Bolsonaro exalta liberdade em dia de homenagem a Michelle e vídeos de embaixada

Após embate judicial, ex-primeira-dama recebe título de cidadã paulistana no Theatro Municipal e adota discurso religioso

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São Paulo

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a falar sobre liberdade na noite desta segunda-feira (25), durante sessão de entrega do título de cidadã paulistana à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), em evento realizado no Theatro Municipal, no centro de São Paulo, após embate judicial.

Bolsonaro afirmou que a sociedade durante muito tempo não deu o devido valor à liberdade. "Tem coisas que [a gente] só dá valor depois que perde", disse, num dia em que o jornal The New York Times revelou vídeos dele hospedado por dois dias na embaixada da Hungria em Brasília após ter sido alvo de operação da Polícia Federal com apreensão de seu passaporte.

A ex-primeira dama Michelle Bolsonaro recebe homenagem no Theatro Municipal - Rubens Cavallari/Folhapress

Durante seu governo, em meio a ataques a jornalistas e censura a dados públicos, Bolsonaro reivindicou constantemente a liberdade de expressão como uma bandeira própria.

Para especialistas ouvidos pela Folha à época, além de contraditória com a prática, a postura bolsonarista representa uma armadilha e uma forma de pressão às plataformas de redes sociais. Na avaliação deles, a questão se insere em um debate mal resolvido no país sobre a liberdade de expressão.

Nesta segunda-feira, Bolsonaro fez um discurso rápido, segundo ele para não "retirar o brilho" da fala de Michelle, a quem se referiu como "a melhor e mais bonita" primeira-dama do Brasil.

Ao fim do evento, ele falou rapidamente com jornalistas. Ele disse que não falaria mais sobre o assunto da embaixada, mas comentou: "Porventura dormir na embaixada ou conversar com algum embaixador tem algum crime nisso?".

Questionado sobre o porquê de ter dormido na embaixada, ele disse: "Não vou te responder porque tem muita senhora aqui". "Chega de perseguir, pessoal. Vamos falar da Marielle Franco? Eu passei seis anos sendo acusado de ter matado a Marielle. Chegou no final da linha. Acabou o assunto agora?", questionou.

A cerimônia no Theatro Municipal foi alvo de disputa judicial e chegou a ser proibida. Durante a tarde, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) informou que havia determinado o cumprimento imediato da ordem de intimação para impedir a realização de evento.

O vereador Rinaldi Digilio (União Brasil), autor do projeto de lei que concedeu o título a Michelle, anunciou então que iria arcar, "por escolha pessoal e particular", com a quantia de R$ 100 mil pelo aluguel do Theatro Municipal para manter a homenagem no espaço.

O evento teve a presença do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que terá apoio de Bolsonaro na eleição e que havia defendido o fato de a prefeitura ter cedido o local para a homenagem a Michelle.

A ex-primeira-dama recheou seu discurso com referências religiosas. No início, disse que não poderia deixar de cumprimentar seus irmãos "com a paz do Senhor", obtendo um "amém" como resposta dos convidados.

Michelle também afirmou que Bolsonaro foi o homem usado por Deus "para levantar essa nação".

Ela disse que nunca gostou de estar à frente e que sempre preferiu os bastidores. Mas sugeriu que isso teria mudado quando, antes da eleição do marido, recebeu um vídeo de uma pessoa que tinha epidermólise bolhosa, uma doença rara.

"Fui para o banheiro, orei e falei ‘Senhor, se o senhor permitir a gente chegar ao poder, eu vou usar esse poder para ajudar as pessoas que mais precisam’", afirmou ela.

A ex-primeira-dama também disse que Deus reverteu a facada da qual Bolsonaro foi vítima nas eleições de 2018 porque sabia de sua "missão e propósito na Terra". Ao fim da cerimônia, Michelle ainda pediu que o vereador Digilio, que é pastor e foi o responsável pela homenagem, fizesse uma oração.

Desde que se lançou na vida pública, Michelle cumpre o papel de aglutinar o eleitor religioso em torno de seu marido. No dia 25 de fevereiro, em ato na Paulista em defesa de Bolsonaro, ela fez um discurso mais agressivo neste sentido.

"Por um bom tempo fomos negligentes ao ponto de falarmos que não poderia misturar política com religião, e o mal ocupou o espaço. Chegou o momento da libertação. Eu creio em um Deus todo poderoso capaz de restaurar e curar nossa nação", afirmou na ocasião.

O discurso de Michelle foi apontado por especialistas como um aceno para a supremacia cristã e uma ameaça para a laicidade do Estado.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro recebe homenegam no Theatro Municipal de SP - Rubens Cavallari/Folhapress

Parlamentares do PSOL acionaram a Justiça e o Ministério Público Eleitoral de São Paulo para barrar a cerimônia de entrega do título de cidadã paulistana à ex-primeira-dama.

Normalmente, essas cerimônias ocorrem na própria Câmara Municipal. A justificativa dada é que o espaço legislativo não comportaria o número de convidados. O Theatro Municipal tem capacidade para 1.523 pessoas.

Na sexta-feira (22) à noite, a 10ª Câmara de Direito Público proibiu a realização do evento no Theatro Municipal. O desembargador Martin Vargas decidiu que a cerimônia deveria ocorrer na própria Câmara, sob pena de multa de R$ 50 mil caso a determinação não fosse cumprida.

Ele afirmou que havia "indícios contundentes" de que a transferência do evento para o Theatro Municipal violava "os princípios da administração pública".

A despeito da determinação da Justiça, o vereador Rinaldi Digilio manteve a organização do evento, inicialmente afirmando que ainda não havia sido notificado da decisão.

Após a ordem de intimação pelo TJ-SP, ele anunciou o aluguel do espaço sob alegação de que não poderia deixar Michelle passar por constrangimento.

"Mesmo com a decisão da Justiça proibindo a cerimônia, impondo multas, fiz esse empréstimo, dei meus bens como garantia, para que realizássemos essa cerimônia", disse.

Em tom de pregação, o vereador afirmou a Michelle: "O inimigo não está te atacando porque você é fraca, o diabo está te atacando porque você é uma ameaça".

Nunes havia defendido dias atrás o uso do Theatro Municipal nesse caso alegando que o espaço já foi usado para uma série de outros eventos públicos e que a homenagem foi aprovada na Câmara.

Segundo ele, "não é salutar para a democracia" que a homenagem seja alvo de questionamento somente por se tratar da mulher de Bolsonaro.

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