais Augusto Heleno, Mario Fernandes e Paulo Sérgio Nogueira, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos e outros militares alvos da investigação também ficaram em silêncio.

Já a defesa de Valdemar Costa Neto disse que ele "respondeu todas as perguntas que lhe foram feitas". A de Torres afirmou que o ex-ministro "respondeu serenamente a todas as perguntas que lhe foram formuladas".

"Anderson Torres esclareceu todas as dúvidas em relação aos fatos investigados e reafirma sua disposição para cooperar com as investigações", afirmaram os advogados, em nota. "O ex-ministro acredita na Justiça e confia nas instituições brasileiras."

O assessor para assuntos internacionais do governo Bolsonaro, Filipe Martins, negou no depoimento ter entregado a minuta de teor golpista para o ex-presidente. Ele, porém, não respondeu às perguntas dos investigadores.

"Aguardamos agora a decisão referente ao requerimento de revogação da prisão preventiva, pontuando que essa só deve persistir em casos excepcionalíssimos, quando a liberdade em si for um risco, o que demonstrado não ser o caso de Filipe, sob pena de a medida se transmutar em cumprimento antecipado de uma eventual e absolutamente incerta pena", escreveram em nota os advogados João Vinícius Manssur, William Iliadis Janssen e Ricardo Scheffer.

Também apresentaram esclarecimentos o coronel Bernardo Romão Correa Neto, que está preso, e o assessor de Bolsonaro Tércio Arnaud, que respondeu a cerca de 150 perguntas dos investigadores. Os depoimentos dos dois duraram pouco menos de 6 horas.

O coronel da reserva Marcelo Camara, auxiliar do ex-presidente, acabou não depondo. Ele tem os mesmos advogados de Tércio, e o depoimento dele começou enquanto seus defensores ainda estavam auxiliando o outro investigado na oitiva.

Camara ficou, portanto, sem advogados para o auxiliar no depoimento. A Polícia Federal considerou o caso como uma opção do militar pelo silêncio e não o chamará para depor novamente.

O advogado de Bolsonaro, Paulo Bueno, disse nesta quinta que a defesa não teve acesso a todos os elementos das imputações contra o ex-presidente, o que motivou a opção pelo silêncio. Ele também afirmou que o ex-presidente "nunca foi simpático a movimento golpista".

"Esse silêncio, quero deixar claro, não é simplesmente o uso do direito constitucional, mas estratégia baseada no fato de que a defesa não teve acesso a todos os elementos que estão sendo imputados ao presidente a prática de certos delitos."

O advogado completou: "A falta de acesso a esses documentos, especialmente às declarações do tenente-coronel Mauro Cid, e as mídias eletrônicas obtidas pelos celulares de terceiros e computadores impedem que a defesa tenha o mínimo conhecimento de por quais elementos o presidente é convocado para este depoimento".

A PF investiga as tratativas por um golpe de Estado desde que encontrou na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, em janeiro de 2023, uma minuta de decreto para Bolsonaro instaurar estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O objetivo seria reverter o resultado da eleição, segundo os investigadores.

Com a delação de Mauro Cid e as provas obtidas em outras operações, a PF chegou à conclusão de que Bolsonaro teve acesso a versões da minuta golpista (não exatamente a mesma que estava com Torres).

De acordo com as investigações, ele chegou a pedir modificações no texto e apresentar a proposta aos chefes militares, para sondar um possível apoio das Forças Armadas à empreitada.

A primeira versão do texto teria sido apresentada a Bolsonaro pelo seu assessor de assuntos internacionais, Filipe Martins, e o padre José Eduardo de Oliveira e Silva numa reunião no Palácio da Alvorada em 19 de novembro de 2022.

Segundo a PF, o jurista Amauri Feres Saad também teria participado das discussões sobre a minuta golpista que foi apresentada a Bolsonaro, participando de reuniões posteriores.

O texto destacava uma série de supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo —os chamados "considerandos", que, na visão dos investigados, daria base jurídica para o golpe de Estado.

Na sequência, a minuta previa a prisão dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Em relatório da investigação, a PF diz que Filipe Martins e Amauri Saad fizeram ajustes na minuta do decreto e apresentaram a nova versão do texto ao ex-presidente Bolsonaro em 7 de dezembro de 2022.

"Após os ajustes, Jair Bolsonaro teria convocado os comandantes das Forças Militares no Palácio da Alvorada para apresentar o documento e pressionar as Forças Armadas", diz trecho do relatório.

O tenente-coronel Mauro Cid disse, na delação, que o comandante da Marinha à época, almirante Almir Garnier, teria concordado com o golpe de Estado, "colocando suas tropas à disposição do presidente", segundo a PF.

Dois dias depois da reunião, Cid enviou um áudio para o comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmando que Bolsonaro fez novas alterações no texto e que gostaria de conversar com o chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, general Estevam Theophilo.

Na decisão que autorizou a operação da PF no último dia 8, Moraes disse que as mensagens e provas "sinalizam que o então presidente Jair Messias Bolsonaro estava redigindo e ajustando o decreto e já buscando o respaldo do general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira (há registros de que este último esteve no Palácio do Planalto em 9/12/2022), tudo a demonstrar que atos executórios para um golpe de Estado estavam em andamento".

Na visão da PF, a discussão de planos golpistas por Bolsonaro e aliados não foi um fato isolado. Ela decorre de uma estratégia anterior do ex-presidente de colocar em dúvida a lisura do processo eleitoral, lançando dúvidas sobre o funcionamento das urnas eletrônicas.

Nesse contexto, os investigadores incluíram como prova um vídeo da reunião ministerial convocada por Bolsonaro em 5 de julho de 2022. A gravação foi encontrada no computador de Mauro Cid, apreendido pela PF. Na reunião, Bolsonaro pediu que os ministros estivessem alinhados nas críticas ao processo eleitoral.

De acordo com a Polícia Federal, a atuação de Bolsonaro incentivou o núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral, que era composto por assessores e militares, cujo objetivo era a produzir e divulgar notícias falsas sobre o processo eleitoral para "estimular seguidos a permanecerem na frente de quartéis e instalações das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado".

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